Aneel não informou falhas de projetos eólicos a MPF e TCU ENERGIA
R$ 81 milhões foi quanto Furnas e seus sócios pagaram no leilão de descontratação de energia de reserva para se livrarem do pagamento de multas e da execução de garantias.
Apesar de constatar falhas na construção de centrais eólicas que consumiram em parte dinheiro público, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não encaminhou cópias de seus relatórios para órgãos de fiscalização, como a Controladoria Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) ou Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a agência, “não há registro de encaminhamento do processo” a nenhum daqueles órgãos. A razão disso é explicada pela própria agência: “A fiscalização realizada pela Aneel não diferencia o fato de empreendimentos utilizarem, ou não, recursos públicos. Os agentes de geração, independentemente da origem dos recursos financeiros aplicados, são fiscalizados com o mesmo rigor, com as penalidades indicadas na Resolução n.º 63”.
Ou seja: tudo foi tratado no âmbito administrativo, do cumprimento do contrato do Operador do Sistema Elétrico com as Sociedades de Propósito Específico montadas por Furnas com seus sócios. E tudo acabou arquivado por meio dos votos dos conselheiros da agência, conforme proposto pelo relator, o conselheiro Reive Barros dos Santos, em 12 de dezembro de 2017, que referendou despacho de Romeu Donizete Rufino, então presidente da agência.
Complexos
O complexo Pau Brasil é um desses casos. Com quatro usinas, devia entrar em funcionamento até 2017. As empresas solicitaram prorrogação desse prazo para 1.º de julho de 2018, o que foi indeferido pela Aneel. Para a Aneel, não havia “factibilidade na implantação” das eólicas. “Não houve obtenção de financiamento desde que as usinas foram outorgadas e não há evidências de que tal situação seja equacionada, bem como não foi demonstrado aporte de recursos próprios”.
Em função disso, o então superintendente de fiscalização dos serviços de geração da Aneel, Alessandro Cantarino, propôs em fevereiro de 2017 a abertura de processo contras as centrais – em outras duas decisões, fez o mesmo com os complexos de Punau (sete centrais) e Baleia (seis centrais). O processo podia levar à revogação da outorga e a imposição de multas. Em março, Cantarino propôs a “revogação da outorga” e a punição das empresas. Um mês depois, o Ministério das Minas e Energia anunciou os leilões de descontratação de energia, que permitiu às empresas se livrarem da punição. O Estado buscou o TCU, MPF e CGU, que informaram desconhecer as fiscalizações.
Balanço. Mesmo após a cassação das outorgas das eólicas, o balanço da Eletrobrás entregue à Securities and Exchange Commission (SEC), nos Estados Unidos, em abril (20F), diz ter ainda concessões dos complexos de Punau e Baleia. A informação está na página 213 e se choca com o que consta no demonstrativo financeiro de Furnas de 31 de dezembro, quando a empresa alertou o mercado que as outorgas haviam sido canceladas. A Eletrobrás disse que as informações à SEC, “por serem consolidadas, precisam observar a materialidade para fins de divulgação”. “Alguns dados não materiais (com baixa representatividade diante do reporte consolidado) de controladas como Furnas podem ficar de fora”.
Investimentos
Furnas quer voltar a investir nos parques eólicos cujas outorgas foram canceladas apesar das perdas registradas. Ao todo, os compromissos futuros declarados com os complexos de Punau e Baleia chegam a R$ 303,1 milhões entre 2020 e 2022, de acordo com as demonstrações financeiras da estatal – a empresa confirmou a intenção ao Estado.
Os dois complexos reuniam 13 centrais eólicas. Furnas mantém 49% deles – 51 % é do FIP Milão, fundo de investimento da J&F. O problema é que a J&F informou que não pretende retomar os investimentos no setor, pois considera não fazer sentido pagar a multa para descontratar a energia, para depois ressuscitar o negócio. Assim, para retomar os empreendimentos por meio de adiantamento para futuro aumento de capital Furnas teria de comprar a parte da J&F ou arrumar novo sócio.
Outro empecilho aos planos de Furnas foi a decisão da Aneel, de 24 de julho, na qual a agência suspendeu por um ano o direito de a estatal contratar ou participar de licitações promovidas pela Aneel. Isso porque a estatal e seus sócios nos últimos dez anos deviam ter colocado em operação 56 usinas eólicas, mas cumpriram o cronograma de 23,2% do total – 30,4% desses empreendimentos já tiveram a outorga revogada e outros 37,5% estão em processo de cancelamento. Terá de pagar ainda multas de R$ 9,2 milhões em razão do atraso em 11 empreendimentos (O Estado de S.Paulo, 10/9/18)