Como a São Martinho se tornou a melhor para trabalhar, segundo seu CEO
"Percebi que existia um potencial para a São Martinho ser a melhor para trabalhar. Então lancei o desafio: ficar entre as 150 melhores", fala o presidente.
Formado em engenharia de produção pela Universidade de São Paulo, Fabio Venturelli, de 53 anos, começou sua carreira na Dow, onde descobriu o interesse por gestão de pessoas. “Consegui entender a relevância e a relação entre a satisfação dos funcionários e os resultados da empresa”, diz.
Assim que chegou à São Martinho, em 2007, estabeleceu como uma de suas prioridades entrar na lista das 150 Melhores Empresas para Trabalhar. Em 2011, a produtora de cana de açúcar, etanol e energia elétrica participou pela primeira vez do processo, mas ficou de fora do ranking.
Entrou na lista nos anos seguintes e, em 2017, foi reconhecida como a melhor do setor de agronegócio. Sete anos depois da primeira tentativa, Fabio colhe os resultados da melhoria contínua na gestão.
Em que ponto está o processo de amadurecimento da gestão na São Martinho?
Comecei a pensar na importância da gestão há muitos anos, quando trabalhava em outra empresa. Lá, entendi a relação entre a satisfação dos funcionários e os resultados do negócio. Quando vim para a São Martinho em 2007, o agronegócio ainda era um palavrão, a colheita era feita no facão e o setor tinha uma imagem negativa. Mas, quando cheguei aqui, encontrei um ambiente de respeito e de pessoas orgulhosas do que faziam. Percebi que existia um potencial para a São Martinho ser a melhor para trabalhar. Então lancei o desafio: ficar entre as 150 melhores. Demorou para conseguir. Só entramos em 2012, mas desde então não saímos mais. No começo, os candidatos a trainee não chegavam a 60. Hoje, avaliamos mais de 6 000 currículos. Isso mostra como o trabalho sério dos funcionários e dos líderes, que aceitam desafios, tem retorno. No ano passado já havíamos comemorado uma vitória, por termos sido destaque no agronegócio. Agora, estamos orgulhosos de participar dessa empresa brasileira, de origem familiar, que está acompanhando a transformação que acontece no campo.
O que ainda precisa ser melhorado?
Precisamos estar atualizados e não viver só de glória. Quando se considera que se chegou ao ápice, é quando se começa a piorar. Somos resilientes, mas precisamos nos renovar em ferramentas e qualificação. Por isso, neste ano há uma revisão das metas de recursos humanos para evoluirmos junto com a sociedade. O processo está no início. Buscamos reformular e pensar qual é a estratégia para a transformação digital. É um exercício que nunca fizemos antes. Queremos garantir que, mediante as mudanças do mundo, teremos as ferramentas certas e o compromisso da gestão para que a cultura nunca se perca.
Que recursos são usados na disseminação da cultura?
Ter um ambiente de desafio e reconhecimento. As pessoas gostam disso e precisam de honestidade. Passamos uma etapa muito longa da vida no trabalho, então, quanto melhor for o ambiente e mais unidos estiverem todos ali, melhores serão os resultados.
Qual é seu papel na gestão de pessoas da empresa?
Dar as ferramentas para os líderes se aproximarem de todos os 14 000 trabalhadores, porque sei que não consigo fazer isso sozinho. Mas tenho certeza de que a equipe de gestores e diretores está pronta ou se preparando para compartilhar essa visão e conquistar a confiança dos times. Eu mesmo demorei uns cinco anos para me sentir à altura de participar das festas de fim de ano da companhia. Esse é um espaço que você precisa conquistar. Não é porque você está na cadeira de presidente que, automaticamente, as pessoas vão se sentir lideradas por você. É preciso buscar o respeito dos funcionários com humildade. Quando eles enxergam que você é um deles e faz parte do time, aí, sim, pode se sentir à vontade — mas isso não é sinônimo de relaxar, porque a confiança pode ser perdida a qualquer momento. Agora, sou o cantor oficial do bingo em nossas confraternizações. Às vezes, até saio sem voz da festa, mas é gratificante ver que, depois de quatro horas comemorando, não sobra um papel no chão. Isso mostra o respeito que temos pelo ambiente e como isso faz parte de nossa cultura.
