Brasil amplia para R$ 7,2 bi recursos para estimular importação de arroz
Governo federal publicou medidas provisórias que ampliam os recursos destinados a viabilizar importações de até 1 milhão de toneladas de arroz. Foto Pilar Olivares Reuters
Governo federal amplia recursos destinados a viabilizar importações de até 1 milhão de toneladas de arroz.
O governo brasileiro publicou medidas provisórias que ampliam os recursos destinados a viabilizar importações de até 1 milhão de toneladas de arroz, com vistas a ofertar o produto a preços subsidiados ao varejo nacional.
Elas incluem hipermercados e atacarejos, para limitar uma alta nos preços do produto básico em meio a enchentes no Rio Grande do Sul.
Inicialmente, o governo havia separado cerca de R$ 416 milhões para uma primeira operação de compra de 104,03 mil toneladas de arroz importado, na tentativa de evitar uma escalada de preços do produto.
A aquisição das mais de 100 mil toneladas seria realizada na semana passada por meio de um leilão pela Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), mas o certame foi suspenso, enquanto o governo buscava aperfeiçoar o programa.
Com a definição do valor adicional de cerca de R$ 6,7 bilhões, conforme medida provisória publicada em edição extra do Diário Oficial da União na noite da última sexta-feira (24), a expectativa é de que a Companhia divulgue em breve as regras do edital do novo leilão, cujo volume inicial ainda não foi definido.
A ideia é de que a Conab compre o arroz importado por terceiros, e que estes comprovem que a importação tenha sido feita após definição do leilão, para que o governo tenha garantia do ingresso de oferta nova ao país.
O preço do arroz em casca posto na indústria do Rio Grande do Sul, maior produtor brasileiro do cereal, subiu quase 13% no acumulado do mês até a última sexta-feira, para R$ 120,95 a saca de 50 kg, segundo indicador levantado pelo centro de estudos Cepea.
Com os estoques formados a partir das aquisições, a Conab venderá o arroz diretamente para "supermercados, hipermercados, atacarejos e outros estabelecimentos comerciais, incluindo equipamentos públicos de abastecimento, que disponham de ampla rede de pontos de venda nas regiões metropolitanas", segundo a MP.
Anteriormente, a Conab havia afirmado que o arroz viabilizado pelas operações do governo deveria chegar ao consumidor brasileiro por no máximo R$ 4,00 o quilo.
No final de semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reiterou a intenção do governo de estimular a importação de arroz para manter a oferta interna, afetada pela chuvas no Sul, e segurar os preços.
Ele citou que o preço do arroz no supermercado está "muito caro".
Para facilitar a importação, no último dia 20 o comitê gestor da Camex (Câmara de Comércio Exterior) aprovou redução a zero do imposto de importação de três tipos de arroz. Dois tipos de arroz não parbolizado e um tipo polido foram incluídos na lista de exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul.
DESNECESSÁRIO?
Para representantes do setor produtivo, a importação de arroz é desnecessária, considerando que o Rio Grande do Sul já havia colhido mais de 80% da safra quando as enchentes devastaram o Estado.
Por mais que alguns silos e lavouras tenham sido afetados pelas inundações, o estado vinha colhendo uma safra com produtividade boa, argumentam os representantes dos produtores.
O consultor privado Carlos Cogo, cuja consultoria tem sede no Rio Grande do Sul, reafirmou nesta segunda-feira (27) que RS tem condições de atender a demanda brasileira, apesar de algumas quebras registradas pelas enchentes.
"É muito dinheiro por uma operação completamente desnecessária", afirmou ele sobre a MP publicada pelo governo.
A definição do valor, contudo, não quer dizer que todo o montante será gasto. A Conab costuma fazer as operações dentro da necessidade do mercado.
Cogo acrescentou que, ao final, os supermercados estarão vendendo arroz a preços subsidiados e a preços inferiores aos custos de mercado. Isso pode desestimular produtores de arroz na próxima temporada, avaliou.
De acordo com previsão de maio da Conab, o Brasil deverá produzir 10,5 milhões de toneladas de arroz, alta de 4,6% ante a temporada passada, com a safra do Rio Grande do Sul crescendo 4,9%, para 7,2 milhões de toneladas.
A Conab revisou para baixo em apenas 200 mil toneladas os números da safra de arroz do Rio Grande do Sul, frisando em relatório no último dia 14 que os prejuízos pelas enchentes ainda estavam sendo mensurados.
O consumo interno é estimado pela Conab em 11 milhões de toneladas, com as importações e estoques mais do que suficientes para compensar a diferença em relação à safra, segundo os números da estatal.
