Anúncio de cota de açúcar dos EUA para o Brasil não é vitória diplomática
Legenda: Bolsonaro em foto de 2019; presidente comemorou nas redes sociais medida que na verdade é temporária
Depois de uma sequência recente de derrotas diplomáticas para os Estados Unidos no comércio bilateral, o presidente Jair Bolsonaro foi ao Twitter nesta segunda-feira, dia 21, anunciar que os americanos aumentarão a compra de açúcar brasileiro em 80 mil toneladas e, junto com uma foto do chanceler Ernesto Araújo, afirmou que esse é "o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool".
A manifestação ocorre semanas após o aço brasileiro ter sido cortado em mais de 80% das importações americanas e de o Brasil ter renovado uma isenção de tarifas à entrada de quase 200 milhões de litros de etanol americano no país, o que o setor sucroalcooleiro classificou como "enorme sacrifício".
De acordo com fontes com conhecimento direto das negociações ouvidas pela BBC News Brasil, o Itamaraty teria tomado as medidas para tentar colaborar com a campanha de reeleição do presidente Donald Trump, que tem entre os operários da siderurgia e os fazendeiros de milho parte de sua base eleitoral.
Oficialmente, o chanceler Araújo afirmou que a concessão era necessária para abrir negociações que poderiam resultar em uma redução das barreiras tarifárias de 140% que os americanos impõem sobre o açúcar brasileiro há décadas.
Mas as negociações caíram mal politicamente e geraram críticas de subserviência do país diante de seu aliado preferencial. A tensão ainda aumentou depois que Araújo serviu de cicerone ao secretário de Estado americano Mike Pompeo em uma visita relâmpago à Roraima, na última sexta-feira, quando o americano fez críticas ao regime venezuelano.
"No geral, há uma percepção de que o Brasil não está sendo tratado de uma maneira justa perante os Estados Unidos, por isso o governo está tentando dar uma publicidade para algo trivial e esperado, para buscar um equilíbrio nessa imagem para o seu público", afirmou reservadamente à BBC News Brasil um embaixador especializado em comércio internacional.
Segundo o diplomata, trata-se de algo "trivial" e "esperado" porque embora o presidente sugira que houve um incremento permanente na quantidade de açúcar que o Brasil poderá exportar aos americanos, o que aconteceu na verdade foi uma realocação temporária de fornecedores feita pelos americanos.
Os Estados Unidos importam anualmente mais de 3 milhões de toneladas de açúcar - e dão preferência a vendedores da África ou América Central. Mas, caso esses fornecedores habituais não vendam a quantidade necessária e haja um subabastecimento do mercado americano, a Secretaria de Agricultura dos Estados Unidos informa o representante comercial do país que redireciona suas compras para outros produtores, como o Brasil.
A mesma coisa aconteceu no ano passado e em fevereiro desse ano, sem que Bolsonaro fizesse do fato motivo de comemoração nas redes nessas duas ocasiões.
"Os Estados Unidos não fizeram nenhum favor ao Brasil, apenas realocaram algum volume (de açúcar) ao Brasil, dentro do mercantilismo geral deles. Isso precisa ser esclarecido, para que não pareça uma vitória diplomática que não foi", afirmou o embaixador Paulo Roberto de Almeida.
Mas o momento político atual pode ter levado a essa mudança de postura do presidente. No último fim de semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criticou a visita de Pompeo a Roraima e acusou sua presença de eleitoreira e de afronta à autonomia do país.
"A visita do Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, nesta sexta-feira, às instalações da Operação Acolhida, em Roraima, junto à fronteira com a Venezuela, no momento em que faltam apenas 46 dias para a eleição presidencial norte-americana, não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez de nossas políticas externa e de defesa", afirmou Maia.
