Bolsonaro revoga decreto que impedia expansão da cana para Amazônia
Legenda: Museu Emílio Goeldi afirma que plantio de cana tem alta demanda de água, o que pode ser problemático em áreas já degradadas da Amazônia
Lei de 2009 estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e protegia a Amazônia e o Pantanal; expansão pela área da floresta tinha sido rejeitada pela indústria da cana pelo potencial risco as exportações.
governo Bolsonaro revogou nesta quarta-feira, 6, o decreto que estabelecia o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar e impedia a expansão do cultivo por áreas sensíveis do País, como Amazônia e Pantanal. O decreto 6.961, de 2009, foi um dos principais fatores que tornou o etanol brasileiro em um diferencial para as exportações, justamente por proteger os biomas de desmatamento. O zoneamento da cana foi formalmente defendido até mesmo pela Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) no ano passado.
Em março de 2018, quando chegou a ser colocado em discussão no Congresso um projeto de lei do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) para liberar o plantio na Amazônia, a Unica se manifestou contra a proposta por considerar que ela traz riscos aos biocombustíveis e ao açúcar brasileiros no mercado internacional. O projeto acabou engavetado, mas a ideia voltou a ser aventada no governo atual. O Fórum Sucroenergético também se manifestou nesse sentido no ano passado.
Nesta quarta, o novo presidente da Unica, Evandro Gussi, publicou um artigo aliviando um pouco o tom. Ele aponta que o zoneamento teve um papel no passado de proteger a bioma, mas que hoje, com o Renovabio -- programa de incentivo aos biocombustíveis --, essa proteção estaria garantida uma vez que ele estabelece política de desmatamento zero. Segundo ele, houve um "amplo consenso entre setor produtivo e governo" de que o Renovabio "seria política de desmatamento zero 'na veia', como diriam os mais jovens".
E continua: "Para ingresso no programa, a grande aposta do setor, nem mesmo o desmatamento permitido em lei será aceito. Desmatou, está fora do Renovabio, pois o etanol, e todos os nossos produtos, devem ser sustentáveis do início ao fim".
"Esse foi o espírito da revogação do chamado Zoneamento Agroecológico da Cana-de-Açúcar. Esse instrumento que teve seu papel no passado, ficou justamente lá, um passo atrás, servindo apenas como mais um dos tantos arcabouços burocráticos brasileiros diante da modernidade do Código Florestal e do comprometimento absoluto do setor em avançar ainda mais naquilo que fazermos de melhor: contribuir, mesmo quando o sol se põe, para que o Brasil seja o líder global da mobilidade sustentável", escreveu.
A revogação publicada nesta quarta foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. A medida contraria um parecer feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, que encaminharam um estudo ao Ministério da Agricultura (Mapa) mostrando que há no Brasil área suficiente para a expansão da cana sem precisar avançar sobre os dois biomas.
“O etanol é o único biocombustível de primeira geração aceito pela União Europeia, Japão e outros países como medida de redução das emissões de efeito estufa”, comenta o pesquisador Raoni Rajão, que liderou a análise enviada ao Mapa. “O etanol de milho, por ter um balanço energético menos vantajoso, ou seja, emite gases de efeito estufa em proporção maior do que remove durante o crescimento, é excluído. Isso significa que o Brasil tem uma vantagem competitiva importante perante a seus concorrentes, contato que possa garantir que a cana-de-açúcar não gere desmatamento”, diz.
“A manutenção desse zoneamento é condição necessária para que a União Europeia mantenha a cota de importações de 850 milhões de litros do Mercosul”, continua o pesquisador. Ele fez um outro estudo, encomendado pela Comissão Europeia, que apontou que a cana só é de baixo impacto justamente por causa do zoneamento mais restritivo.
Na análise para o Mapa, ele demonstrou também que o bioma amazônico é pouco favorável ao plantio de cana. O Brasil possui cerca de 10 milhões de hectares de área plantada com cana-de-açúcar — 5 milhões estão na Mata Atlântica, 4,8 milhões no Cerrado (em ambos os casos, principalmente em São Paulo e Minas Gerais). A Amazônia abriga apenas 144 mil hectares, cerca de 1,5% do total da área plantada no Brasil, com as plantações concentradas no sul do Mato Grosso.
“Tendo em vista a pouca representatividade das lavouras de cana-de-açúcar no bioma Amazônia, da baixa favorabilidade, da disponibilidade de áreas para expansão dessa cultura em outros biomas e do grande risco econômico da mudança do zoneamento é fortemente recomendado que seja mantido o atual zoneamento estabelecido pelo Decreto 6.971/2009”, concluiu a análise.
Em março do ano passado, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, grupo que reúne o setor produtivo e organizações ambientalistas, também havia divulgado um documento criticando a ideia de expansão pela Amazônia que, para a entidade, “contraria os esforços feitos pelo governo federal, setor produtivo e sociedade rumo à produção sustentável de cana-de-açúcar no país”. Para o grupo, a mudança poderia causar uma pressão por mais desmatamento e afetar a imagem da cana para o mercado externo.
Na época, o Museu Paraense Emílio Goeldi também divulgou uma nota técnica reforçando que a permissão pode aumentar a pressão sobre o desmatamento e ainda afetar a oferta de água.
Nesta terça-feira, 5, um estudo publicado com estimativas sobre as emissões de gases de efeito estufa no Brasil, mostrou que o País teve uma queda de 5% nas emissões do setor de energia no ano passado em boa parte causado porque houve um aumento do consumo de etanol em detrimento de gasolina. Essa queda evitou que o País fechasse o ano com alta nas emissões.
O etanol é considerado um combustível mais verde porque as emissões causadas pela queima do combustível nos carros acabam sendo compensadas com o crescimento da cana, que absorve CO2 da atmosfera. Mas se esse etanol for obtido a partir de plantio em área onde antes era floresta, essa vantagem deixa de existir.
O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, que comandava a pasta na época da publicação do zoneamento, criticou a decisão de Bolsonaro em sua conta no twitter. "Horror! Bolsonero revogou hj decreto do Zoneamento Ecológico Econômico da cana de açúcar, que editamos em 2009 para impedir sua expansão no Pantanal, na Amazônia e em áreas de produção de alimentos. Mancha o etanol brasileiro no mercado mundial. Ecocida!", escreveu.
"Além de abrir a porteira do Pantanal, da Amazônia e das áreas de produção de alimentos à monocultura e aos agrotóxicos, quebra a Biodiversidade e os empregos, pelo boicote que o Etanol enfrentará na Europa", continuou (Estadão.com, 6/11/19)