Algodão pode ajudar a reduzir consumo humano de microplásticos
Fotografia mostra microplásticos em um copo com água - Ryan Jenq-NYT
Por Mauro Zafalon
Cada cidadão consome o correspondente a um cartão de crédito por semana.
Cada cidadão já consome o correspondente a um cartão de crédito por semana por meio de microplásticos ingeridos. Pedaços minúsculos, eles estão espalhados por lagos, rios, oceanos e se incorporam aos alimentos. O volume exato depende dos hábitos alimentares das pessoas, segundo estudo da WWF.
O consumidor passa a ingerir esses microplásticos via alimentos e os efeitos recaem sobre várias partes do organismo, de pulmão ao sêmen, segundo Ron Lawson, da RCM AG Services.
O analista fez a afirmação nesta terça-feira (3) no Congresso Brasileiro de Algodão, que está sendo realizado em Fortaleza, no Ceará.
O algodão pode ajudar, em parte, a resolver esse problema. Toda vez que uma vestimenta de poliéster é lavada ela solta micropartículas que não são degradáveis. Os produtos têxteis, ao contrário, são.
Os microplásticos têm atualmente os efeitos que o DDT provocava há algumas décadas. Para Lawson, a cadeia algodoeiro precisa passar a mensagem para o consumidor sobre a vantagem das roupas provindas do setor, em relação a outras fibras.
O algodão, no entanto, é caro, e o poliéster é mais barato. Como superar essas barreiras? O setor terá de investir muito em pesquisa para aumentar produtividade e reduzir custos, diz o analista.
Além disso, buscar novos mercados para o caroço de algodão, principalmente para a alimentação de suínos e de frangos, o que hoje não é possível. Esse mercado supera US$ 2 bilhões ao ano.
É importante também, segundo o analista, incentivar a agricultura regenerativa e apontar as diferenças dos efeitos ambientais do algodão em relação às fibras não vegetais.
Essa necessidade de maiores investimentos ocorre em um momento em que a produção não é problema, mas a demanda sim, segundo ele.
Mas o Brasil é o novo dono do jogo, e há uma grande mudança no país. A concorrência deixou de ser os outros países produtores, mas o dinheiro que está no mercado. Taxa de juros, câmbio, ritmo da economia mundial e até o clima passam a interferir, segundo o analista.
Um dos problemas é o protecionismo crescente. Em 2009, eram 500 restrições de mercado. Atualmente, são 3.000, afirma ele.
Outro problema são os fundos, que entram e saem do mercado, interferindo nos preços. Há 12 anos, os gestores descobriram o mercado de algodão. Entraram nesse mercado porque são muitos países produtores, poucas tradings comprando e um número grande de compradores finais.
O volume de dinheiro que o setor privado tem ocioso no bolso é de US$ 2 trilhões, o suficiente para comprar 48 safras de algodão. O fluxo de dinheiro dos especuladores é uma das maiores barreiras para o setor.
A evolução da produção no Brasil passa por avanços tanto na produtividade como na rastreabilidade. Os produtores, no entanto, têm de ficar de olhos abertos, afirma Lawson.
Christian Schindler, da International Textile Manufaturers Federation, concorda com Lawson que o problema atual é a demanda. Ele acrescenta, no entanto, que os novos fatores geopolíticos, como a invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra em Gaza, também interferem.
O representante das indústrias acredita, no entanto, em uma recuperação do setor no curto prazo.
Do lado do produtor, diante desse cenário incerto, o certo é fazer média de preços, travando custos, diz Alexandre Schenkel, presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
Eric Thachtenberg, do Icac (Comitê Consultivo Internacional do Algodão) afirma que o algodão tem várias vantagens, como ser uma fibra natural e biodegradável, sequestrar carbono e reduzir a pobreza nos países produtores.
Os desafios, no entanto, são que o algodão custa mais do que os sintéticos, há uma tendência maior de crescimento de roupas de fibras sintéticas e há informações incorretas sobre o setor algodoeiro.
O algodão pode ajudar os reguladores a atingir suas metas de sequestro de carbono. Estudo do Icac aponta que o produto ocupa 2,5% das áreas mundiais de cultivo, consome 1,7% de água e 4,2% do volume de agrotóxico.
O problema para o produtor brasileiro é que essa demanda cai em um momento em que o país vinha aumentando a produção constantemente e assumiu a liderança mundial nas exportações.
Na próxima safra, no entanto, após anos seguidos de crescimento, a área de algodão pode ficar estável ou até mesmo recuar.
Blairo Maggi, um dos principais produtores nacionais, diz que vai reduzir área com o planto de algodão. Outros grandes produtores, no entanto, como Walter Horita, Guilherme Scheffer e Alexandre Schenkel vão mantê-la (Folha, 4/9/24)