China desabastece mercado interno de soja, e Brasil apela à importação
Grão mais caro puxa o preço dos derivados, como óleo de soja, que teve uma valorização de 80% em 12 meses.
O Brasil exportou 93 milhões de toneladas de soja nos últimos 12 meses. O volume, cada vez mais crescente, sedimenta a liderança mundial do país e traz um recorde de receitas.
Essas exportações, porém, estão deixando um rastro de problemas para vários setores da economia nacional.
O fluxo fácil da soja brasileira para o exterior traz custos para as indústrias de biodiesel, de ração, de artigos de limpeza, indústria farmacêutica e, principalmente, para os consumidores.
O voraz apetite chinês, somado ao câmbio favorável às exportações, tem levado toda a soja disponível que encontra no país. Com isso, os preços chegaram aos até então inimagináveis R$ 132 por saca nos portos.
A alta da soja em grão puxa os seus derivados. Nos últimos 12 meses, a tonelada de óleo de soja teve uma valorização de 80% no mercado interno, atingindo preços médios de R$ 5.271 em São Paulo, segundo pesquisa do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada).
A alta do produto ocorre em um período de distanciamento social e de aumento do consumo doméstico.
O resultado é uma elevação de 24% no preço do óleo de soja usado pelo consumidor paulistano no período de agosto de 2019 a julho de 2020, segundo a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).
A pressão não terminou, e os dados de inflação referentes a agosto continuam apontando taxa acelerada de aumento nesse produto básico na cozinha.
O óleo de soja descolou da inflação, que teve evolução média de apenas 2,7% em São Paulo nos últimos 12 meses.
A saída de tanta soja do país acabou afetando também a produção de biodiesel. A ANP e o Ministério de Minas e Energia reduziram a mistura de biodiesel ao diesel de 12% para 10% para os meses de setembro e de outubro.
É a primeira vez que o governo intervém nesse programa. A soja responde por 70% da matéria-prima utilizada na produção do combustível.
A indústria de biodiesel não aceitou bem essa intervenção. A BR Distribuidora, porém, afirma que a decisão foi acertada e é primordial para a garantia do abastecimento interno de óleo diesel.
A aceleração das exportações de soja traz novos custos também para a indústria de proteínas. A tonelada de farelo de soja, que está a R$ 1.844, registra alta de 51% nos últimos 12 meses. Apenas neste ano, o aumento foi de 36%, segundo o Cepea.
As exportações de farelo de soja estão estáveis neste ano, em 10,2 milhões de toneladas. Já as de óleo de soja subiram 14%, para 790 mil toneladas.
Além de afetar preços de alimentos, ração e combustível, a menor oferta interna de soja pesa nas indústrias de medicamentos, de cosméticos, de plásticos, de pneus, de revestimentos diversos, de produtos de limpeza e até na de asfalto, setores que também fazem utilização, embora pequena, dessa matéria-prima.
Para suprir um pouco esse déficit interno de soja, o país, o líder mundial em exportação, já importou 455 mil toneladas de janeiro a agosto. É pouco em relação ao volume exportado, mas supera em 290% o de igual período de 2019.
A produção brasileira de soja atingiu 121 milhões de toneladas neste ano, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). As exportações acumuladas de janeiro à terceira semana de agosto somam 75 milhões, acima do todo o volume vendido em 2019.
Dados desta segunda-feira (24) da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) já mostram exportações de 5 milhões de toneladas neste mês, acima do volume total de agosto de 2019. As estimativas mais otimistas para 2020 indicam vendas externas de 84 milhões de toneladas.
Em dez anos, a produção brasileira deverá ser de 155 milhões de toneladas, segundo o Rabobank, e a demanda externa vai continuar.
Mercado é mercado, e a matéria-prima vai sempre buscar a melhorar remuneração. Cabe ao país agregar mais valor ao produto (Folha de S.Paulo, 25/8/20)