Biodiesel mostra que governo tem um discurso lá fora e outro aqui dentro
BOLSONARO Foto Adriano Machado Reuters
Redução da mistura de biodiesel ao diesel contraria posição assumida em Glasgow, segundo representante do setor.
Quando se trata de sustentabilidade e de redução de emissão de carbono, o governo tem um discurso para mostrar ao mercado externo, mas age exatamente ao contrário internamente.
A avaliação é Francisco Turra, presidente do conselho de administração da Aprobio (Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil), ao analisar as novas medidas do Conselho Nacional de Política Energética para o setor.
A mistura de biodiesel, que já foi reduzida pelo governo neste ano e está em 10%, deveria subir para 13% e, em março, para 14%. O governo, no entanto, a manterá em 10% durante 2022.
O Brasil promete descarbonizar e reduzir a emissão de gases de efeito estufa na COP26, mas adota práticas exatamente contrárias no país, afirma o executivo.
Para Juan Diego Ferrés, presidente da Ubrabio (União Brasileira de Biodiesel e do Bioquerosene), a medida é "grotescamente desconstrutiva".
"Não dá para entender esse governo", afirma.
Além dos efeitos sobre o clima, a redução ocorre exatamente em um momento de uma supersafra mundial de soja, principal matéria-prima para a fabricação do biodiesel.
Os Estados Unidos acabam de colocar um volume recorde de 120 milhões de toneladas de soja no mercado. O Brasil deverá colher 144 milhões, e a Argentina, próximo de 50 milhões.
Ou seja, os três principias produtores mundiais vão colher acima de 300 milhões de toneladas. Já a China, principal importadora mundial, e que vinha com um volume crescente de compras, deverá parar nos 100 milhões de importações no próximo ano.
As razões alegadas pelo governo para reduzir a mistura são injustificadas, segundo Turra. A tão anunciada pressão do preço do biodiesel sobre o diesel não existe.
Em janeiro, a participação do biodiesel no preço do diesel era de 13,6%. No mês passado, estava em 13,7%. "Não somos a causa dos aumentos do diesel. Há uma desinformação do governo", diz ele.
Ferrés, da Ubrabio, afirma que o desastre sobre a economia será grande. As empresas investiram muito para atingir o patamar programado de biodisel no país, e agora vão ficar com uma grande capacidade ociosa, calculada em 46%.
Ele calcula que o setor deixará de movimentar R$ 15 bilhões no próximo ano, devido à redução da mistura para 10%, ao invés dos 14% previstos em lei. Esse setor irriga boa parte das economias regionais, mantendo empregos e gerando valor agregado aos produtos em 14 unidades da federação.
Não serão processados 12,5 milhões de toneladas de soja, que gerariam 9 milhões de toneladas de farelo. Essa redução vai afetar os preços das rações, elevando o custo das proteínas e aumentando a pressão inflacionária.
Os investimentos feitos para a ampliação de oferta de biodiesel agora serão custos para as empresas, que devem pagar as taxas de financiamentos sem um aproveitamento dessa capacidade instalada aumentada.
A ação do governo freia a geração de emprego e pode provocar ainda mais desemprego em um país em recessão, diz Ferrés.
O Brasil tem todo o potencial para elevar a produção, mas não tem mais confiabilidade. Combalidas e escaldadas, as empresas não voltarão mais a investir, acrescenta o executivo da Ubrabio.
Como medidas futuras, Turra diz que o setor vai fazer um apelo ao bom senso do governo. Há também a alternativa de buscar uma anulação jurídica desse ato, uma vez que contraria a lei do Renovabio.
Entidades produtoras de biodiesel, do agronegócio e a Frente Parlamentar Mista do Biodiesel se reuniram nesta terça-feira (30) para definir uma ação conjunta (Folha de S.Paulo, 1/12/21)
“O setor hoje está de joelhos”, diz Francisco Turra, da Aprobio
Francisco Turra Foto Antonio Cruz ABr CP
O setor de biodiesel está de joelhos após o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) manter em 10% o porcentual da mistura do biodiesel no diesel ao longo de todo o ano que vem, disse o ex-ministro da Agricultura e atual presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), Francisco Turra. "Estamos muito entristecidos pela boa relação que temos com o ministro Bento (Albuquerque, de Minas Energia) e com a (ministra da Agricultura) Tereza Cristina", afirmou ele ao Broadcast Agro. O ex-ministro disse que está tentando uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro "para ele perceber que o agro está preocupado com isso".
A decisão do CNPE foi informada ontem. Para o órgão, a decisão confere previsibilidade, transparência, segurança jurídica e regulatória ao setor. A indústria do biodiesel defendia que a mistura alcançasse os 15% até 2023.
Turra afirmou acreditar que o governo vai "repensar" a medida em decorrência do estrago para o setor. "Tínhamos previsão de esmagar 30% a mais de produto a partir de março deste ano. Mas só aconteceu um leilão de 12%, depois baixou para 10% e agora se anunciou que vai ficar em 10% no ano que vem, quando a previsão era chegar a 14% em março."
De acordo com Turra, a decisão compromete a segurança jurídica. Para ele, a alegação da área econômica do governo que o biodiesel vinha aumentando o preço do diesel não procede. "Entre janeiro e outubro deste ano, a participação do biodiesel na formação de preço do diesel B subiu apenas 0,1 ponto porcentual, de 13,6% para 13,7%", afirmou. A participação do diesel fóssil, diz a entidade, passou de 47,7% para 56,2% no mesmo período.
Ele alerta também que o volume de biodiesel que agora não fará mais parte da mistura se converterá em importação de diesel fóssil. "Vai deixar emprego verde nosso para trazer bilhões num combustível fóssil", afirmou. Em nota, a Aprobio estima que a manutenção do B10 em 2022 causará redução de renda de US$ 2,5 bilhões no Brasil e que o País precisará gastar US$ 1,2 bilhão em importações de diesel.
O presidente do conselho da entidade disse que a decisão do CNPE vai contra o que o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou na COP26. "Anunciaram a antecipação de descarbonização, e o diesel fóssil é responsável pela poluição de centros urbanos."
Para Turra, o Brasil deve exportar o excedente de soja que não será mais usado na produção do biodiesel, o que pode fazer com que falte farelo, afetando preços de proteína animal e leite. "Há reação no bolso do consumidor final." E as exportações da oleaginosa, diz ele, não serão fáceis, já que Brasil e Estados Unidos devem colher safra recorde, e a produção da Argentina também deve ser volumosa. "Além disso, a China não importa mais de 100 milhões de toneladas", afirmou.
Ao lembrar sua gestão na Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Turra disse: "A proteína animal tinha momentos de sofrimento, mas que vinham principalmente do mercado externo. Agora, está vindo do mercado interno" (Broadcast, 30/11/21)