Suas críticas foram endossadas em carta por todos os ex-chanceleres do período democrático: Fernando Henrique Cardoso (governo Itamar Franco), Francisco Rezek (governo Collor), Celso Lafer (governos Collor e FHC), Celso Amorim (governos Itamar Franco e Lula), José Serra e Aloysio Nunes Ferreira (governo Temer).
O clima político ficou tão difícil que nesta segunda-feira senadores chegaram a cogitar o adiamento da sabatina de mais de 20 candidatos brasileiros a embaixadores pelo mundo, que esperam confirmação pela Casa de seus postos. O boicote foi desmobilizado depois que Ernesto Araújo aceitou comparecer ao Senado na próxima quinta-feira para explicar em detalhes a visita de Mike Pompeo.
Os principais interessados no anúncio de Bolsonaro, os produtores de açúcar, tampouco consideraram o aumento na cota uma vitória. De acordo com dados da Câmara de Comércio Exterior, nas últimas cinco safras o Brasil exportou em média 25,6 milhões de toneladas de açúcar no total. Nesse universo, as 80 mil toneladas que os Estados Unidos devem comprar agora representam apenas 0,3%.
Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e o Fórum Nacional Sucroenergético (FNS) afirmaram que "essa cota adicional de açúcar é consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos Estados Unidos em setembro" e reafirmou que a medida não é "uma concessão americana".
"Devemos esclarecer que se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos, sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país", dizem os produtores na nota.
A BBC News Brasil consultou o Itamaraty a respeito das negociações com os americanos e da cota de açúcar, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Dentro do órgão, auxiliares do ministro afirmam que relações comerciais nesses moldes são normais, mas que fica difícil compreender esses movimentos a partir de um prisma "em que concessões brasileiras representam submissão absoluta do Brasil enquanto que qualquer medida americana é 'prêmio de consolação'".
Desde que assumiu a presidência, Bolsonaro operou uma profunda mudança na política internacional brasileira, transformando os Estados Unidos em seu aliado preferencial.
O embaixador especialista em comércio ouvido reservadamente pela BBC News Brasil afirma que cotas e concessões são comuns nas relações internacionais, mas que em ambientes polarizados, onde que esse tipo de transação tem chamado a atenção, tem levado políticos a tentar explorá-los a seu favor.
"Nesse caso do açúcar, não há o que se falar em vitória diplomática, é uma questão circunstancial. O Itamaraty e o setor produtivo sabem disso. Mas o resto da população, especialmente os apoiadores do presidente, não sabem. E vão se satisfazer com a mensagem dele", afirma (BBC Brasil, 21/9/20)
Setor sucroalcooleiro não vê nenhum reflexo de acordo com EUA anunciado por Bolsonaro
Presidente anunciou como sendo novidade a concessão de uma cota adicional sem impostos para a exportação de açúcar aos EUA, mas medida ocorre anualmente desde 1994.
Anunciada no Twitter pelo presidente Jair Bolsonaro como primeiro resultado das negociações entre Brasil e EUA no setor de sucroalcooleiro, a concessão de uma cota adicional para exportação de açúcar aos americanos sem o pagamento de impostos já ocorre anualmente desde 1994.
Em nota, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), que representa o setor, declarou que a medida tem sido praxe e não representa “qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país”.
Além disso, a cota adicional de 80 mil toneladas manterá a isenção no comércio do produto no mesmo patamar, considerado por fontes do setor como mínimo e insuficiente para compensar os benefícios concedidos pelo Brasil ao etanol norte-americano.
No Twitter, o presidente escreveu que, para o Brasil, a cota adicional representa “o primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool”, uma referência à divulgação, há dez dias, de um comunicado conjunto em que os dois países se comprometem a aprofundar as negociações na área. O comunicado foi anunciado no dia em que o Brasil aceitou prorrogar por 90 dias a isenção para o etanol norte-americano até uma cota de 62,5 milhões de litros.
A concessão de uma cota adicional para exportação de açúcar sem impostos, no entanto, vem sendo feita todos os anos pelos Estados Unidos e alcança também outros exportadores, como a Austrália. O Brasil tem uma cota fixa de 152,6 mil toneladas já isenta de impostos.
