30/09/2024

Avanço do fogo foi mais rápido que resposta de governos, dizem boletins

Avanço do fogo foi mais rápido que resposta de governos, dizem boletins

Cafezal destruído pelo fogo em Pedregulho (SP) — Foto Maurivan Rodrigues- Arquivo pessoal

Apesar de incremento adotado em meio à crise, área queimada triplicou em 3 meses no pantanal e dobrou na amazônia em setembro.

Os 13 boletins divulgados desde o final de junho pelo Ministério do Meio Ambiente sobre a crise das queimadas mostram que a escalada do fogo no pantanal, amazônia e cerrado ocorreu em velocidade bem superior ao incremento no combate aos incêndios feito pelos governos federal, estaduais e municipais.

Segundo os documentos, de julho até agora o acumulado da área queimada no pantanal triplicou de tamanho, chegando a 2 milhões de hectares —13,4% do bioma.

Na amazônia, a área queimada mais que dobrou neste mês de setembro —11,7 milhões de hectares, ou 2,8% do bioma. O cerrado já teve 12,3 milhões de hectares queimados em 2024, o que representa 6,2% de sua área total, com aumento de quase 40% só nos últimos 15 dias.

O incremento de brigadistas e aeronaves, tanto do governo federal, mas também dos estados (que compartilham a obrigação legal de combate), também cresceu no período, mas em proporção insuficiente para conter a crise.

No pantanal, da primeira quinzena de julho até agosto (auge da crise no bioma), o número de profissionais federais em campo —do Ibama, ICMBio, Forças Armadas e Força Nacional— cresceu 20%, chegando a cerca de 1.000, enquanto a quantidade de aeronaves foi de 14 para 19 no período.

Atualmente, com o arrefecimento da crise no bioma, o efetivo está na casa dos 800 agentes, com 11 aeronaves —os outros foram deslocados para outras partes do país.

Folha questionou Mato Grosso e Mato Grosso do Sul sobre o efetivo empenhado no combate, mas só o segundo estado respondeu. Disse que terminou junho com 70 bombeiros em ação, número que cresceu para 138 neste momento.

Na amazônia, o efetivo federal subiu pouco do final de agosto (quando o número começou a ser divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente) até agora: de 1.468 para 1.608, com 10 aeronaves.

O estado de Tocantins afirmou que o combate ao fogo ainda não havia começado em junho, mas que agora há 355 bombeiros mobilizados. No Amazonas, neste período, o efetivo cresceu de 333 para 706. Já o Pará não respondeu —os três são recordistas de queimadas no Norte.

As médias móveis semanais de área queimada no cerrado começaram a subir de forma acelerada em agosto e atingiram o pico nas primeiras semanas de setembro.

Os boletins do Ministério do Meio Ambiente passaram a divulgar dados sobre o bioma somente no último dia 10. De acordo com o documento, o número de profissionais federais em campo mais que dobrou nesses últimos 15 dias, de 436 para 1.102. São 8 aeronaves em uso (eram 7 no boletim do dia 10).

"Existe uma responsabilidade compartilhada. Jogar toda a contabilidade no número de brigadistas federais não é honesto, é como se toda a responsabilidade de incêndios do Brasil fosse do governo federal, isso não é real", diz o secretário extraordinário de Controle de Desmatamento do ministério, André Lima.

Segundo ele, 85% do fogo no cerrado e 73% do fogo no pantanal foram registrados em propriedades privadas, cuja responsabilidade de resposta primeiramente é dos estados e municípios —a União precisa cuidar de áreas de preservação e terras indígenas, majoritariamente.

"Se não tiver propriedade privada com suas brigadas, municípios com brigadas locais, bombeiros, estados com corpo de bombeiros, também aumentando o número de gente disponível, não tem condição de o governo federal resolver o problema", diz ele.

Lima cita o exemplo de São Paulo. Segundo ele, no estado há uma menor cobrança em relação ao governo federal porque "são áreas estaduais e privadas e existe um efetivo, tanto privado, das grandes empresas, como do estado, de bombeiros".

O governo do Amazonas diz, por outro lado, que atualmente mais de 70% dos focos de calor combatidos pelas equipes estaduais estão em áreas de responsabilidade federal e reclama que já em abril solicitava apoio à União.

Já em Rondônia, o Tribunal de Contas do Estado abriu um processo para apurar possível omissão do governo local no combate ao fogo. A reportagem procurou a gestão regional para comentar, mas não teve resposta.

O Brasil enfrenta em 2024 uma disparada das queimadas em meio à pior seca já registrada no país desde pelo menos os anos 1950.

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) e o próprio presidente Lula (PT) reconheceram que o governo federal, estados e municípios não estavam preparados para enfrentar a situação.

 

Além do Ministério do Meio Ambiente, a Folha também procurou as pastas da Justiça, Defesa, Agricultura, Desenvolvimento Regional e a Casa Civil, que coordena as ações.

A Casa Civil destacou a criação da Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas, em 1º de janeiro de 2023, destacando que "as competências de combate aos incêndios florestais e à estiagem não são exclusivas da União" e que "estados e municípios também têm papel fundamental".

Sobre a estrutura federal, a pasta respondeu que o Ibama e o ICMBio têm mais de 3.000 brigadistas em atuação neste ano e que em agosto foi autorizado incremento temporário em 20 estados, além da contratação pelo Ibama de mais 5 aeronaves.

A pasta destaca ainda a medida provisória que autorizou R$ 137 milhões para combate aos incêndios, entre outros aportes.

A Justiça disse que atua desde maio contra queimadas, com uso de 312 bombeiros da Força de Segurança em 22 municípios da Amazônia Legal e pantanal.

"O ministério aumentou em mais de 400% os repasses para operações de proteção aos biomas e combate aos incêndios florestais, na comparação com todo o ano de 2022", disse ainda a pasta, que registrou os 52 inquéritos abertos pela Polícia Federal e a atuação da Polícia Rodoviária Federal em patrulhamento intensificado nas margens das rodovias federais.

A Defesa disse que desde o fim de junho cerca de 550 militares têm atuado no pantanal, com o apoio de 161 viaturas, 224 embarcações e nove aeronaves.

Agricultura afirmou que faz parceria com autoridades federais, locais e representantes dos produtores rurais e que está monitorando os impactos das estiagens sobre a produção agropecuária.

Desenvolvimento Regional não respondeu (Folha 30/9/24)