Bolsonaro e a imagem do País – Editorial O Estado de S.Paulo
Atitudes do presidente põem em risco o agronegócio brasileiro no mercado externo.
Um dos mais eficientes do mundo e dos menos prejudiciais ao meio ambiente, o agronegócio brasileiro tem sido posto em risco no mercado externo pela verborragia do presidente Jair Bolsonaro, pela inconveniência de seus atos e palavras e, acima de tudo, por sua dificuldade em perceber fatos econômicos e interesses do Brasil. As preocupações do setor foram levadas ao Palácio do Planalto pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, segundo informou o Estado na quarta-feira. Como resposta, o governo poderá desenvolver uma campanha, no exterior, para reverter os danos à imagem do País e eliminar o risco nada desprezível de problemas comerciais.
O recém-concluído acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia depende ainda, para entrar em vigor, de aprovação pelo Parlamento Europeu e pelos Estados envolvidos. Até o fim do processo, notícias negativas a respeito do Brasil, mesmo incorretas, favorecerão interesses protecionistas do agronegócio, muito fortes na maior parte da Europa.
Qualquer pregador do protecionismo pode recorrer a publicações de respeito, como a britânica The Economist, com reportagens e comentários motivados pelas desastradas e desastrosas intervenções do presidente brasileiro e de seu ministro do Meio Ambiente.
O governo federal está prejudicando a imagem do agronegócio, “construída lentamente”, disse, no começo da semana, o presidente do Instituto CNA, ligado à Confederação Nacional da Agricultura, Roberto Brant. “Falar em garimpar em território indígena serve a quem? O governo deveria estar falando em métodos e processos para vigiar a Amazônia para valer”, afirmou. O diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, chamou a atenção para a importância do combate ao desmatamento ilegal. “A gente está vivendo uma sequência de fatos que, de alguma maneira, está repercutindo lá fora”, disse o dirigente, também citado neste jornal.
Mas uma campanha produzida pelo governo dificilmente produzirá resultados significativos no exterior, se o presidente da República e seus ministros continuarem agindo e falando como até agora. Nos últimos 40 anos, o aumento da produção agrícola brasileira foi muito maior que a expansão da área cultivada. É um fato bem documentado e bem conhecido por especialistas dentro e fora do País. É um atestado de preservação de áreas naturais, mas pouco valerá, internacionalmente, se o governo continuar lesando a imagem do País.
As críticas ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a demissão de seu presidente, o físico Ricardo Galvão, repercutiram amplamente no exterior. O afastamento de Galvão é “altamente alarmante”, porque “reflete como o atual governo brasileiro encara a ciência”, disse o professor Douglas Morton, diretor do Laboratório de Ciências Biosféricas da Nasa, a agência espacial americana. “O Inpe sempre atuou de forma extremamente técnica e cuidadosa”, disse Morton numa entrevista à BBC News Brasil.
As advertências levadas ao presidente parecem ter produzido pouquíssimo efeito, até agora, além da ideia de uma campanha informativa no exterior. Confirmando sua despreocupação quanto à imagem do País no mercado internacional, o presidente Jair Bolsonaro tentou fazer graça a respeito do assunto e proclamou, num encontro com empresários em São Paulo: “Sou o Capitão Motosserra”.
Ninguém no mundo, disse o presidente, tem moral para dizer como tratar as florestas brasileiras. De fato, a devastação no Brasil pode ser muito menor do que se diz em outros países. Mas as palavras e atitudes do chefe do governo e dos ministros do Meio Ambiente e de Ciência e Tecnologia (responsável pela demissão do diretor do Inpe) têm tudo para criar as piores impressões. Além de prejudiciais ao País, essas atitudes denotam impressionante ingenuidade: se o presidente pretende censurar os dados do Inpe, terá muito trabalho e perderá tempo. Não impedirá o acesso de estrangeiros a imagens da Amazônia. Ninguém lhe contou isso? (O Estado de S.Paulo, 11/8/19)