Anualmente, porém, como outros países têm menor produção e não conseguem cumprir a cota estabelecida para eles para a exportação do produto, essa sobra é redistribuída e o Brasil acaba recebendo um quinhão. Na safra 2019/2020, o volume total já foi aumentado em cerca de 80 mil toneladas. Esse adicional chegou a mais de 100 mil toneladas na safra 2010/2011.
Insuficiente
A nova cota também não compensará os produtores de cana-de-açúcar pela isenção que o Brasil concede na importação de etanol dos Estados Unidos, que foi prorrogada até o fim deste ano. A cota anual do etanol isento é de 750 milhões de litros e foi postergada em valor proporcional até dezembro. O cálculo dos empresários do setor é que seria necessário uma cota de 1,1 milhão de toneladas para que o açúcar brasileiro tenha a mesma isenção que os EUA têm ao vender etanol para os brasileiros, o que está longe do valor estabelecido hoje.
Em seu tuíte, o presidente Jair Bolsonaro afirma que o limite de isenção para o açúcar passará a ser de 310 mil toneladas de outubro a setembro de 2021. O comunicado do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, porém, só fala na elevação da cota em 80 mil toneladas, o que elevaria o total anual às mesmas 230 mil toneladas da safra 2019/2020. Ou seja, não haveria aumento na prática.
De qualquer forma, o montante é insignificante perto das exportações totais de açúcar – o produto é o 4º mais vendido pelos brasileiros ao exterior. Os 80 mil adicionais representam menos de 0,5% do total de açúcar exportado pelo Brasil de janeiro a agosto, sendo 11% para a China e 2,9% para os EUA, mesmo com o pagamento de tarifas (O Estado de S.Paulo, 22/9/20)
Bolsonaro anuncia como vitória cota extra de açúcar prevista desde abril pelos EUA
Presidente divulgou nova cota como fruto de negociações, mas entidades dizem que a ampliação é 'praxe' e 'procedimento normal'.
Anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta segunda-feira (21) como resultado das negociações de parceria estratégica com o governo Donald Trump, a ampliação da cota de açúcar que o Brasil poderá exportar a mais para os Estados Unidos já era esperada desde abril.
Bolsonaro divulgou hoje em mensagem nas redes sociais que o Brasil poderá exportar 80 mil toneladas a mais de açúcar ao mercado dos Estados Unidos.
“A quota para o açúcar brasileiro nos EUA passa de 230 para 310 mil toneladas e, por lei, beneficiará exclusivamente os produtores do Nordeste”, escreveu o presidente.
“Trata-se já do primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool, conduzidas no Brasil pelo MRE e nos EUA pelo USTR [autoridade comercial americana]”, continuou.
Apesar de Bolsonaro ter propagado a ampliação como uma vitória, ainda em abril, a USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) divulgou publicamente que haveria aumento das quotas tarifárias até 30 de setembro.
Consequentemente, coube ao representante comercial dos Estados Unidos alocar a cota extra para diversos países.
Em junho, o Brasil recebeu uma quota adicional de 13 mil toneladas. Nesta terça, houve anúncio da possibilidade de exportação de mais 80 mil toneladas de açúcar, como divulgado por Bolsonaro.
A razão alegada para a ampliação foi a quebra da safra de açúcar nos EUA aliada a incertezas no nível de fornecimento de certos países, como México e os efeitos da pandemia do novo coronavírus.
O anúncio da medida como resultado da negociação com os EUA nesta segunda irritou representantes do setor. O motivo do incômodo é que esse tipo de notícia divulgada com teor político e como se fosse uma novidade afeta os mercados.
A UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) e o FNS (Fórum Nacional Sucroenergético) divulgaram nota na qual esclarecem que a concessão de cota adicional de 80 mil toneladas "se trata de um procedimento normal adotado pelos EUA nos últimos anos".
