Clima pode fazer café migrar de região, altitude e variedade plantada
Clima impacta produção mineira de café. Foto Reprodução Blog A Lavoura
Por Marcelo Toledo
Irrigação é arma apontada pelo setor para combater os efeitos climáticos na produção de café em Minas Gerais
O clima sempre foi tratado como um dos atores principais na cafeicultura, mas as mudanças climáticas em curso agem com tal protagonismo nas lavouras que o setor já afirma que pode haver não só uma migração de regiões produtoras, mas também de altitude e até mesmo da variedade plantada.
Principal produtor de café do mundo, o Brasil sofreu no decorrer de 2024 com a seca, que chegou a mais de 150 dias em algumas regiões de cultivo, o que causou perda de folhas, que murcharam, e até ameaça de causar a morte de plantas em lavouras de Minas Gerais e São Paulo —que concentram 67% da produção brasileira.
O café brasileiro tem como padrão ser da variedade arábica e cultivada em regiões mais frias e, de preferência, em altitudes superiores.
Como, porém, a variedade tem sofrido muito com os impactos do clima, empresários, produtores e associações do setor já afirmam que as variedades canéforas (robusta e conilon) ganharão cada vez mais espaço e, por serem mais resistentes ao calor, poderão ser cultivadas em regiões e altitudes em que o arábica não se dá tão bem.
O tema foi discutido com preocupação durante a SIC (Semana Internacional do Café), principal evento do setor no país, realizado em Belo Horizonte, e onde a Folha ouviu representantes do setor.
Presidente do grupo Três Corações, maior indústria de café do país, Pedro Lima disse que a "desarmonização climática" preocupa, mas que enxerga a possibilidade de movimentação interna da agricultura pelo país.
"Vejo o estímulo ao crescimento dos cafés canéforas para poder fazer esse balanceamento. A agricultura vai se movimentando dentro do país. O robusta está crescendo muito na amazônia, o Espírito Santo tem crescido, assim como a [região da] Chapada de Minas, onde começamos a plantar café robusta", disse.
A fazenda do grupo, em Angelândia, tem média de 1.200 metros de altitude, mas há uma área em que ela é de 800 metros. É nesse local que 100 hectares estão sendo destinados ao cultivo de canéforas.
A Três Corações consome por ano cerca de 5,5 milhões de saca de café, próximo de 8% da produção brasileira. O país tem aproximadamente 300 mil produtores de café.
Em geral, as variedades canéforas são mais fortes, amargas e resistentes ao calor que o arábica, predominante na produção nacional.
O café arábica representa 68,12% da produção nacional, conforme a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), enquanto as canéforas respondem por 31,88% do total.
Em Minas Gerais, 99% do café produzido é arábica e 1% é de conilon, num mercado que certamente terá mudanças, segundo Antônio de Salvo, presidente da Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais).
"É uma possibilidade com a irrigação trabalhar esse café conilon em outras áreas de mais baixa altitude, de temperaturas mais altas, para que a gente possa também ofertar e crescer o volume produzido de café em Minas Gerais. A possibilidade de irrigação é fundamental", disse.
Garantir o abastecimento hídrico nas propriedades é um tema que tem sido discutido na Secretaria da Agricultura mineira. Somente 15% da sua área agrícola é irrigada, segundo o titular da pasta, Thales Fernandes.
Ele disse que a implantação de uma política para agricultura irrigada vai mudar o perfil do estado. "O hectare de café conilon bem adubado e bem irrigado produz de 120 a 150 sacas. A R$ 1.500 [cada saca], não é mau negócio", disse.
A irrigação impede que a cultura sofra déficit hídrico, como o registrado no decorrer deste ano, e que a safra sofra consequente queda de produtividade. Quando a temperatura sobe e falta chuva, o café sofre queda nas folhas e vê sua fotossíntese diminuir. As consequências são perda de água —daí a importância da irrigação— e o aumento da facilidade para uma praga causar danos às lavouras.
A dimensão ainda é desconhecida, segundo o presidente da Faemg, mas associações regionais têm afirmado que as perdas podem ser de cerca de 20%. "Se vier temperatura alta em janeiro e fevereiro, o problema será maior", disse Salvo.
Caio Alonso Fontes, diretor da Espresso&CO, um dos realizadores da SIC, afirmou que avanços científicos podem melhorar a qualidade e a sustentabilidade do setor cafeeiro e que é importante discutir os efeitos do clima independentemente do ponto da cadeia em que a pessoa se situa.
O evento reuniu mais de 20 mil pessoas de 40 países na capital mineira e fechou mais de R$ 60 milhões em negócios.
Em 2024, o país exportou, até novembro, 46,399 milhões de sacas de café, superando em 3,78% o até então recorde, em 2020 (44,707 milhões de sacas, o ano todo). Em comparação com o desempenho de janeiro a novembro do ano passado, o aumento foi de 32,2%, segundo o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil).
Os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar no ranking dos importadores do café brasileiro neste ano, com 16% do volume total. O café arábica é a espécie mais exportada, com 73,2% do total.
"O protagonismo do Brasil no café vai continuar. O futuro a Deus pertence, mas entendo que o Brasil tem uma geografia mais harmônica para a gente ir migrando para áreas mais produtivas", disse Lima (Folha, 28/1/25)
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