Bioenergia é oportunidade – Por Paulo Hartung
Legenda: O carvão vegetal é uma fonte de energia renovável com tamanho e potencial de mercado consideráveisLuk
Setor trabalha em diferentes frentes. Mundo clama por sustentabilidade.
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A Agência Internacional de Energia (AIE) acaba de fazer um importante alerta para cidadãos e governantes mundo afora: mesmo com um incremento de 50% da capacidade de geração de energias renováveis até 2024, o mundo ainda não estará próximo da substituição de matérias-primas fósseis nesse processo. Isto quer dizer que, na batalha pela mitigação das mudanças climáticas, o setor energético pode e deve fazer mais.
O diretor da AIE, Fatih Birol, afirmou que as energias solar e eólica estão no centro desta transformação, mas que serão necessários mais esforços. Esses sistemas já demonstraram sua capacidade e eficiência. Juntos, representaram 10,2% da geração de energia elétrica no Brasil em 2018, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). No entanto, para ir além, é necessário olhar alternativas, preferencialmente aquelas perenes. Isso porque, vento e insolação são fontes naturalmente inconstantes para a geração de energia, impondo intermitências aos processos produtivos.
Nesse sentido, não tenho dúvidas em afirmar que as florestas cultivadas para fins comerciais são uma opção confiável –e o Brasil tem uma enorme oportunidade nesse caminho. Além de diversificar as possibilidades, traremos ainda mais segurança no percurso desta mudança. A indústria de base florestal nacional é reconhecida internacionalmente e, além de uma série de produtos, gera energia renovável que abastece o próprio setor e outros ramos da economia. Poucos são os setores que trabalham com esta cogeração.
Os números demonstram o potencial deste segmento. De acordo com o relatório de sustentabilidade do Conselho Internacional de Associações Florestais e de Papel (ICFPA, 2019), 64% da matriz energética do setor, em nível global, é baseada em fontes renováveis. No Brasil, só em 2018 foram produzidos 73 milhões de GJ, dos quais 73% consumidos pelas fábricas. Este montante seria suficiente para abastecer as cidades de Sorocaba e Santos juntas. Nos últimos 4 anos, houve aumento da produção de energia limpa em 13,5%. Algumas das fábricas mais modernas de celulose e papel já são autossuficientes em energia. Em 2018, elas venderam 18,3 milhões de GJ para a rede.
E sabe como é gerada essa energia? O setor trabalha em diferentes frentes. Uma delas é a partir do licor negro, um importante coproduto da indústria de celulose e papel. Esse processo faz parte do conceito da bioeconomia, ou seja, gerar aproveitamento máximo daquilo que se produz. Além disso, o uso de cavacos em caldeiras de biomassa gera energia para as unidades industriais. Esses 2 materiais são responsáveis por 82% da matriz energética utilizada pelo setor –um dos mais renováveis do mundo.
Há alguns meses, estive em Três Lagoas (MS) e conheci o local em que a Eldorado está investindo R$ 350 milhões em uma usina de energia a partir de biomassa renovável, suficiente para abastecer uma cidade de 300 mil habitantes. Durante o período de obras, 1.500 pessoas estarão trabalhando para a construção da unidade.
O setor pode aumentar consideravelmente a sua contribuição com a geração direta de energia, por meio das florestas dedicadas para termelétricas. Além de renovável, elas oferecerem previsibilidade e produção contínua, independentemente de oscilações climáticas, e proporcionam geração no horário de ponta e em localizações próximas à demanda e linhas de transmissão já existentes. Ou seja, podem complementar, com perenidade, a geração de outras fontes renováveis, como a solar e a eólica.
Na semana passada, estive em duas cidades no interior de Minas Gerais, Curvelo e Três Marias. Além da simpatia da região, fiquei impressionado com o tamanho e o potencial do mercado de biorredutores, ou seja, carvão vegetal produzido a partir de árvores cultivadas para fins industriais. Mais uma fonte renovável.
