30/09/2024

Apagar incêndio com caminhão-pipa ataca a febre, não a doença, diz CEO

Apagar incêndio com caminhão-pipa ataca a febre, não a doença, diz CEO

Ricardo Mussa  Foto Raízen Divulgação.png

 

Executivo lidera grupo empresarial que elaborou recomendações sobre clima a países do G20.

Entre as tarefas do país para lutar contra o aquecimento global e enfrentar efeitos climáticos cada vez mais extremos, está a de repensar a estratégia de combater incêndios florestais. Tanto diretamente, com técnicas mais modernas e eficazes, como nas origens do problema, com o fortalecimento do mercado de carbono.

A visão é do CEO da produtora de etanol Raízen, Ricardo Mussa, que está à frente da força-tarefa empresarial que elaborou recomendações aos governos do G20 na área de transição energética e clima. Ministros dos países que integram o grupo desembarcam nos próximos dias em Foz do Iguaçu, no Paraná, para debater essas sugestões e outros temas ligados ao assunto em meio à crise dos incêndios no país.

A proteção e a restauração das florestas, que no debate internacional vêm sendo chamadas de Soluções Naturais para o Clima, fazem parte do tripé de propostas da força-tarefa pela descarbonização do planeta. "Qual o problema do Brasil, que é a crítica correta ao país em relação às mudanças climáticas? É o desmatamento", afirma Mussa, que também é colunista da Folha.

"Temos que repensar o nosso modelo de combate a incêndio e nos preparar para isso inclusive com novas tecnologias, mais eficazes", diz. "Combater o incêndio com caminhão-pipa é dar dipirona para baixar a febre. A gente precisa do antibiótico para matar a causa do problema", afirma.

Mussa vê o desenvolvimento do mercado de carbono como um dos principais caminhos a serem trilhados pelo país na discussão climática. Mas, para ele, o Brasil não conseguirá enfrentar sozinho o problema e precisará da ajuda internacional para a consolidação até 2030 de um mecanismo global firme que remunere a floresta em pé.

Há a visão de que o Brasil pode liderar o debate sobre as florestas na luta contra o aquecimento global, mas ao mesmo tempo vemos grandes incêndios por todo o país. Não podemos ficar para trás na discussão e perder a oportunidade de usar esse ativo?
O que está acontecendo é um efeito da mudança climática, que afeta o mundo inteiro, inclusive o Brasil. Essa demora do mundo em tomar uma ação mais drástica está levando a esses extremos. Vimos enchente no Rio Grande do Sul e [agora] seca. São 14 meses seguidos de temperatura recorde no mundo inteiro, com efeitos devastadores. Não acho que isso tira do Brasil qualquer mérito, porque isso é um efeito da mudança climática. E quem são os grandes poluidores? Não é o Brasil.

Mas mais medidas, inclusive legais, não precisam ser tomadas?
O Brasil pode realmente repensar —e não só o setor público, mas o privado também— como fazer para se preparar para as mudanças climáticas. No setor sucroalcooleiro, são mais de mil caminhões-pipa. Tem muita gente, são milhares de brigadistas combatendo e botando a vida em risco. Então, temos que repensar o nosso modelo de combate sabendo que esse é o novo normal, com mais extremos. Inclusive com novas tecnologias, mais eficazes. Combater o incêndio com caminhão-pipa é dar dipirona para baixar a febre. A gente precisa do antibiótico para matar a causa do problema. A solução definitiva o G20 e a COP [Conferência das Nações Unidas sobre o clima] têm que trazer. Tem que dar um incentivo correto. O mercado de carbono é um dos principais caminhos.

E o mercado de carbono está funcionando bem no Brasil?
Hoje você tem o RenovaBio [Política Nacional de Biocombustíveis, criado por lei de 2017], que não é um mercado de carbono mas é um programa autorregulado, com preço que vai ser definido de acordo com a produção ou não da quantidade de CBios [Crédito de Descarbonização]. Para cada litro de gasolina que uma distribuidora vende, ou de diesel, ela é obrigada a comprar um certificado que chama CBio. Esse mercado está funcionando há muito tempo, é excelente, mas tem dois riscos grandes: fraudes e liminares que algumas distribuidoras conseguem para não comprar os CBios ou se livrar da meta CBio. Então, ele está sob risco, está sob ataque. Eu tenho preocupação com a sustentação desse programa por causa disso.

Como mitigar esse problema?
Precisa ter segurança de que as metas são firmes e que o governo não vai ficar toda hora mexendo. Você precisa também garantir que todo mundo cumpra a meta dele, e a gente está discutindo agora tornar esse descumprimento um crime ambiental. Porque não cumprir a meta de redução de compra do CBio significa, por parte de quem vendeu combustível fóssil, prejudicar a sociedade.

No G20, quais as recomendações da força-tarefa de transição e clima?
O primeiro tópico é que os países precisam ter um compromisso de aumento de produção de renováveis. O segundo é eficiência energética, porque tem muito desperdício. Um exemplo está aqui na nossa indústria da cana, que usa o bagaço para produzir vapor para rodar a usina. Isso não é eficiente. Se você eletrificar o processo [usando energia de fontes eólicas e solares, por exemplo], vai sobrar bagaço para produzir etanol. Ao eletrificar, você pode industrializar o país.

Como?
Aproveitando essa energia barata e abundante. Em vez de exportar minério de ferro, dá para fazer o aço aqui aproveitando essa energia. Em vez de exportar etanol, fazer o combustível sustentável de aviação [SAF, na sigla em inglês] aqui. Inclusive, vai ser uma pena se o Brasil perder a chance de ser um hub de exportação de SAF. E o último ponto está ligado mercado de carbono [garantindo um mercado global firme até 2030], fornecendo uma maneira de os países se compensarem. Então se eu na China estou usando muito carvão, vou pagar ao brasileiro para não desmatar. Você consegue encontrar um mecanismo de compensação entre os países que cria o incentivo correto.

Raio-X | Ricardo Mussa, 49

Formado em engenharia de produção pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), atuou em multinacionais como Unilever e Danone antes de, em 2007, ingressar no grupo Cosan. Foi um dos fundadores e, por cinco anos, CEO da Radar, empresa de investimento em terras agrícolas. Em 2014, tornou-se CEO da Moove, área de negócios com lubrificantes. Em 2017, assumiu a vice-presidência executiva de Logística, Distribuição & Trading na Raízen, chegando em 2020 ao comando da empresa (Folha, 29/9/24)