Brasil importa soja dos EUA para repor exportação para China
Legenda: Apenas em outubro, o Brasil importou 71 mil toneladas, contra 1,3 mil no mesmo período do ano anterior - Marcelo Justo - 28.mar.2012/Folhapress
Compras no exterior são feitas por preços superiores às vendas do primeiro semestre.
Maior produtor mundial de soja, o Brasil terá que contar com importações dos Estados Unidos para enfrentar a entressafra após exportações em massa para a China no primeiro semestre.
A necessidade de importações reflete a queda nos estoques internos provocada pelo grande volume de exportações e pelo aumento da demanda doméstica. Ocorre em um momento de preços elevados do grão, que está mais caro do que nos meses em que o país vendeu sua produção ao exterior.
A estimativa da Abiove (Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais) é que o volume importado pelo Brasil chegue a cerca de um milhão de toneladas em 2020, sete vezes superior ao verificado no ano anterior. As exportações devem ficar na casa de 82 milhões de toneladas, alta de 10%.
Apenas em outubro, o Brasil importou 71 mil toneladas, contra 1,3 mil no mesmo período do ano anterior. Nos primeiros dez meses de 2020, já foram 600 mil toneladas, 379% a mais que em 2019, destacou a coluna Vaivém das Commodities, publicada pela Folha, que já alertava para o aumento das importações.
Até setembro, as exportações vieram principalmente do Paraguai, que já é um tradicional fornecedor do Brasil, que compra soja do país vizinho também para reexportação. Mas nas últimas semanas, o departamento de agricultura dos Estados Unidos começou a registrar embarques para o Brasil.
Segundo a agência Reuters, o volume de soja americana importada deve atingir este ano o maior patamar desde 1997. A busca por suprimento nos Estados Unidos indica um desequilíbrio no mercado, apesar da safra recorde. Pelas estimativas da Abiove, o Brasil fechará o ano com estoques de cerca de 320 mil toneladas, um décimo do verificado no ano anterior.
"A gente exportou tanta soja que faltou soja no mercado interno", afirma José Carlos Vannini Hausknecht, da consultoria MB Agro. Entre janeiro e julho, quando a maior parte da safra é comercializada, o Brasil exportou 69,7 milhões de toneladas, 36,4% a mais do o volume registrado no mesmo período do ano anterior.
Principal cliente, a China comprou 50,5 milhões de toneladas no período, 32,2% a mais do que em 2019. Hausknecht diz que o apetite do país resulta de um temor de que a pandemia provocasse rupturas na cadeia de comércio de alimentos, o que a levou a buscar estoques tanto para consumo humano quanto para a criação animal.
Com a retração das exportações argentinas em meio à crise econômica local e a safra americana só disponível no segundo semestre, o Brasil acabou se tornando o único grande fornecedor global naquele período.
O presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), José Augusto de Castro, acrescenta que houve também aumento do consumo interno após o início da pandemia, com o brasileiro comendo mais em casa. "Além disso, teve o auxílio emergencial e as pessoas ficaram com mais dinheiro."
As compras são feitas com cotações bem superiores às do período da comercialização da safra. Em outubro, a cotação do grão ultrapassou os US$ 1 mil (cerca de R$ 5,5 mil pela cotação atual) por bushel (unidade de medida equivalente a 27,2 quilos). No primeiro semestre, oscilava em torno dos US$ 850 (R$ 4,7 mil).
Os elevados preços e a falta de óleo de soja no mercado levaram o governo a zerar as tarifas de importação da soja, em uma tentativa de reequilibrar a oferta no país. O cenário também tem impacto no mercado de combustíveis, com a escalada do preço do biodiesel que é misturado ao diesel de petróleo vendido nos postos.
Para Hausknecht, a situação tende a se estabilizar com a colheita da próxima safra, no primeiro semestre de 2021. A safra americana, diz, está vindo melhor do que a anterior, o que deve ajudar a estabilizar o mercado global. "Acho que ano que vem vai ser mais normal, porque os Estados Unidos vão vender bastante soja e o mercado deve ficar mais tranquilo", diz.
O economista-chefe da Abiove, André Furlan Amaral, concorda: a entidade espera que próxima safra seja recorde e as importações caiam á metade. Ele avalia que, apesar da necessidade importações, o cenário de 2020 tem sido muito positivo para o setor, com safra recorde e boa demanda internacional.
"O Brasil conseguiu aproveitar as melhores oportunidades tanto no mercado interno quando no mercado externo e agora, de maneira bastante madura, faz uso do fluxo de importações para complementar aquilo que for necessário", afirma. "A importação é maior que nos anos anteriores, mas é pequena se comparada ao tamanho do complexo soja no Brasil."
Em nota, o Ministério da Agricultura reconheceu que importações dos Estados Unidos não são comuns, mas afirma quer "importar e exportar constituem operações triviais e dependem apenas dos sinais dos preços".
"A forte demanda internacional em 2020 foi atraente para as exportações antecipadas no Brasil. Aliás, se recomenda como proteção de ganho do produtor a venda antecipada do produto", diz, acrescentando que a safra que está sendo plantada já está praticamente vendida, aproveitando as altas cotações internacionais (Folha de S.Paulo, 6/11/20)