12/12/2017

Angra 1 e 2 não têm como pagar combustível

Usina de Angra 1, no Estado do Rio de Janeiro.

 

 Superendividada, Eletronuclear dá calote de R$ 50 milhões nos seus fornecedores.

A Eletronuclear está em vias de entrar em colapso financeiro, uma crise que já resulta em uma série de calotes milionários a fornecedores e agora ameaça paralisar as operações das usinas nucleares de Angra 1 e 2, no Rio de Janeiro.

Completamente endividada, a estatal controlada pela Eletrobrás está sem recursos para comprar, inclusive, o insumo básico para seu funcionamento: as pastilhas de urânio usadas como combustível na geração de energia.  

Quem reconhece e detalha o drama em que se meteu a única operação nuclear do País é o próprio presidente interino da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães. O Estado teve acesso a uma carta enviada na semana passada pelo chefe da estatal à diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

No documento, Guimarães explica a “grave situação econômico-financeira” da empresa e deixa claro que, se nada for feito, “as usinas nucleares brasileiras terão sua geração elétrica interrompida em 2019”.

A origem da crise está nos custos bilionários atrelados às obras da polêmica usina de Angra 3, um projeto que já consumiu R$ 7 bilhões e hoje, mesmo paralisado e sem perspectiva de conclusão, passou a produzir novas dívidas milionárias todo mês, consumindo recursos das duas usinas que já funcionam no complexo de Angra.

O calote da Eletronuclear com fornecedores não envolvidos com a Operação Lava Jato, ou seja, empresas que efetivamente têm direito a receber por serviços prestados, chega a cerca de R$ 50 milhões, conta que ainda não inclui os gastos com a compra de urânio.

Guimarães afirma que “essa situação, que já era crítica, veio a ser agravada severamente”, porque o BNDES decidiu não renovar, em outubro, uma cláusula contratual de financiamento que amenizava as parcelas de seu empréstimo, o qual chega a um valor total de R$ 2,65 bilhões já liberados para a estatal.

Com essa mudança, o pagamento saltou de R$ 7 milhões para R$ 30 milhões por mês, o que representa aproximadamente 12% da receita bruta mensal recebida pela geração elétrica de Angra 1 e 2.

A cobrança derrubou o caixa e comprometeu os pagamentos que a Eletronuclear faria em outubro, novembro e dezembro para a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal que produz o combustível das usinas de Angra.

O resultado é que hoje a INB cobra uma fatura atrasada que chega a R$ 74 milhões, referente a combustível já entregue para as turbinas das usinas. Essa dívida foi confirmada à reportagem pela INB.

Agravamento

O presidente interino da Eletronuclear admite que a situação pode se agravar, caso a Caixa, que já emprestou outros R$ 2,92 bilhões para a estatal usar em Angra 3, decida executar seu contrato a partir de julho de 2018, com cobranças mensais de R$ 25 milhões.

Para evitar a cobrança, a diretoria da Eletronuclear enviou uma carta à Caixa para pedir um aditamento ao contrato, alterando a data de início dos pagamentos para cinco anos após o saque da primeira parcela.

O cobertor curto faz com que a Eletronuclear tenha de escolher o que pode pagar. Neste último trimestre, ao quitar a conta do BNDES, teve de ignorar diversos fornecedores.

Parte do combustível das usinas fornecido pela INB já foi comprada para o ano que vem, mas presidência da estatal deixa claro que, se nada for feito, “as usinas nucleares brasileiras terão sua geração elétrica interrompida em 2019”.

De forma categórica, a empresa culpa Angra 3 pelo caos financeiro. “Os problemas enfrentados pela Eletronuclear se devem e exclusivamente aos passivos decorrentes de Angra 3. A empresa, se limitada a Angra 1 e Angra 2, teria muito boa saúde financeira sem nenhuma ameaça à sua continuidade operacional”, diz Guimarães.

Reportagem publicada pelo Estado em junho revelou que estudos do governo apontam que seria necessário injetar mais R$ 17 bilhões para concluir Angra 3, usina que está com 58% de seu projeto executado. Desistir dela, por outro lado, custaria R$ 12 bilhões (O Estado de S.Paulo, 12/12/17)