Associações do agro criticam medidas do governo para baratear alimentos

O principal alvo de críticas foi a decisão de zerar imposto de importação de produtos como carnes, café e milho. Foto Wenderson Araujo – CNA
Associações do agronegócio criticaram as medidas anunciadas nesta quinta-feira (6/3) pelo governo federal para tentar baratear os preços dos alimentos no país. O principal alvo de críticas foi a decisão de zerar imposto de importação de produtos como carnes, café e milho. Para entidades do setor, a medida seria inócua ou pouco efetiva.
“A medida é inócua e gera um alerta pelo erro do governo no diagnóstico do problema e pelo erro do remédio aplicado”, afirmou Paulo Bertolini, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho).
O executivo ponderou que o Brasil é hoje o terceiro maior produtor mundial de milho e o segundo maior exportador, atrás dos Estados Unidos. “Se o nosso milho fosse caro não era exportado. Mesmo passando por todas as ineficiências logísticas, temos competitividade”, disse o executivo. Ele acrescentou que o país poderia importar milho dos Estados Unidos ou da Argentina, que estão entre os maiores produtores, mas o custo de internalizar esses produtos no Brasil não deixaria o grão mais barato.
“No ano passado o Brasil importou 1,6 milhão de toneladas do Paraguai, por causa da proximidade, atendendo principalmente o Sul do país. Não temos de onde trazer esse milho mais barato do que o produto produzido internamente”, disse Bertolini.
Ele também disse que a medida inócua preocupa o setor. “Isso é preocupante orque dá margem para pensar que lá na frente será adotada alguma medida restritiva à exportação, como taxas ou cotas. A gente fica preocupado porque a inflação não é causada pelo milho, é causada pelos gastos públicos, que desvaloriza o real e tem efeito na inflação. É causada pelo custo do diesel que interfere nos custos logísticos e tudo isso encarece a comida do brasileiro”, afirmou.
A Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics) classificou o pacote do governo como inócuo. “A medida é um pouco inócua porque qualquer produto de origem vegetal ou animal, para entrar no Brasil, precisa passar por análise de risco fitossanitário do Ministério da Agricultura e Pecuária. Tornar a alíquota de importação de café zerada, sem ter autorização sanitária para entrar, não gera nenhum tipo de repercussão ou vantagem”, avaliou Aguinaldo Lima, diretor de relações institucionais da Abics.
Ele acrescentou que, no caso de produtos vegetais como o café, é necessário fazer análise de risco de pragas e, atualmente, só há dois países de onde o Brasil pode importar café, Peru e Vietnã.
O Vietnã, maior produtor de café robusta do mundo, teve problemas na safra, que cresceu em relação à temporada passada, mas ficou abaixo das previsões iniciais. No primeiro bimestre do ano, segundo dados do Escritório Geral de Estatísticas do Vietnã, as exportações de café do país recuaram 23,5% em relação ao mesmo intervalo do ano passado, para 303 mil toneladas.
As exportações do Peru, por sua vez, recuaram 77% em volume em janeiro, para 6,3 mil toneladas, com estoques baixos.
Lima acrescentou que, no caso do café solúvel, a importação já teria alíquota zerada, porque a indústria de solúvel, se precisar importar, o fará no sistema de drawback, que implica importar matéria-prima para processar e reexportar.
“Portanto, não vejo nessa medida nenhuma solução para reduzir os valores no mercado interno. Até porque o preço do café não é um problema do Brasil, é um problema do mundo. E os preços aqui no Brasil não são muito diferentes do que estão lá fora, então você vai acabar trocando seis por meia dúzia”, afirmou o executivo.
A cadeia produtiva do azeite de oliva reforçou o coro de quem coloca em dúvidas a eficácias das medidas anunciadas pelo governo para tentar reduzir preços de alimentos. O presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), Renato Fernandes, considera, no entanto, que é prematuro ter uma avaliação definitiva sobre o pacote.
