08/12/2020

Ala ideológica prepara decreto contra Huawei e empresa deve ir ao Supremo

Ala ideológica prepara decreto contra Huawei e empresa deve ir ao Supremo

Legenda: Empresa chinesa, maior fornecedora global de equipamentos de tecnologia, sofre investida dos EUA, que pressiona aliados a excluí-la de suas redes Gonzalo Fuentes/Reuters

 

Companhia defenderá que possível decisão é inconstitucional e leilão pode ser adiado até julgamento.

A ala ideológica do governo federal prepara um decreto para impedir a participação da chinesa Huawei no leilão do 5G. A empresa deverá ir ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida.

O decreto é um instrumento a ser usado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) caso decida banir a gigante chinesa do fornecimento de equipamentos de telecomunicações para as operadoras construírem as redes 5G.

Na prática, a medida adiaria o leilão. A concorrência está prevista para junho de 2021.

Assessores jurídicos da Huawei consideram que um banimento seria inconstitucional. Para eles, a decisão fere o princípio da livre iniciativa.

As teles concordam e também consideram ir ao STF se Bolsonaro insistir em barrar a fabricante. A Huawei hoje está presente em mais da metade das redes de 3G e 4G em funcionamento no país.

 

O decreto está sendo preparado pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional), comandado pelo general Augusto Heleno. O ministro ainda aguarda sinal verde de Bolsonaro para concluir o processo.

O GSI nega conduzir o preparo do decreto. "Tal assunto não está sob responsabilidade do GSI", disse o órgão por meio de sua assessoria.

Há pressão no governo para que a empresa seja barrada em convergência com o lobby do governo Donald Trump contra os chineses. A gestão do americano à frente da Casa Branca acaba em 20 de janeiro.

Caso Bolsonaro assine o decreto, a estratégia da Huawei no Brasil será a mesma adotada na Suécia. O país europeu, no início de novembro, vetou a companhia no 5G e a empresa foi ao Tribunal Administrativo de Estocolmo.

O leilão estava previsto para aquela mesma semana e segue suspenso até que a corte decida sobre o pedido da companhia.

A proibição foi uma medida tomada pela agência de telecomunicações do país, a PTS, que seguiu "avaliação feitas pelas Forças Armadas suecas e pelo Serviço de Segurança para garantir que o uso de equipamento de rádio nessas faixas não cause danos para a segurança da Suécia".

Além de vetar a Huawei no 5G, a agência sueca também recomendou que as teles que participarem do leilão retirem equipamentos de fabricantes chineses das redes de tecnologias anteriores —3G e 4G, por exemplo— até o início de janeiro de 2025.

A PTS não mencionou se as operadoras seriam indenizadas pelos investimentos já realizados nas redes em uso. A agência não estabeleceu critérios para o desligamento nem definiu prazos.

 

Para as teles brasileiras, esse é o mesmo problema que podem enfrentar caso haja um banimento da gigante chinesa no país.

Retirar equipamentos da Huawei das redes levaria pelo menos três anos e geraria gastos de cerca de R$ 150 bilhões, valor que estimam terem investido. As empresas querem, por isso, indenização.

Com isso, o 5G no Brasil demoraria mais do que previsto para ser implementado e custaria muito mais caro para o consumidor.

Essa discussão ainda não ocorreu no governo Bolsonaro. Recentemente, em comunicado público, a Conexis, sindicato que reúne as empresas do setor, reclamou que da falta de debate transparente.

No documento, as teles defenderam a participação da Huawei. Elas disseram que têm mecanismos suficientes para barrar qualquer tipo de ataque cibernético.

As companhias lembraram ainda que usam tecnologia chinesa há mais de uma década e nunca houve qualquer ataque ou roubo de dados. Até o momento, nenhuma evidência foi apresentada pelo governo contra a Huawei.

Em entrevista à Folha, o presidente da empresa no Brasil, Sun Baocheng, afirmou que, mesmo nos países onde a empresa foi acionada judicialmente, nenhum indício concreto foi apresentado.

Como noticiou a Folha, uma minuta do edital do leilão foi enviada pela área técnica da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para Carlos Baigorri, conselheiro relator das regras da concorrência. No documento, não há qualquer previsão de restrição à Huawei ou qualquer empresa.

No governo, os principais nomes resistentes à Huawei são Heleno e o chanceler Ernesto Araújo.

Há duas semanas, nenhum deles se dispôs a receber o vice-presidente global de relações governamentais da Huawei, Marc Xueman. O executivo só conseguiu ser atendido pelo ministro Paulo Guedes (Economia).

Bolsonaro já sinalizou diversas vezes que pode vetar a Huawei porque se alinhou estrategicamente a Trump, que lidera uma guerra comercial contra a China.

Assessores presidenciais informam que uma das ideias defendidas por Heleno é baixar decreto com regras que criem dificuldades de cumprimento pela Huawei. Uma das exigências, por exemplo, seria ter ações negociadas na Bolsa brasileira.

No entanto, se isso ocorrer, nenhuma fornecedora estará apta a atender ao decreto. Ericsson, Nokia, Cisco, Samsung, dentre outras, negociam seus papéis no exterior.

Outra ideia do GSI é determinar, por decreto, que cada operadora tenha dois fornecedores de rede em cada localidade. Essa medida já foi baixada em portaria, mas as teles consideram inócua porque fere regras da livre concorrência.

A reportagem consultou a Huawei sobre sua estratégia jurídica contra um possível decreto do governo. A empresa, porem, não comentou.

Por meio da assessoria de imprensa, a fabricante chinesa disse que "aguarda que todas as decisões sobre o tema sejam realizadas de maneira estritamente técnica, não discriminatória e em favor do livre mercado".

A companhia disse que é uma empresa privada atuando há 22 anos no Brasil em parceria com operadoras, provedores de internet, indústria, governos e instituições de ensino seguindo "os mais altos padrões internacionais de cibersegurança" nos mais de 170 países em que atua.

"Já realizamos testes de 5G com todas as operadoras nacionais, colaborando para a chegada da tecnologia ao país", afirmou.

A Presidência da República não respondeu até a conclusão deste texto (Folha de S.Paulo, 8/12/20)