Aneel ignorou bases legais ao liberar térmica da J&F, diz ministério
Térmica Mario Covas, em Cuiabá (MT) Governo do MT Divulgação
Consultoria jurídica da pasta diz que decisão é afronta a diretrizes e arcabouço jurídico do setor.
O MME (Ministério de Minas e Energia) entrou oficialmente no debate sobre as térmicas atrasadas que haviam sido contratadas por meio de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Em ofício enviado à Aneel (Agência de Energia Elétrica), a pasta defende o cancelamento dos contratos das unidades que não entraram em operação no prazo estipulado.
O MME também contesta o uso da unidade Mário Covas no lugar de quatro usinas da Âmbar Energia que foram vencedoras nesse mesmo certame e atrasaram.
O ofício é assinado pelo ministro do MME, Adolfo Sachsida, e foi enviado ao novo diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa. No tabuleiro do setor de energia, o ministério faz as regras do jogo, cabendo à agência aplicar e policiar o seu cumprimento. No caso em questão, houve o entendimento de que a Aneel desconsiderou diretrizes da pasta.
A Agência ainda avalia o destino das térmicas que não entraram no prazo previsto. Os controladores apresentaram justificativas, com o uso de um instrumento chamado excludente de responsabilidade.
A diretoria da Aneel havia acatado pedido da Âmbar Energia e autorizado, em reunião de 12 de julho, o uso da térmica Mario Covas no lugar de quatro de suas usinas do PCS.
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O ofício do MME, com 40 páginas, traz avaliações técnicas e jurídicas sobre o PCS. Em vários trechos, apresenta considerações contra o pleito da Âmbar. A nota conclui que a decisão da agência em favor da empresa não apenas avança na competência do ministério como também é baseada em premissas que contrariam as regras do leilão.
O documento ainda inclui em anexo um parecer da consultoria jurídica da pasta, reforçando que houve "clara inadequação jurídica da decisão" da Aneel. "A decisão afronta não apenas as diretrizes do Ministério de Minas e Energia, mas o arcabouço jurídico", diz o texto.
A Âmbar é o braço para o setor de energia da J&F —grupo que também controla a JBS, empresa global do setor de carnes.
Procurada pela reportagem, a empresa não respondeu até a publicação deste texto.
O PCS previu a oferta de novas térmicas, que deveriam ser construídas para operarem como seguro contra apagões. O leilão foi realizado em outubro de 2021 e as unidades deveriam iniciar a operação em 1º de maio. Em caso de atraso, pagariam multa e teriam de entrar em operação até 31 de julho. Caso contrário, teriam os contratos rescindidos a partir de 1º de agosto.
As 17 usinas, três de energia limpa e 14 a gás, custariam R$ 39 bilhões aos consumidores brasileiros nesses quase três anos e meio que deveriam operar. No entanto, a conclusão dos projetos atrasou. Em 31 de julho, prazo final para serem acionadas, 11 não tinham entrado em operação, incluindo nesse grupo as quatro da Âmbar, segundo levantamento da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).
A Âmbar passou o primeiro semestre insistindo com a Aneel para que as quatro usinas do PCS, que equivalem a praticamente metade do custo total (quase R$ 18 bilhões), fossem substituídas pela térmica de Cuiabá.
A área técnica da agência deu dois pareceres contrários ao pedido e entidades do setor apresentaram justificativas para impedir a mudança. Mas o relator do processo da Âmbar na agência, o ex-diretor Efrain Pereira da Cruz, defendeu a empresa —posição referendada por mais dois diretores da agência.
O ministério contesta o argumento do relator de que trocar quatro usinas novas por uma antiga "atendia ao interesse público". Segundo o ministério, o interesse público está em cumprir contratos na integralidade: preços, prazos, características do objeto contratado, e até mesmo revogação de outorgas, caso as condições para tanto ocorram.
"Além disso, é preciso levar também em consideração a segurança jurídica de uma decisão que ignora as bases legais de uma contratação", diz o ministério.
"Reforço que o interesse público está no cumprimento das regras e contratos, preservando a credibilidade do setor elétrico brasileiro e a atração de investimentos", afirma o documento assinado por Sachsida.
A Aneel confirmou à Folha o recebimento do ofício do MME. Em nota, destacou que os casos ainda estão em análise. "Foram interpostos recursos à decisão, e os mesmos ainda se encontram em avaliação pela Agência, portanto o processo ainda não foi concluído", diz o texto.
A Aneel reforçou ainda que a decisão em favor da Âmbar inclui uma cláusula de eficácia. Para fazer a troca e usar a térmica de Cuiabá, deveria concluir os empreendimentos até o dia 30 de julho, o que não foi cumprido pela empresa (Folha de S.Paulo, 8/9/22)