“No ano passado, o valor da importação de azeite foi algo próximo de R$ 4,5 bilhões. E, desse valor, em torno de 9% ou 10% corresponde a R$ 500 milhões em impostos. O nosso país tem condição de abrir mão de R$ 500 milhões em impostos que deveriam ser aplicados em outros setores, como a área social que tanto precisamos?”, questionou Fernandes, do Ibraoliva.
Ele fez as declarações nesta sexta-feira (7/3), durante evento da abertura oficial da colheita da oliva, em Cachoeira do Sul (RS). O presidente do Ibraoliva disse compreender o esforço do governo para tentar baixar os preços dos alimentos. Pontuou, no entanto, que o atual cenário de inflação no país tem outras causas.
“É preciso entender que a inflação é resultado, não é causa. A política antiempresarial e antiprodutor é equivocada. O que provoca a inflação é a expansão monetária, fabricar dinheiro e gastar mais do que se ganha”, acrescentou.
Ações paliativas
A Sociedade Rural Brasileira (SRB) classificou como “paliativas” as medidas do governo federal para combater a inflação de alimentos. Em nota, a entidade disse que as ações não corrigem os gargalos da produção agropecuária e terão “efeitos negativos” no médio e longo prazo.
Para a SRB, a redução das tarifas de importação de alimentos é ineficaz, pois a produção interna é suficiente para abastecer o país. “Não temos problemas com a oferta de produtos. O Brasil é um dos maiores e mais competitivos produtores de grãos e proteínas do mundo. Portanto, mesmo com alíquota zero, dificilmente os produtos importados chegarão a preços inferiores aos praticados internamente”, opinou a entidade.
A entidade ressaltou que o produtor rural não é o culpado pelo aumento dos preços dos alimentos. Na nota, a SRB indicou que há uma “longa cadeia de intermediários” entre a produção e o consumidor final, como tradings, indústrias, distribuição e varejo, que agregam custos significativos aos alimentos.
“No entanto, será o produtor rural o maior prejudicado pela isenção de tarifas de importação, uma vez que essa medida desestimula a produção nacional e afeta diretamente a sua rentabilidade”, afirma a SRB na nota.
A SRB aponta ainda o “Custo Brasil” como um dos principais entraves ao crescimento econômico do país, desde “problemas estruturais, burocráticos, trabalhistas e tributários que impactam diretamente a competitividade nacional”.
A entidade solicitou ao governo para fortalecer a capacidade produtiva do país, com crédito acessível para a safra 2025/26, taxas de juros adequadas e “recursos suficientes para que os produtores possam manter sua produção com competitividade”. Por sim, a SRB cobrou “maior controle fiscal para reduzir a inflação e os juros, políticas de incentivo ao crédito rural e à redução dos custos de produção, além de investimentos em infraestrutura logística”.
Pouca efetividade
Silvia Matos, pesquisadora e coordenadora do Boletim Macroeconômico do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), também considerou a medida pouco efetiva. “Alguns itens não há como importar mais barato, pois somos mais competitivos. Claro que a redução de impostos ajuda, mas se tiver também a redução de ICMS o impacto será mais abrangente”, avaliou.
Nesta quinta-feira, o presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), que participou da reunião no Palácio do Planalto com ministros e representantes do setor produtivo, disse que considera “natural e adequada” a redução da alíquota de importação, mas que seria difícil trazer açúcar a preços mais baixos que os já praticados no país.
Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), que também participou da reunião, disse ontem que a zeragem do imposto de importação sobre insumos, como o milho, pode ajudar a reduzir o custo do confinamento do boi, com impacto direto no preço da carne nos supermercados. O efeito no varejo, segundo ele, poderia ser sentido 15 dias após a publicação da medida. Mas esse impacto foi descartado pelo presidente da Abramilho.
Procurada, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informou por meio de assessoria de imprensa que ainda está avaliando as medidas (Globo Rural, 7/3/25)