02/09/2020

Brasil estuda criar uma cota para o etanol importado

Brasil estuda criar uma cota para o etanol importado

Depois de não renovar a cota de importação de 750 milhões de litros de etanol de fora do Mercosul com tarifa zero, o governo brasileiro estuda criar uma cota proporcional válida por até três meses para a entrada do biocombustível sem taxa no país. O movimento foi costurado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, a contragosto da maior parte dos seus pares de Esplanada, para atender à pressão dos Estados Unidos, principal beneficiário da medida.

Uma reunião extraordinária do Comitê Executivo (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) poderá ocorrer ainda nesta terça-feira para avaliar o assunto. A realização do encontro depende de consenso prévio entre os integrantes sobre o benefício temporário, mas a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, resiste. Na semana passada, o tema foi retirado da pauta do colegiado a pedido do setor produtivo nacional.

A proposta em análise quer estabelecer uma cota proporcional aos 750 milhões de litros anuais, sem a incidência de tarifa de importação, mas por um período mais curto, de 30 a 90 dias. A ideia é fazer um aceno concreto aos EUA de que o Brasil deseja negociar a continuidade do acesso preferencial ao etanol de milho americano, mas mediante concessões comerciais da Casa Branca.

Segundo fontes que passaram a segunda-feira em tratativas no governo, o chanceler Ernesto Araújo tem pressionado o restante do governo por essa solução provisória. De acordo com os relatos, o ministro garantiu, nas conversas, que seria um prazo suficiente para arrancar uma contrapartida dos EUA, como melhores condições de acesso para o açúcar brasileiro naquele país e a reversão da medida recém-aplicada contra o aço semiacabado.

No fim de semana, o governo americano anunciou a redução da cota de importação com tarifa zero de aço brasileiro, interpretada por Brasília como uma retaliação imediata ao fim da cota do etanol. No sábado, os ministérios da Economia e das Relações Exteriores divulgaram nota conjunta em que afirmaram acreditar na retomada do diálogo franco e construtivo e na “excepcional qualidade das relações bilaterais”.

Com ou sem cota, a decisão terá pouco efeito no mercado, já que o volume de etanol importado pelo Brasil caiu em relação ao ano passado. Mas tem grande potencial para gerar tensão política entre os aliados Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Para o americano, a manutenção da preferência - ou uma abertura maior - é importante politicamente, já que o etanol dos EUA, à base de milho, é feito com os grãos do “Corn Belt”, região americana onde o Partido Republicano costuma ganhar as eleições. Em uma disputa presidencial tão apertada como a atual, Trump não quer desagradar aos fazendeiros de Estados como Iowa e Indiana. Se aprovada, a cota por 90 dias pode beneficiar sua posição, já que o pleito é em novembro.

Um negociador brasileiro indica a necessidade de Brasília conversar com Washington sobre um aumento da mistura de etanol na gasolina vendida nos EUA. “Sobre outros produtos, a pauta existe, mas não vamos colocar sobre a mesa enquanto não houver sinalização clara do que pretendem negociar e qual o mandato [para fazer concessões]”, disse.

Mais de 90% do etanol importado pelo Brasil vem dos EUA. Em 2019, foram 1,3 bilhão de litros, ainda um volume pequeno perto da produção e do consumo nacionais. O país produziu 35,5 bilhões de litros no ano passado, mas o volume cairá neste ano por causa da pandemia. No período de vigência da cota, do fim de agosto de 2019 a julho deste ano, foram importados 1,06 bilhão de litros de etanol americano.

A preocupação está na redução do consumo no Brasil e em possíveis prejuízos adicionais à cadeia, afetada fortemente pela pandemia - além de um desestímulo à indústria de etanol de milho, ainda em estruturação.

A cota de 750 milhões litros isentos de tarifa expiraram no domingo. As compras do combustível de fora do Mercosul passaram a ser taxadas em 20% desde ontem. A cota estava em vigor desde 2017 e o governo americano tem cobrado a abertura do mercado (Valor Econômico, 1/9/20)