Cadeia de alimentos emite muito GEE, mas também é solução
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O estudo mostra que, se fosse um país, a carne bovina brasileira seria o sétimo maior emissor de gases do mundo, à frente do Japão.
As cadeias de produção e distribuição de alimentos foram responsáveis, em 2021, por 1,8 bilhão de toneladas de gases do efeito estufa do país, ou 73,7% de tudo que o Brasil emitiu naquele ano, sendo a maior parte vindo não da produção de alimentos em si, mas do desmatamento para conversão de vegetação nativa em lavouras e pastos.
Os dados, fruto de um estudo inédito patrocinado pela rede de organizações Observatório do Clima, contabilizam o desmatamento e a mudança no uso da terra, as emissões da agropecuária, como o “arroto do boi”, que produz metano, o uso de energia, a produção de resíduos nos processos agrícolas e industriais.
Nessa conta, a produção de carne no país carrega o peso maior das emissões. Não pela produção de metano por parte dos animais, mas porque é na pecuária que acontece a maior parte do desmatamento para conversão em pastagens.
Do 1,8 bilhão de toneladas de gases emitidas em 2021 pelo sistema de produção de alimentos, 77,6% vem da produção de carne. Dessas, 70,6% da mudança no uso da terra — ou seja, desmatamento. Outros 29,2% vem da produção em si. Os outros 0,2% vem do uso de energia e produção de resíduos.
Se fosse um país, mostra o estudo, a carne bovina brasileira seria o sétimo maior emissor de gases do mundo, à frente do Japão.
Em 2019, ano em que há dados comparativos mais recentes, o Brasil era o terceiro maior emissor no mundo de gases do efeito estufa na produção de alimentos, atrás da China e da Índia e na frente dos Estados Unidos.
Mas, ao contrário desses quatro países, onde a maior parte das emissões vem de atividades agropecuária na pré e na pós produção de alimentos, o peso das emissões no Brasil recai sobre o desmatamento. Ou seja, a recuperação e o uso de terras degradadas para plantação e criação possivelmente faria do Brasil um produtor mais limpo que seus principais concorrentes.
“Esse relatório deveria ser lido pelos representantes do agronegócio e pelo governo como um chamado à responsabilidade“, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
“Ele demonstra, para além de qualquer dúvida, que está nas mãos do agronegócio o papel do Brasil como herói ou vilão do clima. Até aqui, o setor parece querer que o país encarne o vilão, tentando destruir a legislação sobre terras indígenas, legalizar a grilagem e acabar com o licenciamento ambiental, ao mesmo tempo em que manobra no Congresso para ficar totalmente livre de obrigações no mercado de carbono.”
O estudo mostra, por exemplo, que o investimento em recuperação e manejo de solo, com propostas que capturam carbono, já faz o país ter uma captura de carbono de 200 milhões de toneladas de CO2 por ano. Com ainda 96 milhões de hectares de terras degradadas — que emitem carbono — o país tem um imenso potencial de multiplicar essa captura.
O que é preciso, dizem os pesquisadores, é dar escala para políticas que incentivem tecnologias de baixas emissões para agropecuária, como plantio direto, recuperação de pastagens com níveis de degradação e implementação de sistemas integrados.
“Por exemplo, em 2021, os solos brasileiros que possuem alguma prática considerada conservacionista, como a aplicação de plantio direto, recuperação de pastagens com níveis de degradação e implementação de sistemas integrados, foram responsáveis pela remoção de 370,8 MtCO2 (toneladas de dióxido de carbono equivalente)”, aponta o estudo.
Este ano, o governo brasileiro incorporou ao Plano Safra, de financiamento para a agropecuária, medidas de benefícios para produtores que incorporarem medidas de produção mais verde ou ambientalmente corretas. Quanto mais medidas o produtor adotar, mais recursos com juros menores ele terá direito (Reuters, 24/10/23)
Produção de comida responde por 74% dos gases-estufa do Brasil, diz estudo
Levantamento inédito mostra que a maior parte (78%) é gerada pela cadeia da carne bovina.
Ligada ao desmatamento, a produção de alimentos no Brasil concentra quase 74% (73,7%) das emissões de gases de efeito-estufa do país. Desse total, a maior parte (78%) é gerada pela cadeia da carne bovina. A estimativa foi divulgada nesta terça-feira (24) pelo Observatório do Clima.
É a primeira vez que um estudo mapeia as emissões de gases-estufa de toda a cadeia produtiva de alimentos no país, calculando desde os gases gerados na abertura de novos terrenos para plantio e chegando até o combustível usado no transporte e na cocção dos alimentos, assim como na eletricidade usada nos supermercados.