O anúncio, dizem, ocorre "sem representar qualquer avanço estrutural para um maior acesso do açúcar brasileiro àquele país."
"Além da cota tradicional que o Brasil possui, de 152 mil ton/ano, tem sido praxe a abertura de novas cotas para suprir os volumes dos países que não conseguem vender a quantidade prevista ou para complementar a demanda anual dos Estados Unidos” diz a nota das entidades. "Nesses casos, o Brasil acaba sendo beneficiado não por concessão americana, mas por ser o país com o maior volume de açúcar para exportação no mundo."
O texto ainda reforça que a cota extra de açúcar representa 0,3% das média das exportações brasileiras de açúcar e é "consideravelmente inferior à cota mensal de etanol que o Brasil ofereceu novamente aos EUA em setembro".
"É fundamental, portanto, que as discussões entre os dois países avancem em direção à ampliação significativa das nossas exportações de açúcar, a partir de resultados permanentes e concretos, condizentes com a concessão feita pelo Brasil nos últimos anos para o etanol americano”, conclui a nota.
Neste mês, o governo Bolsonaro estendeu uma medida que zera o imposto de importação sobre o etanol americano.
Em decisão tomada no último dia 11, foi cortada a taxa de 20% sobre 187,5 milhões de litros originados dos Estados Unidos por 90 dias.
Antes disso, o governo já havia liberado a importação de uma cota de 750 milhões de litros de etanol americano sem o imposto de importação regular de 20% para o produto. Nesse caso, a medida venceu no último dia 31.
A decisão foi tomada pelo comitê executivo da Camex (Câmara de Comércio Exterior), órgão responsável por definir alíquotas de importação e exportação, fixar medidas de defesa comercial, analisar regras de acordos comerciais e outras atribuições. O comitê é integrado pela Presidência da República e pelos ministérios da Economia, das Relações Exteriores e da Agricultura.
Conforme mostrou a Folha, a nova medida teve participação do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Ele convenceu o presidente Jair Bolsonaro a adotar mais um gesto para agradar o governo do presidente Donald Trump, que disputa as eleições naquele país em menos de dois meses.
Os americanos não queriam apenas a prorrogação da cota: eles trabalhavam para que o Brasil aceitasse o livre comércio do produto, o que beneficiaria produtores de milho daquele país —o etanol americano é feito a partir do cereal, e não da cana-de-açúcar, como ocorre no caso brasileiro (Folha de S.Paulo, 22/9/20)
EUA vão liberar cota adicional de 80 mil t de açúcar ao Brasil
Legenda: Trata-se já do primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA (Imagem: REUTERS/Paulo Whitaker)
Os Estados Unidos informaram que o Brasil terá uma cota adicional de 80 mil toneladas para exportar açúcar aos norte-americanos, como contrapartida a recentes negociações entre os dois países que envolveram a extensão de uma cota para importação de etanol livre de taxa que beneficia os EUA, disse o presidente Jair Bolsonaro em sua conta no Twitter.
Com isso, a cota para o açúcar brasileiro nos EUA passa de 230 mil para 310 mil toneladas e, por lei, beneficiará exclusivamente os produtores do Nordeste, conforme a postagem.
“Trata-se já do primeiro resultado das recém-abertas negociações Brasil-EUA para o setor de açúcar e álcool, conduzidas no Brasil pelo MRE (Ministério das Relações Exteriores) e nos EUA pelo USTR (Representante Comercial dos EUA)”, disse.
No dia 11 de setembro, o governo brasileiro decidiu estender por três meses uma cota de importação de etanol sem tarifa, em sinalização para abrir negociação visando melhores condições para a exportação de açúcar brasileiro aos Estados Unidos.
Após a medida, a nova cota para o biocombustível ficou em 187,5 milhões de litros, segundo o Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) (Money Times com Reuters, 21/9/20)