Alta do milho derruba margens do frango
Além da delicada situação gerada pela terceira fase da Operação Carne Fraca, a BRF também enfrenta desafios na gestão de grãos – sobretudo de milho -, insumos responsáveis por cerca de 30% dos custos de produção. Devido à estiagem que afeta as lavouras da Argentina e às projeções de redução do plantio da safra de inverno, o preço do milho no Brasil subiu quase 20% em fevereiro. Em março, a valorização já é de 5,4%.
A situação tem potencial para dificultar – e muito – as operações não só da BRF, mas das empresas de aves e suínos em geral, que utilizam o cereal na ração animal. Levantamento da consultoria MB Agro mostra que, neste início de março, a margem bruta da produção de carne de frango no sistema de integração, que inclui empresas como BRF, Seara e Aurora, está no vermelho. O indicador está negativo em 14%. A média histórica desde 2006 é de 2%, segundo a MB Agro. Em fevereiro, a margem bruta já havia piorado, e o indicador da consultoria estava zerado.
As empresas do setor até podem não ter sido tão prejudicadas no primeiro momento da alta do milho devido ao nível de estoques, mas a tendência é que o quadro negativo persista durante todo o primeiro semestre, disse um executivo de um grande exportador brasileiro. Na BRF, fontes próximas garantem que a companhia está "confortável" com o nível do estoque e preço do milho.
Segundo César Castro Alves, analista da MB Agro, o momento negativo para a rentabilidade dos frigoríficos reflete principalmente a pressão de custo. Mas não é o único fator. Do lado da demanda, também há pressão, refletida nos preços da carne.
No acumulado de 2018, o preço de carne de frango congelada no atacado da Grande São Paulo recuou mais de 10%, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). Mas Alves pondera que no primeiro trimestre a demanda é sazonalmente mais fraca.
Em meio às perspectivas negativas para os custos de produção, concorrentes diretos e indiretos da BRF já demonstram preocupação com a oferta de carne de frango que pode ser jogada no mercado brasileiro já a partir desta semana.
Com a suspensão das exportações dos frigoríficos de aves da BRF em Mineiros (GO), Rio Verde (GO) e Carambeí (PR), a companhia terá de direcionar mais carne ao mercado doméstico, o que vai afetar as indústrias de carne de frango e também as de carne bovina – concorrente indireto. Ao Valor, o executivo de um frigorífico brasileiro de carne bovina ressaltou que a queda dos preços do frango decorrente da Carne Fraca deverá estimular os consumidores a comprar itens como coxa e sobrecoxa, inibindo assim a demanda por carne bovina.
Estima-se que, por causa da suspensão das exportações, a BRF teve de redirecionar a carga de mais de 40 caminhões oriundos das plantas e que iam aos portos. A partir de hoje, 1,1 mil funcionários da BRF em Mineiros, que teve a exportação suspensa, entrarão em férias coletivas.
Em nota, a empresa informou que a parada já estava programada, e que os sindicatos foram informados no primeiro bimestre – antes da Carne Fraca. A empresa alega que a parada se justifica para a "readequação do layout" da área de produção de perus e para ampliar a produção de cortes de frango.
Alves, da MB Agro, diz que a BRF poderá sofrer com o represamento de produtos que seriam exportados, o que tende a reduzir o preço no Brasil. Esse movimento também deve afetar os resultados dos concorrentes, concorda o analista. Atualmente, o Brasil exporta cerca de 30% de seu produção de frango.
Para a indústria, o problema com a BRF não é o único entrave. Mesmo antes da terceira fase da Carne Fraca, os frigoríficos brasileiros já vinham enfrentando dificuldades para exportar carne de frango. No primeiro bimestre, as exportações do produto in natura caíram 11% em receita e 9% em volume, de acordo com os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Assessoria de Comunicação, 12/3/18)
Dez anos para ‘enquadrar’ a salmonela
Legenda: Alguns Estados vão requerer um esforço maior, diz o secretário Luís Rangel
Em meio aos desdobramentos da Operação Trapaça, o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luís Eduardo Rangel, admitiu que o Brasil deve levar cerca de 10 anos para conseguir reduzir dos atuais 17% para 7% o índice de contaminação por salmonela na carne de frango, e com isso atingir a média dos países desenvolvidos registrada nos últimos cinco anos.
Na segunda-feira passada, a Polícia Federal deflagrou a Trapaça, nova fase da Operação Carne Fraca, que revelou um esquema de fraudes envolvendo laboratórios e a BRF na análise de salmonela na carne de frango.
Rangel afirmou que há um longo caminho pela frente para alcançar a meta, já que o índice de contaminação registrado no Brasil é considerado elevado para os padrões internacionais, que toleram no máximo 20% de ocorrência da bactéria em amostras do produto.
"Para reduzir de 17% para 7% a prevalência de salmonela vão no mínimo 10 anos. Mas em função do risco de contaminação que está controlado no país não é muito tempo", disse. "Nos Estados em que está em 13%, vou chegar a 7% em três anos, mas em outros tenho que fazer um esforço maior".
Rangel lembrou que o país só pôde identificar esse alto grau de contaminação depois que o Ministério da Agricultura passou a fazer testes em sua rede oficial de laboratórios (Lanagro), a partir de uma Instrução Normativa editada no fim de 2016. Antes disso, porém, só laboratórios privados contratados por frigoríficos realizavam esses testes. Informações de mercado apontam que a prevalência da salmonela informada nessa época era em torno de 4%.
Mesmo assim uma tabela com a série histórica da presença da bactéria Salmonella spp (uma das espécies mais comuns) em amostras de carcaça de frango coletadas em frigoríficos sob fiscalização do Serviço de Inspeção Federal (SIF), ao qual o Valorteve acesso, indica que a prevalência desse micro-organismo praticamente não mudou desde 2013. Entre 2013 e 2015, a incidência da bactéria foi de 16,69%, enquanto em 2016 foi de 17,17%, e em 2017, 17,2% (Assessoria de Comunicação, 12/3/18)