Ataque à liberdade – Editorial Folha de S.Paulo
Lula e Alexandre de Moraes Foto Secom Presidência da República
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cumprimenta Alexandre de Moraes, ministro do STF, durante evento que marca um ano da invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
Moraes e Lula ameaçam direito à expressão com discursos perigosos sobre o 8/1.
Era previsível alguma politização da cerimônia que marcou a passagem de um ano do ataque às sedes dos três Poderes, em Brasília. O ato de estupidez golpista de uma turba de bolsonaristas desvairados, afinal, ainda rende apoios ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na sociedade e nas instituições.
Entra-se em terreno perigoso, entretanto, quando um evento destinado a celebrar o vigor da democracia é aproveitado para a tentativa de impulsionar uma controversa pauta legislativa —e, pior, com manifestação de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Sem o comedimento que se espera de um magistrado, Alexandre de Moraes, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, usou seu discurso para defender em termos hiperbólicos o endurecimento da regulamentação da internet.
"Hoje também é o momento de olharmos para o futuro e reafirmarmos a urgente necessidade de neutralização de um dos grandes perigos modernos à democracia: a instrumentalização das redes sociais pelo novo populismo digital extremista", declarou o ministro.
Lula também tratou do tema, com retórica não menos inflamada: "As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro. Nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais".
Decerto existem aspectos da regulação a serem debatidos pelos legisladores eleitos, a começar pelo poder de mercado excessivo das grandes plataformas. Porém a pretensão de impor maior tutela do Estado sobre o conteúdo publicado traz riscos para a liberdade de expressão, essencial à democracia.
Há, sem dúvida, má-fé, preconceito e virulência nas redes, e não apenas por parte da direita. Há também erros não intencionais, meias verdades, ataques veementes e afirmações questionáveis. Imaginar, como se chegou a fazer, que algum órgão regulador vá decidir o que pode ou não ser veiculado é flertar com o arbítrio.
Nos regimes democráticos, cabe apenas à Justiça punir os responsáveis pela divulgação de conteúdo julgado ilegal —após o devido processo, com espaço para acusação e defesa. As penas devem servir como meio de dissuasão de novas práticas criminosas.
Esse entendimento singelo contribuiu para frear, no ano passado, um projeto de lei apresentado como meio de combate a fake news. No texto, sintomaticamente, os políticos colocavam suas postagens a salvo das restrições propostas. Mesmo quem defende censura não quer ser censurado (Folha, 10/1/24)