A Conab havia estimado estoques iniciais de 1,8 milhão de toneladas na atual temporada, enquanto a estimativa de importação, após as enchentes, acabou sendo revisada para 2,2 milhões de toneladas. Já a previsão de exportação de arroz do país caiu para 1,2 milhão de toneladas, 300 mil abaixo da previsão de abril (Folha, 28/5/24)
Compra brasileira de arroz inflaciona preço mundial, diz analista
Lavoura de arroz do MST afetada pela chuva no Rio Grande do Sul - Divulgação MST-RS
Importações inibem avanço do plantio e reduzem oferta do cereal em 2025.
Um mês após o início das fortes enchentes no Rio Grande do Sul, a avaliação do mercado é que o governo exagerou nas medidas anunciadas com relação ao arroz.
O anúncio de compra externa de até 1 milhão de toneladas do cereal acabou inflacionando tanto os preços internos quanto os externos. Até as instituições mundiais que compram arroz para distribuição humanitária viram uma aceleração de preços, o que diminui a capacidade de compra delas.
Lavoura de arroz do MST em Viamão, no Rio Grande do Sul - Divulgação MST-RS
Vlamir Brandalizze, analista do setor de cereais, diz que o volume de 1 milhão de toneladas representa 2% de todo o comércio mundial anual. Isso representa muito para o mercado externo, uma vez que a produção mundial está estagnada e a população cresce ano a ano.
Se o anúncio tivesse sido de 100 mil toneladas, como deverá acontecer nesta primeira compra escalonada, os reflexos nos preços mundiais seriam pequenos, segundo o analista.
O consumidor brasileiro paga um dos menores preços pelo cereal no mundo e as importações vão exigir muito subsídio do governo. Além dos custos dessa importação, as compras externas podem afetar a oferta do produto nacional no próximo ano. O produtor dos estados centrais está animado e há uma previsão de aumento de área semeada nessas regiões.
O produtor do Rio Grande do Sul também elevará a área dedicada ao cereal, prevê o analista, que não acredita em desabastecimento no país.
Após a corrida aos supermercados neste mês, os consumidores vão comprar menos em junho e em julho, mês em que tradicionalmente há uma queda nas compras devido às férias. Com isso, os preços devem acomodar.
A concorrência do produto externo pode desestimular o produtor brasileiro, que, diante da ameaça do arroz importado, reduziria a área de plantio, afetando a oferta do cereal em 2025.
As vendas recordes de maio provocaram uma corrida das indústrias em busca de arroz para processar e atender ao varejo. Os preços subiram e vão para a inflação.
É o que aponta a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) nesta segunda-feira (27). Os preços do arroz, que estavam com queda de 2,24% na primeira quadrissemana deste mês, recuaram apenas 0,3% na terceira.
Mesmo quando sobem rapidamente nos supermercados, os preços demoram a ser incorporados no índice de inflação. A Fipe compara os preços médios das últimas quatro semanas com a média das quatro imediatamente anteriores. Quando entra uma semana nova, sai a mais antiga da lista.
Este é o segundo pico dos preços do arroz nos últimos meses. Na entressafra do final do ano passado, a saca de arroz em casca atingiu R$ 127, em média, em dezembro. Recuou para R$ 100 em março e subiu para R$ 113 neste mês. Neste final de maio, já está em R$ 122, com alta de 13% em relação ao final de abril.
No Paraguai, a tonelada do cereal subiu para US$ 820, com alta de 26% no mês; na Tailândia, foi a US$ 664 (mais 8%), e, no Vietnã, a US$ 592 (mais 2%). O produto americano, de melhor qualidade, chega a US$ 900 por tonelada.
O arroz de padrão médio está sendo negociado a R$ 6,50 por quilo no varejo brasileiro. Com base nos preços externos, o governo gastaria um valor próximo a R$ 9 por quilo nas importações. O subsídio será grande, uma vez que ele terá de repassar o cereal por um valor menor para o varejo.
É uma hora ruim para importações, segundo Brandalizze. Além de o arroz estar caro, a oferta de trigo também é mais restrita devido a problemas nas safras da Rússia, da Ucrânia, do Leste Europeu e dos Estados Unidos. Os dois cereais são complementares.
O país não terá desabastecimento de arroz. A safra gaúcha, prevista inicialmente em 7,5 milhões de toneladas, fica em 7 milhões. É o mesmo volume de 2023, afirma Brandalizze.
Outro fator de oferta interna é a queda no volume a ser exportado neste ano. Recorde em 2023, ao ficar próxima de 2 milhões de toneladas, a venda externa deste ano será de 1 milhão, afirma o analista (Folha, 28/5/24)