Código Florestal em risco – Por Cesario Ramalho da Silva
Um dos mais rigorosos do planeta, mudá-lo agora acarretaria grave retrocesso para o País.
O Brasil saiu reconhecido da Conferência do Clima da ONU (COP-23) realizada no mês passado em Bonn, na Alemanha, como uma potência mundial agroambiental. Com mais de 60% de matas nativas protegidas – três vezes mais que qualquer outra nação com extensão territorial similar –, o País mostrou, com dados, que a incorporação de tecnologia pelos produtores rurais faz da agropecuária brasileira o melhor exemplo de produtividade e sustentabilidade ambiental do planeta.
É o que destaca, por exemplo, levantamento do Grupo de Inteligência Territorial Estratégica da Embrapa, liderado pelo chefe-geral da unidade Territorial da empresa de pesquisa, Evaristo Eduardo de Miranda, que a partir das análises de dados geocodificados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) atesta significativa participação da agropecuária na preservação do meio ambiente.
Os mais recentes resultados – já citados, aliás, pelo Estado – demonstram que 23% do território brasileiro protegido (mais de 170 milhões de hectares) se encontra dentro dos imóveis rurais, sob as figuras de áreas de preservação permanente e de reservas legais, entre outras. Para ter ideia da visão e da ação preservacionista histórica dos produtores rurais brasileiros basta observarmos que todas as unidades de conservação (parques nacionais e estaduais, estações ecológicas, florestas da União, etc.) protegem bem menos, cerca de 13,1% do território do Brasil.
O avanço de uma agropecuária de baixo carbono foi outro trunfo brasileiro apresentado na Conferência do Clima. Nesse quesito, um dos principais exemplos foi o da adoção da integração lavoura-pecuária-floresta, que chegou a 11,5 milhões de hectares, sistema produtivo esse que, ancorado em boas práticas agrícolas, entre as quais a intensificação e/ou rotação de culturas e o plantio direto, aumenta o rendimento e ao mesmo tempo diminui emissões de gases de efeito estufa e promove sequestro de carbono, feito que é inédito em outros países.
Além do mais, a estrutura brasileira de produção, distribuição, consumo e exportação de biocombustíveis – com destaque para o etanol de cana-de-açúcar e, agora, também o etanol de milho, além, é claro, do biodiesel – foi outra vantagem competitiva apresentada pelo nosso corpo diplomático na COP-23. Cenário que, aliás, só tende a melhorar com a iminente implantação do RenovaBio, programa que vai estimular a produção de biocombustíveis, com o intuito de que o Brasil cumpra os compromissos ambientais assumidos no Acordo de Paris relativos à redução de emissões de gases de efeito estufa, bem como contribua para assegurar o abastecimento doméstico de combustíveis da frota nacional.
Todos esses ativos ambientais são exclusividade do Brasil e abrem uma importante janela de oportunidade para que o agronegócio brasileiro capitalize o que vem realizado ao longo dos anos em termos de sustentabilidade. Há espaço para que o País possa investir na criação de uma marca sustentável para os seus produtos agrícolas que, na prática, venha a tornar-se diferencial competitivo nos mercados internacionais, podendo até mesmo funcionar como instrumento para o recebimento de bônus de preços.
Grande parte de todo esse repertório agroambiental se deve ao novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República em 2012, que, no entanto, se encontra desde então ameaçado por ações diretas de inconstitucionalidade, julgadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), bem como por contestações de algumas instâncias do Ministério Público dos Estados.
No mais recente capítulo desse imbróglio, em seu parecer o ministro relator Luiz Fux julgou constitucional a maioria dos dispositivos do código, mas indeferiu o principal deles, que dispensava de multa os proprietários de terras autuados por desmatamento em áreas de preservação antes de 22 de julho de 2008, desde que houvesse a adesão dos interessados aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) em curso nos Estados e no Distrito Federal. Após o voto de Fux, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, pediu vista dos processos.
O fato é que, se a lei cair, jogará por terra todo o esforço de discussão em torno do Código Florestal, que acompanhei de perto quando presidia a Sociedade Rural Brasileira. O assunto foi exaustivamente debatido e exaurido em dezenas de audiências públicas e nas negociações no Congresso Nacional, dando legitimidade, absoluta constitucionalidade e licença social à matéria, e não há por que voltar atrás.
De lá para cá, o CAR vem sendo abastecido e os PRAs, implementados, num maciço esforço de tempo e recursos dos agricultores e do setor produtivo em geral, com foco na regularização jurídica do ponto de vista ambiental. Interromper esse processo é uma vez mais alimentar a premissa que no “Brasil o passado também muda”.
Antes do novo código, a legislação ambiental brasileira era um penduricalho de diversas normas, confusas, que não tinham efeitos práticos de proteção ambiental, nem sequer garantiam segurança jurídica aos produtores rurais. O novo Código Florestal, a bem da verdade, sanou tudo isso.
Aos que insistem em criticar, recente estudo elaborado pelo Núcleo de Avaliações de Políticas Climáticas da PUC-Rio, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e entidades da sociedade civil, por exemplo, revela que o Código Florestal brasileiro é um dos mais, se não o mais rigoroso do planeta. Mudá-lo agora acarretaria um retrocesso de graves consequências ambientais, econômicas e sociais para o País, com repercussão negativa em nível internacional.
A agropecuária e o Brasil não podem ficar à mercê desse impasse. Definitivamente, é hora de virar a página (Cesario Ramalho da Silva é produtor rural, vice-presidente da Abramilho, foi presidente da Sociedade Rural Brasileira; O Estado de S.Paulo, 19/12/17)