Brasil queimou em 2024 com despreparo de governos – Editorial Folha
Área assolada por fogo é a maior da série iniciada em 2019; urge conter degradação florestal e efeitos da crise do clima.
De janeiro a novembro, a área destruída por fogo no Brasil em 2024 subiu 90% ante o mesmo período de 2023, indo de 156.448 km² a 297.680 km² —o equivalente ao território do Rio Grande do Sul. É o maior número desde 2019, início da série do Monitor do Fogo do MapBiomas, que divulgou os dados deste ano na segunda (16).
A expansão está relacionada ao aquecimento global, que atinge o planeta, mas também evidencia falta de preparo do poder público para enfrentar o problema.
A seca que propaga chamas —e que, neste ano, foi a mais severa no país desde 1950— não surgiu do nada. Em 2014, 2017 e 2021, beirou-se o racionamento de água; em 2023, a amazônia foi sufocada por fumaça e o Rio Negro atingiu o menor nível em 120 anos.
Ademais, sabia-se que o El Niño pioraria a crise climática em 2023, com efeitos até 2024. Governos, portanto, deveriam ter se antecipado com alocação de recursos para prevenção e combate ao fogo. Mas os dados indicam que isso não ocorreu, ou pelo menos não na medida necessária.
Mais da metade da devastação (57%) se deu na amazônia, sendo que, dos 169 mil km² impactados lá, 76 mil km² eram de florestas que geralmente não são atingidas pelo fogo do desmatamento produzido pela agropecuária.
Essa mudança de padrão nas queimadas é impulsionada por garimpo e abertura de pastagens e estradas que elevam a incidência de luz solar e vento nas matas.
Em setembro, o mês de maior destruição ambiental pelas chamas (106.535 km²), gestores públicos estavam perdidos. O que se viu foi uma reação atabalhoada.
No âmbito federal, houve alarde sobre ação criminosa organizada e proposta do Ministério da Justiça de aumentar penas para quem atear fogo em florestas.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou a criação de uma autoridade climática, promessa de campanha que até hoje nem chegou ao papel.
O Supremo Tribunal Federal meteu-se nas searas de Legislativo e Executivo com uma decisão do ministro Flávio Dino que permitiria despesas fora do limite do Orçamento para enfrentar a estiagem.
A administração federal chegou a incrementar a infraestrutura para apagar o fogo na amazônia, mas o estrago já estava feito.
Não é com populismo penal, canetadas do Judiciário ou ações em cima da hora que se combatem os efeitos do aquecimento global, mas com políticas contínuas e integradas de adaptação à mudança climática —que, no caso em tela, incluem contenção da degradação das florestas e respostas céleres em emergências (Folha, 19/12/24)