China: Retaliação sobre o agro dos EUA atinge a soja, fortalecendo Brasil

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Analistas observam que Brasil pode ser o principal beneficiário da guerra comercial envolvendo a soja, como já ocorreu no primeiro mandato do republicano.
A retaliação da China nesta sexta-feira (4) contra as novas tarifas dos Estados Unidos deve acelerar o movimento de Pequim em direção a fornecedores alternativos de produtos agrícolas, incluindo o Brasil, uma mudança que começou durante a guerra comercial do primeiro mandato do presidente Donald Trump.
Pequim revelou uma série de contramedidas, incluindo tarifas adicionais de 34% sobre todos os produtos dos EUA, que se somam às tarifas de 10% a 15% aplicadas sobre cerca de US$ 21 bilhões (R$ 122,3 bi) em comércio agrícola no início de março.
Um trader de uma empresa de comércio internacional com sede em Singapura que vende grãos e sementes oleaginosas para a China disse que não é possível ter certeza de que alguma importação será viável com a tarifa de 34%.
Ele prevê que o principal impacto será em produtos como soja e sorgo, e não tanto sobre trigo e milho, já que a China não tem comprado muito trigo e milho dos EUA neste ano.
Um comerciante de grãos europeu disse que a União Europeia, que também prometeu retaliar, provavelmente também aplicará tarifas sobre a soja dos EUA.
O investidor diz que a discussão gira em torno da soja e a grande preocupação é se não houver acordo antes da nova safra dos EUA no segundo semestre. Ele acrescenta que a conclusão geral é que toda a guerra comercial é "baixista" para produtos agrícolas dos EUA e "altista" para outras origens.
Na véspera, os prêmios nos portos brasileiros para a soja dispararam, sinalizando maior demanda pelo produto do Brasil, com o mercado se preparando para um contra-ataque da China.
Um cenário parecido aconteceu entre 2018 e 2020, como mostrou a Folha nesta sexta-feira. Os Estados Unidos, liderados por Trump pela primeira vez, impuseram tarifas de importação sobre produtos de grandes parceiros comerciais e, separadamente, sobre uma gama de produtos chineses. Em resposta, seis economias –China, Canadá, União Europeia, Índia, México e Turquia– retaliaram.
Em relatório atualizado em janeiro deste ano, o Departamento de Agricultura do governo dos EUA (USDA, na sigla em inglês) calculou o impacto da guerra de tarifas para o setor. Entre 2018 e 2019, a retaliação comercial causou perdas de mais de US$ 27 bilhões nas exportações agrícolas americanas. O maior prejuízo veio da queda das importações chinesas, e só a soja respondeu por 71% da redução.
O grande vencedor da guerra, segundo a USDA, foi o Brasil, que absorveu "a maior parte do comércio perdido pelos Estados Unidos no ramo da soja". Só em 2018, a China diminuiu as importações da commodity dos Estados Unidos em pouco menos de US$ 7 bilhões e, em contrapartida, aumentou em US$ 8 bilhões o consumo de produtos agrícolas brasileiros, "quase inteiramente em soja", cita o documento.
"Mesmo após a trégua com o ‘acordo Fase Um’ em 2020, a China manteve o Brasil como principal fornecedor agrícola, reforçando os laços", diz Bruno Shahini, especialista em investimentos da Nomad. Hoje, cerca de 70% das importações chinesas de soja já têm origem brasileira.
As taxas impostas no mês passado aceleraram o afastamento das importações de soja dos EUA e transferiram a demanda para o Brasil, onde uma safra abundante coloca o país no caminho certo para entregar um aumento recorde de importações para a China no segundo trimestre.
"O Brasil será de longe o principal beneficiário, o maior fornecedor que pode substituir a soja dos EUA para a China. Mas outros também poderão se beneficiar, inclusive a Argentina e o Paraguai. Com relação ao trigo, a Austrália e a Argentina devem se beneficiar", disse Carlos Mera, chefe de Pesquisa de Mercado Agrícola do Rabobank.
Na quarta, Trump divulgou uma tarifa básica de 10% sobre todas as importações a partir de 5 de abril e tarifas mais altas sobre alguns outros países, incluindo 34% sobre a China, levando a guerra comercial global a um ponto crítico.
A China continua sendo o maior mercado para os produtos agrícolas dos EUA, mas as importações de produtos agrícolas dos EUA caíram pelo segundo ano consecutivo, baixando de US$ 42,8 bilhões (R$ 249,3 bi) em 2022 para US$ 29,25 bilhões (R$ 170,4 bi) em 2024.
Também nesta sexta, a China suspendeu as qualificações de importação de sorgo da C&D (USA) Inc., que é de propriedade chinesa, citando problemas fitossanitários, e de importação de carne de frango e farinha de ossos da American Proteins, Mountaire Farms of Delaware e Darling Ingredients.
Além disso, suspendeu as importações de produtos avícolas da Mountaire Farms of Delaware e da Coastal Processing (Folha, 5/4/25)