15/12/2021

Biodiesel: Por que destruíram um programa que é patrimônio nacional?

Legenda: Francisco Turra

Francisco Turra. Foto Manoel Petry

 

O ano de 2021 era para ser mais uma etapa do cronograma formulado pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), cujo objetivo é promover a expansão dos biocombustíveis na matriz energética e assegurar previsibilidade para o mercado de combustíveis.

Na direção contrária, o ano termina marcado por um dos maiores retrocessos do RenovaBio, distanciando o país de um ambicioso plano de previsibilidade de crescimento e investimento para atender o mercado por meio de uma política de transição energética para uma matriz mais limpa. Estamos falando aqui em menos poluição nas grandes cidades e mais empregos verdes no campo.

Ao invés de 13% (B13), atendido em apenas um bimestre do período, vivemos seis meses com uma mistura de 10%, um corte de proporções gigantescas na demanda prevista em lei para um parque fabril já capacitado para substituir 18% do volume de diesel consumido pelo mercado.

Se o cenário era ruim, ele acabou piorando para 2022.

A decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de manter a mistura mínima de biodiesel em 10% (B10) para todo o ano de 2022, tomada em reunião nesta segunda-feira (29/11), sepultou as esperanças de que o RenovaBio poderia retomar o modelo de uma Política de Estado.

O cronograma de aumentos da mistura obrigatória de um ponto percentual por ano até chegar ao B15 em 2023, que havia sido estipulado pelo próprio CNPE, de acordo com a Resolução 16/2018, cai por terra.

A justificativa oficial diz que o preço do diesel na bomba dos postos de combustível não devia aumentar em razão do custo do biodiesel. Se não falta produto nas usinas, é fato que o custo da principal matéria-prima utilizada, a soja, aumentou nos últimos meses em função de condições macroeconômicas mundiais.

Mas essa condição não afetou os aumentos recentes do combustível.

Levantamento recente feito pelo setor mostrou um impacto insignificante, de 0,1 ponto percentual, do custo de biodiesel na formação de preço final do diesel vendido ao consumidor, entre primeiro de janeiro a primeiro de outubro deste ano, em comparação com o impacto de 8,5 pontos percentuais causado pelo diesel fóssil.

A participação do biodiesel na formação do preço do diesel B era de 13,6%, em primeiro de janeiro deste ano, e passou a 13,7% em primeiro de outubro (com B12 em ambos os períodos). No mesmo período, a participação do diesel fóssil no preço ao consumidor final era de 47,7% em janeiro e passou a 56,2% em primeiro de outubro.

Importante considerar que o preço de biodiesel no Brasil é bem inferior ao praticado no mercado internacional. Segundo a S&P Global, o preço médio internacional do produto é de US$ 1.882/tonelada, enquanto o preço médio praticado no 82° Leilão de Biodiesel (L82) foi de US$ 944/tonelada.

O verdadeiro vilão dos preços, então, foi o diesel fóssil. Mas o condenado é o biodiesel.

O real custo da redução do percentual de biodiesel será sentido em outra ponta da economia.

Ela provoca elevação nos preços das carnes, ovos e produtos lácteos em razão da redução da oferta de farelo de soja, resultado do esmagamento da soja para a produção de óleo. Estes alimentos são produzidos, principalmente, com a utilização do farelo na ração animal. Com menos biodiesel, temos menos farelo e, em consequência, elevação dos preços da ração.

Precisamos deixar de olhar apenas para preço e focar no valor do biodiesel.

Ele é sinônimo de produção e emprego local e tem importante participação na agricultura familiar para oferta de matérias-primas. O produto é de origem renovável e reduz a emissão dos gases de efeito estufa em até 80% quando comparado ao concorrente fóssil.

Na Escócia, o Ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em sua participação na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021 (COP26), anunciou que o Brasil vai ampliar sua meta de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEEs), de 43% para 50%, até 2030.

O que era uma esperança de fortalecimento do consumo de biocombustíveis por meio do RenovaBio virou um sonho de verão.

Se é difícil lidar com o tamanho da redução da mistura, pior é ver o país tendo que importar diesel fóssil. Ao reduzir a quantidade de biodiesel disponível para o mercado interno, o Brasil demanda mais diesel fóssil, que polui mais, nos afasta dos compromissos de descarbonização, diminui empregos e gera inflação de alimentos.

Como a estatal petrolífera não é autossuficiente para atender a totalidade da demanda nacional, o país precisa importar diesel fóssil para abastecer o mercado. A estimativa é que mais US$ 1,2 bilhão precisarão ser destinados à importação do produto.

A pergunta permanece para todos os brasileiros: Afinal de contas, por que mesmo reduziram a mistura de biodiesel? (Francisco Turra, presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (APROBIO) e ex-ministro da Agricultura (1998-1999); O Estado de S.Paulo, 14/12/21