Apesar da complexidade dos sistemas alimentares, o grande vilão das suas emissões é o mesmo das emissões totais do país: o desmatamento. Isso porque boa parte das áreas desmatadas são convertidas em áreas de pastagem e plantio.
Do total de 1,19 bilhão de toneladas (ou gigatoneladas) de carbono emitidas por desmatamento no Brasil em 2021, pelo menos 1,01 bilhão está ligado aos sistemas alimentares, sendo que a produção de carne bovina responde sozinha por 0,98 bilhão de toneladas de carbono emitidas por desmatamento.
Como um todo, os gases-estufa gerados pela produção de carne bovina no Brasil somaram 1,38 gigatoneladas em 2021. O montante supera as emissões anuais do Japão, que em 2021 emitiu 1,07 gigatoneladas de carbono, e equivale a mais de duas vezes as emissões da Alemanha, que no mesmo ano lançou na atmosfera 0,68 gigatoneladas de gases causadores do aquecimento global, de acordo com dados do Climate Watch.
O estudo, que integra o Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima), considerou as emissões geradas no desmatamento para conversão de uso da terra para áreas agrícolas e pastagens, a queimadas dos resíduos da vegetação e ainda as emissões de carbono orgânico do solo, após a conversão para áreas agrícolas ou pastagem.
Logo atrás do desmate, o segundo maior emissor dos sistemas alimentares é o próprio setor agropecuário, que em 2021 emitiu 0,6 gigatoneladas de carbono equivalente (que inclui outros gases). Dois terços (0,4 GtCO2e) são emissões da pecuária.
Apenas o processo de fermentação entérica —popularmente conhecida como o arroto do boi— responde por 0,38 gigatoneladas de CO2, ou quase 64% das emissões totais dos sistemas alimentares.
O estudo calculou duas estimativas de emissões: uma geral sobre os sistemas alimentares no país, que em 2021 emitiu o total de 1,78 bilhão de toneladas de CO2, e outra dedicada à carne bovina, que sozinha contribuiu com 1,38 bilhão de toneladas.
Da porteira para fora, os pesquisadores também buscaram estimar as emissões do transporte dos alimentos, dos processos industriais e uso dos produtos, do gasto energético no comércio e no preparo da comida, calculando até mesmo as emissões dos resíduos.
Todas essas etapas, no entanto, somam apenas 10,8% das emissões dos sistemas alimentares. O uso de energia (elétrica e de combustíveis) responde por 5,6% das emissões dos sistemas alimentares, enquanto os resíduos emitem 4,2% do total. Já os processos industriais representam menos de 1% das emissões.
Os cálculos usam estratégias diferentes para cada setor, dependendo da disponibilidade de dados.
Em transportes, por exemplo, os pesquisadores partiram da participação de cada tipo de carga —fertilizantes, produtos agrícolas, bebidas, carne etc.— em cada modal de carga (rodoviário, ferroviário ou hidroviário), concluindo que as cargas dos sistemas alimentares usam 30% do transporte rodoviário, 28% do ferroviário e 18% do hidroviário. As emissões foram calculadas a partir da porcentagem de participação no setor de transportes, cujas emissões totais já são inventariadas.
A eletricidade usada nos supermercados e até mesmo as suas emissões indiretas —que sobem caso a energia venha de termelétricas, por exemplo— também entraram na conta, assim como o uso de gás de cozinha e refrigeradores.
O estudo conclui que o desmatamento faz subir as emissões do setor de alimentos e recomenda a implementação da rastreabilidade da cadeia produtiva, além dos planos de descarbonização da agropecuária.
"Também se mostra muito relevante a discussão sobre o impacto que mudanças de dietas, com o consumo de alimentos mais saudáveis e produzidos de forma mais sustentável, poderiam surtir em reduzir emissões", diz o relatório.
Embora o desmatamento pese na conta das emissões dos sistemas alimentares, boa parte dele não chega no prato do brasileiro e pode se tornar terra improdutiva, que alimenta a grilagem.
"Está tudo no mesmo bolo. A gente não consegue diferenciar nesse estudo os modos de produção, o que é uma pastagem produtiva do que é uma pastagem improdutiva, em termos de produção por hectare. Então [foi considerado] tudo que o sistema do MapBiomas [plataforma que reúne dados de uso da terra no Brasil] apresentou como pastagem. Pode ter um boi para zilhões de hectares ou uma fazenda razoável", explica o coordenador do Seeg, David Tsai.
"Há um grande indicador dizendo que o sistema é super ineficiente, no sentido de ser super intensivo em emissões", ele prossegue, ressaltando que a diferenciação dos modos de produção precisa ser estudada para que haja redução nas emissões ligadas à produção de alimentos (Folha, 25/10/23)