06/08/2018

Brasil na guerra comercial EUA-China – Por Marcos Sawaya Jank

Os presidentes Donald Trump (EUA) e Xi Jinping (China) durante encontro em 2017, em Beijing

Está oficialmente aberta a primeira guerra hegemônica do século 21.

A disputa EUA-China se agravou no mês de julho. Cada país decidiu impor sobre o outro tarifas adicionais sobre volumes de comércio da ordem de US$ 34 bilhões, acompanhadas de contenciosos na OMC e ameaças em outras áreas, como investimentos, alta tecnologia e propriedade intelectual.

Está oficialmente aberta a primeira guerra hegemônica do século 21. Resta saber em que mundo viveremos daqui para a frente e como o Brasil se sairá nessa confusão.

Sabemos que uma guerra comercial generalizada não terá vencedores. O problema não está no aumento das tarifas entre EUA e China, mas na ruptura potencial de várias cadeias de suprimento pelo mundo, que resultaria na quebra de confiança no processo de globalização que vem desde o pós-guerra.

O FMI já estima uma queda de 0,5 ponto percentual no PIB mundial em razão da guerra comercial. Bancos falam em até dois pontos, se a guerra se estender a outros países.

No Brasil o único ganho até aqui apontado, erroneamente, na minha opinião, seria o aumento das exportações de soja em grãos, produto que responde por incríveis 43% das nossas exportações totais para a China (US$ 21 bilhões em 2017).

Se a China se fechar para os EUA, certamente ganharemos mercado naquele país, mas perderemos espaço em outros destinos. É por isso que Trump colocou a soja no centro das conversas sobre os seus impasses com a União Europeia.

Nossa pauta com a China ficaria ainda mais "primarizada" e dependente de apenas três produtos: soja, minério de ferro e petróleo.

Muito antes dessa guerra, a China já impunha ao Brasil elevadas barreiras para a diversificação da nossa pauta no agro. Não conseguimos vender farelo e óleo, que são os principais derivados da soja em grãos.

Enfrentamos barreiras sanitárias e burocráticas para exportar carnes de aves, suínos e bovinos —apenas 62 unidades industriais, num universo de 4.800 unidades, estão habilitadas a exportar para a China. Somem-se a isso restrições inadmissíveis para exportar genética animal, lácteos, milho, arroz, frutas, açúcar e etanol.

Pior, se o prêmio pago pela soja brasileira subir ainda mais em relação ao preço da Bolsa de Chicago, o Brasil ganhará mercado nos grãos, mas perderá competitividade nos derivados (farelo e óleo) e na exportação de carnes de aves e suínos.

Não há nada de errado em ser fornecedor de matéria-prima para ração animal, mas não podemos aceitar que a estrutura tarifária dos países seja discriminatória contra a diversificação e a adição de valor das nossas exportações.

Em carnes e açúcar, já ficamos para trás dos nossos concorrentes —EUA, UE, Austrália, Canadá e Tailândia—, que negociaram dezenas de acordos que lhes garantem acesso privilegiado com tarifas mais baixas. Seria um erro deixar que a guerra comercial EUA-China gere ainda mais discriminação.

Para complicar, a China impôs contra o Brasil uma salvaguarda sobre o açúcar e direitos antidumping sobre a carne de frango do Brasil que já dificultam bastante as nossas exportações. Por isso, a Camex agiu corretamente ao autorizar consultas à China na OMC em relação às medidas de defesa comercial impostas sobre frangos e açúcar. Os dois casos são fracos e não se sustentam sob as regras da OMC.

Além disso, Michel Temer fez bem em colocar esses dois temas na reunião que teve com Xi Jinping durante o encontro do Brics na África do Sul.

Nosso peso específico é pequeno diante do confronto aberto dos grandes. Mas em setores como o agronegócio tornamo-nos grandes e temos agora de lutar duramente para não perder o espaço conquistado (Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP; Folha de S.Paulo, 5/8/18)