As afinidades climáticas eletivas – Por Roberto Waack
Roberto Waack -Foto Reprodução Blog Academia CEO
Parece claro que capital natural terá, no futuro, valor econômico maior do que tem hoje.
Tem sido impressionante a avalanche de textos e comentários, em todas as mídias, tratando de temas ambientais. O mesmo ocorre com a quantidade de eventos empresariais e posicionamentos políticos dedicados a esse assunto. Os movimentos do novo presidente americano, Donald Trump, reforçam o burburinho. Aparentemente, há apenas uma certeza: o risco climático aumentou significativamente, como mostram fatos, constatações e percepções que independem da afinidade de cada um com a ciência ou com as diversas narrativas de plantão.
Tempos de Afinidades “Climáticas” Eletivas! O romance escrito por Goethe trata da história de um casal que se apaixona, ao mesmo tempo, por convidados que passam alguns dias em sua casa. Goethe descreve com imensa sutileza o conflito que surge entre paixão e razão, conduzindo o processo ao caos e a um fim inesperado.
A atração pelo tema climático, pela Amazônia, pela agenda ESG e pelos recursos naturais, como sói acontecer com paixões, conflita atrozmente com a racionalidade. Esses assuntos, ou personagens, entraram, como convidados ou penetras, nas casas empresariais, financeiras, governamentais e filantrópicas. Vigora o caos opinativo, a sensação de incertezas e a desorientação na formulação de estratégias.
Em sua obra, Goethe consegue expor como poucos os elementos racionais e sensíveis que compõem a paisagem humana e as paixões entre os personagens. No imbróglio ambiental dos nossos tempos, o cenário não é menos disruptivo. No centro está a natureza, com sua imensa complexidade e imprevisibilidade. Naturalistas apaixonados defendem seu valor intrínseco, não mercantil.
No outro extremo, economistas e contadores buscam formas de indicar impactos positivos ou negativos em instrumentos contábeis e valuations. Analistas colocam as mudanças climáticas entre as principais ameaças corporativas no curto prazo. Esse é um fato novo indicado no último relatório do Fórum Econômico Mundial, ocorrido em Davos. Riscos climáticos deixaram de ser ameaças reconhecidas apenas nos médio e longo prazos.
Floresta amazônica no município de Parauapebas, no Pará; atração pela Amazônia com racionalidade. Foto Daniel Teixeira - Estadão
Emoções conflitantes e ruidosas afloram nas abordagens sobre métricas e monetização de ativos naturais. Seja como for, parece claro que o capital natural terá, no futuro, valor econômico maior do que tem hoje. Como nos relacionamentos relatados por Goethe, as afinidades eletivas conduzem a apostas. No campo estratégico empresarial, como modelos de negócio incorporam os ativos naturais? Como esses ativos entram nos portfólios de investimentos? Como medir retornos de conceitos complexos, considerados intangíveis?
A paixão suscita ações audaciosas, como a implementação de novos sistemas de custeio, precificação e valoração de ativos, com base no conceito de “positividade natural”, ou seja, algo que é mais que a neutralidade de impactos, tendo a construção de valor do capital natural como modelos de negócios (e de políticas públicas).
No campo dos riscos, afinidades eletivas têm consequências. Nesse cenário caótico, pode-se agrupar estratégias empresariais em quatro tipologias. Uma é a trumpista, em que as empresas aderem integralmente à proposta do presidente americano de negacionismo climático e a posturas anticientíficas nesse campo.
Num segundo grupo estão empresas que aderem publicamente à narrativa vigente do novo líder global, mas que se mantêm atentas aos sinais e consequências das mudanças climáticas e depleção dos recursos naturais planetários nos seus negócios. Entre elas estão várias organizações que aproveitam o momento político para ganhar tempo nas suas estratégias relacionadas à redução de externalidades negativas no campo ESG, mas que não abandonarão de fato essas frentes em seus negócios. Alguns atores do mercado financeiro e várias empresas de tecnologia digital compõem esse conjunto.
Um terceiro grupo, provavelmente com o maior número de empresas, é formado pelas que exercem o chamado green hushing: buscam certa invisibilidade, permanecendo escondidas nas moitas (cada vez menores, vale lembrar). E, finalmente, há o grupo que leva os riscos ambientais de curto prazo a sério. Entre elas, é comum a condução de estratégias de adaptação às mudanças climáticas. Nesse grupo estão praticamente todas as grandes seguradoras.
A tensão entre paixões e racionalidades ambientais navega pelos desconhecidos e poderosos caminhos do poder de mercado como forjador da incorporação do capital natural no campo político empresarial. Tudo indica que será ele, e não os mecanismos de regulação, que prevalecerá.
A conexão do capital natural e sua complexidade com a Inteligência Artificial vem demonstrando seu poder de fascínio e sensualidade. Decodificar os segredos dos códigos genéticos, manipulá-los livremente, como Goethe apresentaria, toca o desnudamento, a indiscreta intimidade com a natureza, seus aromas, sabores, texturas e aplicações conhecidas e desconhecidas. A Inteligência Artificial explora recônditos da biodiversidade como nenhum amante da natureza já ousou fazer.
O mundo real, fora do leito sensual da natureza e dos dramas que ela pode nos apresentar, trata das afinidades eletivas com subsídios à economia dependente dos combustíveis fosseis. Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) indica valores de US$ 7 trilhões anuais, ou 7% do PIB mundial, utilizados nesses subsídios, envolvendo preços abaixo dos níveis de eficiência econômica (custos) e impactos negativos no aquecimento global (e suas consequências econômicas). É um exemplo claro de como paixões e razão convivem embaixo de edredons que evitam a explicitação de atos que deixam a literatura libidinosa climática constrangida.
Aos elementos ambientais, somam-se os sociais, levando a paisagem das afinidades climáticas eletivas para um baile. Já não marchamos em direção ao futuro, mas, sim, dançamos com ele num palco chinês, com múltiplas tonalidades desconhecidas e estranhas aos nossos ouvidos. Ainda assim, as afinidades eleitas nesses tempos obscuros e incertos serão determinantes para a sobrevivência de empresas e sistemas políticos. Vale a pena abstrair o belo livro do autor alemão, não por propor um único final possível, mas pela relevância das escolhas apaixonadas em combinação com as propostas que a racionalidade apresenta (Roberto Waack é membro do conselho de administração da Marfrig, presidente do conselho do Instituto Arapyaú e cofundador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura; Estadão, 31/1/25)