Carrefour faz espuma, mas frigoríficos servem picanha a investidores
Por Marcos Vasconcellos
O ganho de estar bem posicionado na Europa é marginal para as grandes produtoras nacionais.
A declaração do presidente mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, de que não venderia mais carne de gado do Mercosul fez espuma. O ministro da Agricultura brasileiro acusou o golpe e chamou de "ação orquestrada" para "ferir a soberania" da produção nacional.
A rede de supermercados teve que se explicar, deu uma pirueta e disse que a restrição seria só em lojas francesas. Mas a discussão foi plantada com sucesso. O noticiário passou a falar sobre o pleito dos fazendeiros europeus, que acusam seus concorrentes desse lado do Equador de não seguir padrões de excelência na produção.
Frigorífico em Promissão, São Paulo; lojas francesas do Carrefour vetaram carne de países do Mercosul, bloco econômico composto por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Foto Paulo Whitaker – Reuters
Entre os pontos criticados, está o uso de áreas desmatadas da Amazônia. É inegável que precisamos melhorar os mecanismos para evitar o chamado "cattle washing", expressão que resume a "lavagem" do gado criado em terras indígenas ou desmatadas, vendendo os animais para outras fazendas –nos conformes–, antes de repassá-los para os exportadores.
Também chama a atenção a acusação sobre a falta de controles sobre o uso do hormônio estradiol. Apesar de seu uso para "forçar" o crescimento dos bovinos ser proibido, ele está presente em remédios permitidos no Brasil, usados nas vacas, para melhorar a inseminação artificial.
Um relatório recente da União Europeia sobre segurança alimentar afirma que os mecanismos de controle da presença de estradiol no Brasil são insuficientes. O relatório não é sobre a presença do estradiol na carne, mas bastou para acender a luz amarela.
Poucos comentaram, mas a exportação de vacas (especificamente as fêmeas) brasileiras para a União Europeia e para o Reino Unido já está suspensa desde outubro, justamente pela falta de protocolos que garantam a ausência do hormônio.
Em termos práticos, ajustar os mecanismos de controle parece um caminho melhor do que reclamar do protecionismo europeu.
Dito isso, o investidor deve notar que o ganho de estar bem posicionado na França ou na Europa é marginal para as grandes produtoras nacionais, como JBS, Marfrig, Minerva e BRF. Esse é um mercado quase irrelevante para elas, ao contrário de Estados Unidos e China.
A JBS, com forte presença global, tem cerca de 6% de suas exportações para o velho continente. No caso das outras três, a Europa mal figura em seus relatórios de prestação de contas. Restrições por lá têm pouco ou nenhum poder para impactar o caminho de suas ações.
Neste ano, enquanto o mercado andou "de lado" e o Ibovespa está 3% negativo, BRF e Marfrig entregaram picanha para seus investidores, com 90% de ganho em suas ações. Quem comprou JBS também levou filé mignon, com retorno de 40%. A única gigante de proteína a queimar o churrasco foi a Minerva, cujos papéis caíram consideráveis 22% desde janeiro.
Enquanto isso, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) prevê aumento de 2,5% no Valor Bruto da Produção da pecuária nacional neste ano. E o preço da carne no Brasil aumentou 7,17% nos últimos 12 meses, segundo levantamento da Apas (Associação Paulista de Supermercados) em parceria com a Fipe.
As produtoras de proteína animal seguem entregando picanhas para seus investidores. A chamada do Carrefour pode ajudar a melhorar o tempero (Folha, 25/11/24)