13/05/2019

Azares e azarões – Por Roberto Rodrigues

Azares e azarões – Por Roberto Rodrigues

Poderíamos exportar a carne agregando valor ao produto, com soja e milho embutidos.

A peste suína vem interferindo dramaticamente na produção e no consumo de carne de porco na Ásia, e terá consequências de médio e longo prazo ainda não completamente avaliadas. Isso dependerá de quando a terrível doença (que não afeta os humanos, mas é letal para os suínos) for controlada e eliminada, e não apenas no continente asiático, uma vez que já apareceu na Europa e é uma ameaça potencial para outras regiões do globo. 

Se este controle fosse realizado imediatamente, a retomada da produção normal demoraria cerca de três anos, uma vez que o anunciado abate de milhares de matrizes reduz o nascimento de novos leitões, interrompendo o ciclo da criação.

Mas, se realmente houver agora uma grande redução do rebanho, haverá também diminuição da demanda de soja e milho por parte dos criadores asiáticos, o que equivale à queda das exportações e dos preços desses produtos, aumentando o cenário de perda de renda do nosso agronegócio, já informado nas áreas do café, do leite e da cana-de-açúcar. Vale lembrar que a soja é o carro chefe das exportações do nosso setor rural, e que a China é, de longe, nosso maior cliente.

Poderíamos em poucos meses ampliar nossa produção de carnes e assim destinar boa parcela dos grãos que exportaríamos em condições normais para o mercado interno. E exportaríamos carnes, ganhando uma vantagem adicional que é a agregação de valor: a soja e o milho iriam embutidos nas carnes aqui produzidas.

Para isso acontecer, precisaríamos da habilitação de muitos frigoríficos, sobretudo de aves e suínos, o que implica negociações do governo com grande agilidade, além de investimentos dos produtores para ampliação da produção, o que demanda crédito num momento de grande aperto fiscal.

A ministra Tereza Cristina está em visita à China e a outros países asiáticos para entender melhor a situação e buscar os necessários acordos para isso acontecer.

Mas não podemos esquecer que outros players globais, como os Estados Unidos e a União Europeia, por exemplo, também estão de olho nessa oportunidade e se mobilizam na mesma direção. E, no caso dos Estados Unidos, a maior oferta de carnes à China poderia determinar uma trégua na “guerra comercial” entre ambos, recentemente ampliada pelo presidente Donald Trump – que na sexta-feira elevou de 10% para 25% as tarifas para o equivalente a US$ 200 bilhões em importações chinesas.

Portanto, há uma ameaça aos agricultores brasileiros quanto à sua renda, e é preciso correr para evitar um desastre sério.

E vale a pena examinar alguns aspectos do mercado mundial do agronegócio. É sabido que temos avançado de maneira espetacular nas exportações deste dinâmico setor. Com efeito, no ano 2000 o agronegócio brasileiro exportou US$ 20 bilhões, e no ano passado, superamos a casa dos US$ 100 bilhões, um crescimento de 5 vezes em menos de 20 anos. No entanto, embora isso nos encha de orgulho, nossos concorrentes cresceram também. 

No caso das principais carnes (bovina e de frangos), perdemos espaço: em frangos, segundo os dados mais recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), saímos de 41% do comércio mundial em 2010 para 31,2% no ano passado. E em carne bovina, caímos de 23,7% para 16% no período. 

Em outras palavras, tivemos um progresso significativo, mas os concorrentes não estão dormindo, e cresceram mais do que nós. Ainda somos líderes mundiais no comércio de carnes, mas estamos “emagrecendo”, sem trocadilho. Acidentes azarados como as operações “carne fraca” e “trapaça”, realizadas pela Polícia Federal, podem nos aumentar o “regime”, de modo que a oportunidade que a peste suína representa só será aproveitada se corrermos logo e bem.

Trata-se de uma ação conjunta entre o governo e o setor privado que, bem orquestrada, será uma demonstração de que podemos fazer a mesma coisa em outras cadeias produtivas. E não custa lembrar que somos muito importantes no comércio mundial do agro, mas apenas em meia dúzia de produtos: o complexo soja, as carnes, café, açúcar, suco de laranja e milho, mas há muito o que fazer para ter espaço parecido em frutas, algodão, pescado, cacau, óleo de palma, papel e celulose, borracha, flores, outros grãos, leite, etc.

E a fila anda. Somos o maior candidato a campeão mundial da segurança alimentar, mas tem muito “azarão” correndo por fora (O Estado de S.Paulo, 12/5/19)