Ainda o MST – Editorial Folha de S.Paulo
FOLHA S PAULO.jpg
Grupo avança sobre cargos e verbas, mas falta discutir mérito da reforma agrária.
À primeira vista, pode parecer incompreensível que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tenha intensificado as invasões de propriedades no governo aliado de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), depois de manter atuação acanhada sob Jair Bolsonaro (PL).
Boa parte da explicação deve ser buscada na reação do Palácio do Planalto às ações criminosas na semana que passou. Entre um resmungo e outro, a administração petista tratou de substituir 20 dos 27 superintendentes do Incra, órgão responsável pela reforma agrária, atendendo às cobranças do MST.
O movimento também conseguiu um espaço na concorrida agenda do ministro Fernando Haddad, da Fazenda, para apresentar pleitos como juros menores para os produtores e mais verbas para o Incra.
Somente neste sábado (22), após determinação judicial, os sem-terra deixaram uma área de pesquisa da estatal Embrapa em Pernambuco, invadida uma semana antes. A marcha rumo ao aparelho do Estado, porém, vai prosseguir.
É direito de qualquer movimento social, obviamente, fazer suas reivindicações —respeitando os limites da lei e se valendo dos canais da democracia. O que se perde na relação umbilical entre MST e PT, mal disfarçada pelos queixumes dos dois lados, é o debate de mérito da reforma agrária.
Deve-se questionar se faz sentido empregar recursos públicos escassos para elevar a população rural, num país de crescentes urbanização e produtividade agrícola, ou se outras ações de governo seriam mais eficazes. Também seria elucidativo fazer um inventário dos resultados já obtidos.
Cumpre recordar que, não mais de sete anos atrás, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou uma paralisação do programa. Haviam sido encontrados indícios de irregularidades em 479 mil beneficiários da reforma, quase um terço do total de assentados.
Entre os contemplados haveria funcionários públicos, empresários, políticos detentores de mandatos e até pessoas mortas. Na época, o Incra atribuiu as discrepâncias a problemas nos cadastros.
Não se trata de descartar a reforma agrária, mas de submetê-la aos critérios que devem guiar todas as políticas públicas. O que se vê por ora é apenas um avanço interesseiro sobre cargos e verbas (Folha de S.Paulo, 24/4/23)