19/03/2024

Associação do carvão muda de nome para ter rótulo sustentável

Associação do carvão muda de nome para ter rótulo sustentável

logo Associação Brasileira de Carvão Mineral 

 

OUTRO LADO: Entidade defende que indústria do combustível fóssil ampliou projetos para captura de carbono.

A Associação Brasileira de Carvão Mineral mudou de nome, neste mês, para Associação Brasileira de Carbono Sustentável, com a sigla ABCS, que remete a uma identidade mais preocupada com os impactos que a indústria desse combustível fóssil causa ao planeta.

ONGs ambientalistas, por sua vez, questionam a medida. Na visão de organizações ouvidas pela Folha, o lobby do carvão tenta, com a mudança, embutir um rótulo verde nas suas atividades sem ter alcançado resultados efetivos, o que configura, dizem, "greenwashing". A expressão em inglês é usada para apontar estratégias falsas de marketing de cunho sustentável.

A presidência da ABCS, antes conhecida como ABCM, refuta a crítica e defende que a mudança reflete o seu novo planejamento estratégico, voltado a conter os gases de efeito estufa.

Fernando Luiz Zancan, presidente da associação, afirma que o reposicionamento começou em 2023, alinhado com movimentações do setor internacional do carvão.

"Nós estamos indo para a China, em junho, ver a planta de dessulfurização [processo para remover enxofre das emissões de gases de combustão de usinas térmicas]. A produção de fertilizantes, a partir das cinzas do carvão, é uma das linhas para usar o CO2 e descarbonizar as usinas. A outra linha é a tradicional, capturar o CO2 e reinjetar embaixo do mar, coisa que a Petrobras faz", enumera.

Um representante da empresa chinesa JET JNG US confirmou à Folha que negocia parcerias com o setor de carvão mineral do Brasil e afirmou que já apresentou tecnologia que aplica amônia na limpeza de metais pesados e gases emitidos pelas termelétricas. Contudo, ainda não há resultados no Brasil, uma vez que as medidas estão em fase de estudos.

De acordo com Zancan, os projetos-pilotos da associação miram emissões líquidas zero de carbono com ações que sejam financeiramente viáveis. A ideia, diz, é manter a indústria do carvão em atividade no Brasil, sem precisar pôr um fim a ela.

O uso do carvão foi um dos alvos do texto aprovado na COP28, última conferência do clima da ONU, no qual os países concordaram em fazer uma transição dos combustíveis fósseis. O documento final da cúpula de Dubai define que as nações devem "reduzir a produção de carvão não mitigada", ou seja, cujas emissões não foram compensadas.

"A indústria gera 21 mil empregos, entre diretos e indiretos, e R$ 5 bilhões por ano. Se fechar, acabam os empregos e a movimentação econômica. A gente olha para uma transição justa, focada nas pessoas. Não estamos trabalhando somente com carvão, mas também com a viabilidade de criar mais modelos de negócio, novas atividades econômicas para as regiões mineiras", diz Zancan.

O presidente da entidade argumenta também que o combustível fóssil é necessário para a segurança energética do Brasil.

Na visão ambiental, o cenário é outro. Para Juliano Araújo, diretor-executivo do Instituto Arayara, ONG voltada ao tema dos combustíveis fósseis, "'greenwashing' é pouco para definir o novo posicionamento" do carvão no Brasil.

Araújo, que também é representante dos observatórios do Carvão Mineral e do Petróleo e Gás, afirma que a entidade do carvão mineral no Brasil trocou sua identidade como uma estratégia de sobrevivência, na tentativa de aproximar as atividades da indústria com questões ambientais e sociais.

Na sua visão, não existe "carvão mineral verde, ou sustentável, ou qualquer coisa dessa natureza" nem projeto comercial que torne o carvão uma fonte de energia limpa, o que já foi testado em outras regiões do mundo sem êxito nem viabilidade econômica.

"A indústria do carvão se acostumou a receber subsídios econômicos do governo, que são pagos pelo consumidor. O setor também não dá o devido tratamento ambiental aos resíduos e poluentes tóxicos das suas atividades. Mais de mil minas de carvão estão abandonadas e contaminam o meio ambiente todos os dias, gerando passivos hídricos e de superfície atmosférica", diz.

Ainda segundo Araújo, a energia a partir do carvão é mais cara, mantida por subsídios como a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético). Mais de R$ 40 bilhões serão destinados para financiar o uso dessa fonte energética nas próximas décadas, ele destaca.

"O carvão mineral no Brasil representa, na geração de energia elétrica, cerca de 1% a 1,5% de toda a fonte energética do país, portanto não é determinante para a nossa segurança energética, em hipótese alguma."

 

Outra preocupação por parte das entidades ambientais está no viés político, na garantia da atividade da indústria do carvão por meio de leis que beneficiam o setor. Essas medidas atrasam o Brasil na transição verde, diz o Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), que integra o Observatório do Clima, rede com mais de cem entidades não governamentais.

Ricardo Baitelo, gerente de projetos do Iema, cita as emendas no PL (projeto de lei) 11.247/18, sobre energia eólica offshore. Da maneira com que foi aprovado na Câmara, ele deturpa a proposta original com os chamados "jabutis". Baitelo destaca a inclusão da obrigatoriedade na contratação de termelétricas de carvão num preço alto, com impacto econômico direto para o consumidor.

"Em janeiro de 2022, foi aprovada lei para a extensão de subsídios para o carvão para até 2040. Agora, na discussão das eólicas offshore, está se pretendendo a mesma coisa, com maior prazo [agora 2050] e mais incentivos para o carvão", diz.

Baitelo vê uma resistência cultural na transição energética, uma vez que a geração de energia solar, eólica e biomassa pode empregar até mais do que o setor de carvão mineral no Brasil.

"Eu enxergo as motivações da, agora, ABCS como um grande problema. Se a gente quer realmente sustentabilidade, a gente iria só pelas fontes renováveis, com geração de energia limpa, eficiência energética e descentralizada, e não estender a vida útil de térmicas a carvão", avalia (Folha, 19/3/24)