Carne cai no campo, mas varejo não repassa toda queda e afeta consumo
FRIGORIFICO BOVINO (Imagem- Shutterstock-ASA studio).jpg
Para consultoria, a redução dos preços permitiria avanço maior do consumo interno.
O Brasil vai ter 6,1 milhões de toneladas de carne bovina à disposição do consumidor interno neste ano. O comportamento da rede varejista, no entanto, não incentiva o consumo, segundo Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado.
Os preços atuais da arroba de boi gordo registram queda de 30%, em relação aos do ano passado. Nesse mesmo período, porém, o atacado reduziu o preço em 20%, e o varejo, de 10% a 12%.
Esse comportamento leva o consumidor para as carnes de frango e suína e para o consumo de ovos. A demanda por carne bovina seria maior se o varejo acompanhasse os demais segmentos da cadeia, afirmou Iglesias, nesta quarta-feira (27) no Agri Week, evento anual da Safras & Mercado.
O cenário de preços para o pecuarista não é bom neste ano, mas a oferta de carne será grande. O Brasil deverá abater 35,1 milhões de animais, 2,3% a mais do que em 2023.
O crescimento ocorre, em boa parte, devido à ida de um número maior de vacas para o frigorífico. No primeiro bimestre deste ano, 1,82 milhão de fêmeas foram abatidas, 34% a mais do que em igual período de 2023, segundo dados da Safras.
Com o aumento de abates, o país produzirá o recorde de 9,7 milhões de toneladas de carne bovina, 2,1% acima do volume do ano anterior.
Se o consumo no mercado interno não avança muito, o mesmo não ocorre com o externo, onde a demanda continua aquecida. As exportações brasileiras devem atingir 3,65 milhões de toneladas neste ano, nos cálculos do analista da consultoria.
O Brasil continua sendo o principal fornecedor da proteína para o mercado internacional. O rebanho dos Estados Unidos, concorrentes brasileiros, está baixo e voltou para o patamar dos anos 1970. Isso levou os americanos a importar mais carne bovina, principalmente do Brasil. Os Estados Unidos são o segundo maior importador do produto brasileiro, atrás apenas da China.
A produção de carne bovina dos Estados Unidos deverá recuar 3,2% neste ano, para 11,9 milhões de toneladas. Já as importações sobem para 1,71 milhão, 2% a mais.
A Austrália, outro concorrente do Brasil, tem forte aceleração na produção, que aumenta 8,3%. As exportações do país crescem 10,1%, somando 1,7 milhão de toneladas. O potencial produtivo dos australianos, no entanto, é de 2,35 milhões de toneladas, bem inferior ao do Brasil.
A União Europeia, devido às restrições produtivas no bloco, terá uma oferta reduzida para 6,4 milhões de toneladas, com necessidade de importações de 380 mil toneladas.
O grande influenciador do mercado internacional é a China, diz Iglesias. A importação do país asiático é elevada, podendo atingir 3,55 milhões de toneladas neste ano.
Segundo o analista da Safras, o aumento no número de frigoríficos brasileiros aptos a exportar para os chineses é um sinal de que o país aposta no Brasil para suprir sua demanda.
O lado negativo é que, com mais frigoríficos à disposição, os chineses vão negociar mais os preços no Brasil. Pelo poder de compra que eles têm, acabam sinalizando o patamar de negociação também para outros parceiros comerciais do Brasil.
A China busca uma elevação da produção interna de carne bovina, que atingirá 7,7 milhões de toneladas neste ano, mas ainda bem distante do consumo de 11,2 milhões.
Internamente, os pecuaristas brasileiros devem ficar atentos aos preços, que não devem ter grandes reações nos próximos meses. Enquanto o pasto estiver favorável, o produtor vai manter os animais, um acúmulo de vendas na sequência poderá forçar ainda mais a queda das margens.
Externamente, os fatores de risco vêm da recuperação da economia chinesa e da recomposição da suinocultura no país. Os chineses ficam com 48% das exportações brasileiras de carne bovina.
Problemas sanitários também podem influenciar nos preços. Sendo que os mercados estão interligados, vaca louca atípica, peste suína africana, gripe aviária e outras eventuais ocorrências de doenças interferem em oferta e preços mundiais.
O produtor olhou muito para dentro da porteira nos anos recentes, investindo em genética, nutrição, reforma de pastos, integração lavoura-pecuária e redução da idade de abate dos animais.
Agora é hora de olhar mais para os negócios fora da porteira, principalmente na gestão de preços futuros, segundo Iglesias (Folha, 28/3/24)