“Agro burro está com dias contados, e invasão da Embrapa foi erro”
João Pedro Stedile - Foto Myke Sena Câmara dos Deputados
Aliado de Lula, líder do movimento participa de sessão da comissão nesta terça.
Uma das principais lideranças do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), João Pedro Stedile classificou nesta terça-feira (15) como um erro a invasão da fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em Petrolina (PE), em julho, pelo movimento.
Segundo Stedile, os acampamentos do MST têm autonomia e não cabe à instância nacional do movimento decidir por eles. "Cada acampamento tem autonomia do que faz. 'Ah, às vezes eles exageram, erram'. Concordo. Às vezes exageram e erram, mas eles têm o direito deles de decidir", disse.
"Eu posso até fazer uma autocrítica porque os jornalistas me perguntam. Está bom, foi um erro, um equívoco entrar na Embrapa. Mas eles decidiram porque era a área pública mais próxima. E entraram lá não para reivindicar a área da Embrapa, [mas] para chamar atenção da opinião pública e conseguiram", continuou.
Ainda de acordo com Stedile, membros do MST "não destruíram nada" do local. "Qual problema? De um lado você tem 40 mil hectares de terras públicas, não precisa desapropriar ninguém. E do outro você tem 8.000 famílias acampadas. Agora quem vai dizer para as famílias 'esperem, o governo Lula irá resolver'? Eles têm autonomia."
Aliado de longa data do presidente Lula (PT), o líder sem terra participou, na condição de testemunha, de sessão da CPI do MST da Câmara, que investiga o movimento —sua convocação foi aprovada pelo colegiado em junho.
O líder do MST também disse que o agronegócio está dividido no Brasil hoje e que parcela do setor é burra e só "pensa em lucro fácil". Segundo Stedile, essa parte do setor está "com os dias contados".
"Uma parcela do agronegócio ainda vai para o céu, porque eles estão se dando conta que eles podem ganhar dinheiro, podem aumentar produtividade com outras práticas. Agora, aquele agronegócio burro, que só pensa em lucro fácil, esse está com os dias contados", disse Stedile.
"O agronegócio está dividido: a metade que tem juízo, que estuda, apoiou o Lula e é a parcela representada pelo [ministro da Agricultura, Carlos] Fávaro. A outra parcela do agronegócio que insiste em só ganhar dinheiro é a Aprosoja [Associação Brasileira dos Produtores de Soja], que só pensa em ganhar dinheiro e não tem responsabilidade com o meio ambiente", continuou o líder do MST.
Para ele, uma parte já tem consciência de limites e está "migrando para uma outra agricultura, que chamam agora de maneira mais simpática de agricultura regenerativa".
Desde que foi eleito, o presidente fez gestos numa tentativa de se aproximar de ruralistas, com quem o tem tido uma relação conturbada desde a campanha. Membros do governo têm feito esforços para melhorar a relação com o agronegócio, setor próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um exemplo disso foi o anúncio de Lula, em junho, que o Plano Safra 2023/2024 vai somar R$ 364,22 bilhões para o financiamento da atividade agropecuária de médio e grandes produtores.
Apesar de medidas elogiadas por representantes do setor, Lula tem dado declarações que geram mal-estar com produtores rurais.
Nesta terça, Stedile está acompanhado do criminalista Roberto Podval, que também advoga para o relator da CPI, deputado Ricardo Salles (PL-SP), que foi ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro.
Na sessão, ele afirmou ainda que o MST defenderá o governo Lula, não por serem "bajuladores", mas para defender a gestão "de seus inimigos", e listou entre eles o Banco Central, o capital financeiro e o latifúndio "improdutivo que invade áreas indígenas e áreas quilombolas".
Stedile seguiu dizendo que sempre defende que os movimentos mantenham autonomia do Estado brasileiro, de governos e de partidos políticos. "Mesmo que tenhamos deputados pelo PT, pelo PSB, pelo PSOL, não significa que esses partidos têm ingerência sobre o MST. E o verso é verdadeiro. Defendemos autonomia."
O depoimento do líder do MST desta terça-feira ocorre num momento em que a CPI ameaça ser encerrada depois do esvaziamento promovido pelo governo federal em articulação com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e membros do centrão.
Lira blindou o Planalto e evitou a convocação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, na semana passada.
Stedile foi alvo de três requerimentos aprovados na CPI. Um deles, de autoria do deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), dizia que o líder do movimento deveria prestar esclarecimentos sobre as práticas e ações do MST, "bem como sobre possíveis violações legais decorrentes das invasões de terra e ocupações realizadas pelo movimento".
Em entrevista à Folha, em maio deste ano, Stedile já contava que seria chamado para depor na comissão. Naquele momento, afirmou que iria usar da CPI para "denunciar as invasões das terras indígenas, o trabalho escravo, as invasões de terras quilombolas, o uso abusivo dos agrotóxicos".
"Mas, de consequência real, não terá nada, porque nós não cometemos crime nenhum, não há fato [para ser investigado]", disse na época (Folha, 16/8/23)