Quais foram as principais mudanças em RH nos últimos anos?
Precisávamos estruturar as disciplinas básicas de RH, porque a empresa tinha uma origem familiar, com os fundadores morando dentro da própria usina. Para criar um ambiente profissional, foi necessário equilibrar políticas para garantir que essa proximidade permanecesse e para que não perdêssemos as qualidades da equipe. Meu papel foi trazer as práticas necessárias, mantendo o DNA da companhia. Isso só foi possível quando investimos em treinamento, remuneração, compensação e desenvolvimento de carreira — que são os alicerces da nossa organização. Trouxemos o que era essencial, pois não é preciso ter manual para tudo. Isso pode engessar a empresa.
A que você atribui os bons resultados de clima e engajamento?
A toda a equipe que abraçou essa visão e se comprometeu a entregar um resultado para a companhia. Esse reconhecimento é consequência de um trabalho em conjunto. Gestão talvez seja uma das coisas mais discutidas, e todo mundo quer saber o segredo. Mas não existe receita. Há o bom senso e a atuação de gente comprometida. O sentimento de estar fazendo algo em conjunto é muito poderoso. Atribuo esse sucesso aos líderes, aos gestores e aos diretores da companhia, que conseguiram manter a proximidade, a transparência e fazer a empresa continuar inovando. Chegar aonde chegamos não teria sido possível sem os pilares e os valores dos fundadores. É uma história que se perpetua, mas que começou com pessoas que vieram para o Brasil trabalhando com a mão na terra, respeitando a natureza e tirando dela o desenvolvimento.
O setor está passando por uma transformação tecnológica. Como vocês estão se preparando?
Temos DNA inovador. Na década de 70, a São Martinho montou uma joint venture com a Austrália para fazer colheitadeira. A empresa tomou corpo e acabou sendo vendida. É atualmente uma das maiores fabricantes do mundo. Queremos garantir que nunca perderemos esse gosto pela inovação. A internet das coisas e a digitalização vão criar empregos, como aconteceu com a evolução da colheita de cana feita com o facão para com a máquina. É errado pensar que todos os profissionais perderão o emprego. Basta olhar para a produção: quando o Brasil moía 200 milhões de toneladas de cana, estávamos no máximo de nossa capacidade de utilização de mão de obra. De repente, a produção aumentou para 600 milhões de toneladas. Se não tivesse havido a evolução da colheita, o crescimento teria sido impossível. Os cortadores de cana foram qualificados e se transformaram em operadores de máquinas. As famílias passaram a viver outra realidade em termos de remuneração.
Quais os desafios para 2019?
O setor precisa de uma recuperação financeira para que as usinas voltem a operar. Mas, no mercado como um todo, o desafio é maior. O mundo está buscando soluções energéticas limpas. Temos um papel importante de abastecer o consumo de energia no país. E, por outro lado, fazemos um trabalho essencial com o açúcar: pensamos nele como um complemento, mas a verdade é que populações veem nele uma caloria necessária para sobreviver ao dia seguinte.
O que você imagina para o futuro da companhia?
Na onda digital, veremos equipamentos conversando com equipamentos, mas a gestão ainda vai depender das pessoas. Pode haver uma redução no quadro, mas estamos longe daquele futuro de fazendas autogerenciáveis por robôs. Hoje, as máquinas fazem o trabalho pesado sozinhas, mas dependem de um profissional que analise os dados e as manobre. A mão de obra está evoluindo com a tecnologia, e uma operação mais eficiente vai beneficiar a todos. Estamos nos preparando para esse futuro (Exame.com, 16/11/18)