Brasil perde com disputa comercial de EUA e China
Preço das commodities devem cair; associação revisa projeção do superávit.
O Brasil perderá com a guerra comercial entre EUA e China. Para analistas, a disputa deve deprimir os preços das commodities, das quais o país é dependente.
Embora as exportações de soja e carne suína brasileiras possam ter ganhos, já que Pequim passa a taxar em 25% esses produtos americanos, o resultado global será negativos.
Segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a escalada protecionista vai ter um impacto sobre o crescimento mundial o que, por sua vez, reduzirá a demanda por commodities.
Para o Brasil, que depende majoritariamente da exportação de commodities e produtos básicos, o cenário que se forma é má notícia.
Castro previa para 2018 exportações de US$ 219 bilhões e importações de US$ 168 bilhões, gerando superávit de US$ 50,4 bilhões, mas vai revisar os números para baixo.
Exportações foram prejudicadas pela greve dos caminhoneiros e barreiras como as medidas antidumping impostas pela China ao frango, e as importações serão mais baixas do que estimava porque o crescimento do PIB brasileiro desacelerou.
A isso tudo, Castro acrescenta a tendência de queda do preços das commodities, exacerbada pelas medidas protecionistas.
Já refletindo a cautela dos investidores, a soja fechou em baixa de 2,35% na sexta-feira (15), menor xis dos últimos dois anos. O petróleo teve queda de 3,83% e o minério de ferro, de 0,11%.
Castro não acredita que o Brasil consiga ganhar mercado dos chineses nos EUA, onde vários produtos manufaturados na China passarão a ter a taifa de 25%. "Nem com essa tarifa nós nos tornamos competitivos", diz.
"Ainda mais com a alta dos custos aqui, por causa do aumento do frete, da reoneração da folha, e da redução drástica do Reintegra."
Por outro lado, destaca, o dólar em alta no Brasil deve agir como uma espécie de barreira para evitar boa parte do desvio de comércio, impedindo uma enxurrada de produtos chineses.
Em 2017, o Brasil registrou exportações de US$ 217 bilhões, importações de US$ 150 bilhões, e um saldo de US$ 66 bilhões.
Entre as retaliações anunciadas pela China está a tarifa de 25% sobre a soja americana. Os EUA exportam US$ 14 bilhões em soja por ano para os chineses. Para André Nassar, presidente-executivo da Abiove, que reúne empresas do setor, ninguém conseguiria preencher a lacuna da soja americana na China. Mas a tarifa pode gerar um prêmio sobre o preço da soja brasileira.
Os EUA exportaram 33 milhões de toneladas de soja em grão em 2017 para a China. Segundo Nassar, o Brasil conseguiria, no máximo, aumentar a produção em 5 milhões de toneladas em um ano. E mesmo assim, só no ano que vem, porque a maioria da soja brasileira de 2018 já foi escoada. Mais de 70% da soja brasileira é escoada até junho, enquanto os EUA vendem a partir de setembro.
Além disso, segundo Nassar, existe um desincentivo para aumentar a área plantada, por causa da alta no custo do frete
Brasil exportou US$ 29 bilhões em soja para a China no ano passado, segundo a Abiove —o país fornece 46% da soja em grão comprada pela China, e os EUA, cerca de 41%. A Argentina responde por 10%.
"Vai ocorrer um ajuste: preços internos da soja nos EUA vão ter que cair, preços vão subir um pouco na China e haverá um prêmio para a soja brasileira", diz Nassar.
Mas com a perda de boa parte do mercado chinês, os EUA vão ocupar parte dos mercados da soja brasileira, como a UE. Mesmo assim, trata-se de uma demanda muito menor? A China compra 53,8 milhões de toneladas de soja brasileira, e a UE, 5,2 milhões.
Todas essas projeções, porém, ainda são incertas, porque o tiroteio pode aumentar nos próximos dias. O presidente americano afirmou que iria impor "tarifas adicionais" em caso de retaliação.
A decisão de Trump não foi recebida com unanimidade. Entre os "cérebros do Vale do Silício", por exemplo, há opositores. Existe a preocupação de que as retaliações acabem por aumentar os preços para os consumidores no mercado interno, o que não se dissipou com o anúncio das exclusões pelo governo dos EUA.
"Ele está tirando dinheiro do bolso de americanos", disse, em nota, o presidente do ITI Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITI, na sigla em inglês), Dean Garfield, que representa empresas como a Apple, Google, Dell e HP. Segundo ele, mesmo tarifas sobre itens como sensores e componentes de impressoras já eleva os custos.
Mas especialistas apontam que há mais apoio a essas sobretaxas do que às impostas contra o aço e o alumínio. "Empresas americanas têm encorajado o presidente, esperando que essa estratégia convença Pequim a enfrentar problemas com propriedade intelectual dos chineses", afirmou, em artigo recente, o pesquisador Edward Alden, do Council on Foreign Relations.
GUERRA DE GIGANTES
Os EUA (Estados Unidos) acusam a China de roubo de propriedade intelectual, por meio de acordos com empresas de tecnologia americanas que exigem a transferência de conhecimento para estatais do país.
"Nós temos os melhores cérebros no Vale do Silício. São as joias da coroa para esse país. E nós vamos protegê-los", afirmou, durante entrevista à emissora Fox News.