Em siderúrgicas, o produto evita o uso de fontes não-renováveis, tornando o processo ainda mais sustentável. Assim, se dá origem aos chamados ferro-gusa e aço verdes, imprimindo uma nova procedência, por exemplo, a matérias-primas do inox do seu fogão e de autopeças e lataria de seu veículo, entre outros produtos presentes no nosso dia a dia.
Visitei a área florestal da Gerdau e a Plantar Carbon. Pude conferir de perto todas as etapas, desde os laboratórios de pesquisas, viveiros, florestas, até o processo para obtenção do produto final. Além de geraram impactos ambientais positivos, especialmente o sequestro de carbono, as companhias têm um papel social importante de geração de renda. A centenária Gerdau emprega, na região, direta e indiretamente, mais 1.900 trabalhadores, enquanto a Plantar tem 1.450 colaboradores.
Este movimento, aliás, pode ser mais um passo para dar utilidade a terras degradadas pela ação humana. O setor de árvores cultivadas utiliza, comumente, estes locais para expandir seus plantios, contribuindo com o meio ambiente em diversas frentes.
Em suas várias formas, a bioenergia é fundamental para que o país atinja suas metas em acordos internacionais, como o Acordo de Paris, que visa a limitar o aumento da temperatura média de nosso planeta em 1,5°C; a ODS 7 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU), que busca assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos; e a NDC Brasileira (contribuição nacionalmente determinada), que prevê aumentar para 18% a participação da bioenergia na matriz energética.
A janela de oportunidades está aberta, o potencial nacional é enorme e os benefícios ambiental, social e econômico são evidentes. O Ministério de Minas e Energia está dando um bom exemplo ao promover um Workshop de Fontes Energéticas, com foco em biomassa florestal, abordando temas estratégicos para o aumento da utilização desta fonte, assuntos mais técnicos e as tecnologias envolvidas no processo.
É preciso que, a exemplo do RenovaBio, política criada para estimular biocombustíveis líquidos, sejam constituídos mecanismos para produção de biocombustíveis florestais e uso de carvão vegetal. Além disso, o uso de mecanismos internacionais de mercado de carbono, tais como previsto no Artigo 6 do Acordo de Paris, pode ter alta relevância.
Na questão dos leilões, já houve sucesso com diferenciação de fontes, como eólica e solar. Agora, é importante que essa diferenciação seja especificamente aplicada à biomassa florestal, que possui atributos complementares e pode ter um impulso inicial relevante. Assim, teríamos maior diversificação da nossa matriz energética limpa e da nova economia de baixo carbono.
Um olhar mais cuidadoso para todas as fontes poderá dar a visão de que não se pode colocar todas as alternativas dentro de um mesmo contexto, uma vez que cada uma tem características específicas e ciclos diferentes para estar disponível no mercado. As medidas precisam visar ao estímulo de todas as vertentes, mas levando em consideração que cada fonte tem suas especificidades.
Para o segmento de biorredutores, ou carvão vegetal, são necessárias políticas públicas bem desenhadas, como definição de parâmetros de qualidade, aumento de fiscalização para evitar concorrência desleal do mercado ilegal, entre outros. Com esse caminho estruturado, a iniciativa privada terá segurança para continuar e expandir investimentos em fontes renováveis de energia, uma área essencial para o desenvolvimento do país.
No momento em que o mundo clama por sustentabilidade, preocupado com a viabilidade do nosso futuro, o Brasil tem em suas mãos a chance de se tornar referência mundial na questão energética. Além disso, na atual conjuntura nacional, com uma crise fiscal profunda, podemos incentivar investimentos que irão gerar emprego e renda para milhares de brasileiros. Façamos, pois, desta oportunidade uma realidade de promoção de prosperidade sustentável, hoje a amanhã (Poder 360, 5/11/19)