Por isso, o governo estabeleceu sobretaxas de 25% a 818 produtos chineses como telas do tipo touchscreen, baterias, aeronaves, navios, motores de carros, radares, equipamentos de diagnóstico médico e máquinas agrícolas, entre outros.
A lista deixou de fora, porém, produtos comprados diretamente por consumidores americanos, como celulares, TVs e medicamentos --além de armas, que estavam no primeiro rol de punições, anunciado em abril.
As sobretaxas começam a valer no dia 6 de julho.
Em troca, Pequim anunciou, horas depois, tarifas retaliatórias de 25% a outros 659 produtos americanos, acusando os EUA de adotarem um "comportamento míope".
"A China não quer uma guerra comercial, mas não temos outra opção a não ser nos opormos fortemente a isso", informou o ministério do Comércio chinês (Folha de S.Paulo, 16/6/18)
Trump ameaça a ordem comercial global
China's President Xi Jinping holds a welcome ceremony for U.S. President Donald Trump at the Great Hall of the People in Beijing, China November 9, 2017
Com imposição unilateral de tarifas sobre importações e mais medidas protecionistas, presidente americano põe globalização em risco.
O impacto das medidas protecionistas adotadas pelo presidente Donald Trump vão além de guerras tarifárias com aliados e adversários e representam o desmonte da ordem comercial global baseada em regras que deu impulso à globalização, ao estabelecer procedimentos claros para a solução de disputas entre países e empresas.
O abandono desse sistema deve levar à redução de investimentos em setores exportadores, menor internacionalização de companhias e redução no ritmo de crescimento global, avaliam especialistas em comércio. Em seu lugar, deve surgir um ambiente fragmentado e imprevisível, no qual o capital se sentirá menos seguro para cruzar fronteiras.
O ataque à arquitetura erguida em torno da Organização Mundial do Comércio (OMC) faz parte da ofensiva mais ampla de Trump contra a ordem mundial liberal criada sob a liderança dos EUA depois da 2.ª Guerra, que teve momentos decisivos nos últimos oito dias.
No sábado retrasado, o presidente americano chocou aliados ao se recusar a assinar a declaração das democracias industrializadas reunidas no G-7 e ao se referir ao primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, como “fraco” e “desonesto”. Quatro dias mais tarde, ele repetiu elogios ao ditador Kim Jong-un e afirmou que exercícios militares entre os EUA e a Coreia do Sul são uma “provocação”, mesma linguagem adotada pela Coreia do Norte.
Na sexta-feira, impôs tarifas sobre US$ 50 bilhões de importações da China, decisão vista por analistas como a declaração oficial da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Antes, Trump já havia iniciado conflitos com quase todos os aliados americanos, ao impor tarifas à importação de aço e alumínio.
Isolamento
“O protecionismo não é o caminho que leva à riqueza e ao desenvolvimento econômico. Se fosse, o Brasil seria o país mais rico do mundo”, ironizou Gary Hufbauer, especialista em comércio do Peterson Institute for International Economics. Segundo ele, as políticas de Trump isolaram os EUA e têm o potencial de fortalecer a liderança da China.
Hufbauer acredita que a guerra comercial iniciada por Trump colocará um freio no avanço da globalização. “Talvez não haja um retrocesso, mas nós veremos menos estímulos para empresas investirem em outros países”, ressaltou. “Poderemos voltar a um sistema de comércio semelhante ao que tínhamos antes da 2.ª Guerra, sem uma instituição para solução de conflitos, o que não beneficia ninguém.”
Ao impor tarifas sobre aço e alumínio, Trump lançou mão da justificativa de ameaça à segurança nacional, um mecanismo raramente utilizado que, segundo os EUA, está fora do âmbito da OMC. Ao retaliarem, os países atingidos também agiram de maneira unilateral.
“O governo Trump decidiu ignorar a OMC e os outros países fizeram o mesmo”, declarou o advogado Pablo Bentes, diretor-gerente para Comércio Internacional e Investimentos do escritório Steptoe. Mas a ofensiva vai além. Bentes disse que os EUA decidiram “sufocar” o sistema de solução de disputas da instituição, ao barrar a nomeação de três juízes para o seu órgão de apelação. Hoje, ele opera com quatro membros, mas o número cairá para um em dezembro de 2019, o que inviabilizará seu funcionamento. Sem a chancela do órgão, decisões da OMC não são efetivadas.
‘Roubo’.
As tarifas anunciadas na sexta-feira também foram parcialmente adotadas fora das regras da organização, ressaltou Bentes. Os EUA acusam os chineses de “roubo” de propriedade intelectual e inovação, em razão da exigência de que certas empresas americanas se associem a empresas chinesas e transfiram tecnologia se quiserem atuar no país.
O ataque à ordem internacional liberal promovido por Trump coloca em risco a arquitetura que deu relativa estabilidade ao mundo e permitiu a prosperidade dos últimos 70 anos, escreveu Robert Kagan, do Brookings Institution, em artigo publicado no Washington Post. “Os aliados dos Estados Unidos estão prestes a descobrir o que unilateralismo real significa e como se expressa a hegemonia real, porque a América de Trump não se importa”, afirmou. “Ela não reconhece nenhum compromisso moral, político ou estratégico. Ela se sente livre para perseguir objetivos sem respeito ao efeito sobre aliados ou sobre o mundo. Ela não tem nenhum sentimento de responsabilidade com nada além dela mesma.” (O Estado de S.Paulo, 17/6/18)