Como ocorreu namoro interespécies que gerou o milho que comemos?
Variedade tradicional de milho exibida durante o Dia Nacional do Milho no México. Foto Henry Romero-Reuters
Por Reinaldo José Lopes
Cruzamento está na fronteira entre acidental e intencional, analisa cientista.
Não faz muito tempo, tive o privilégio de escrever para esta Folha uma reportagem mostrando como um namoro entre formas primitivas do milho doméstico e de um de seus parentes selvagens, o teosinto, acabou dando origem ao milho que viraria um dos pilares das civilizações indígenas em todo o continente americano e ganharia o mundo.
Mas uma dúvida ficou na minha cabeça ao ler o estudo original sobre o tema. Será que o cruzamento foi um evento acidental que, mais tarde, acabou sendo aproveitado pelos agricultores indígenas do México? Ou teria sido algo intencional, planejado por gente que já conhecia bem a biologia reprodutiva do milho?
Fiz essa pergunta a um dos autores do estudo, Jeffrey Ross-Ibarra, da Universidade da Califórnia em Davis. Eis o que ele me respondeu. Vale a leitura.
"Excelente pergunta. Quase certamente as hibridizações iniciais aconteceram acidentalmente. Não temos nenhuma evidência direta sobre o papel dos lavradores indígenas em promover a introgressão, mas suspeito que foi uma combinação de seleção natural -- pés de milho com mais alelos [variantes de genes] do tipo mexicana sobreviviam melhor nas regiões de planalto -- e seleção intencional por parte dos antigos lavradores. Eles gostam de fazer experimentos, e, quando a gente conversa com agricultores tradicionais hoje em dia, eles contam que promovem intencionalmente a introgressão com o teosinto porque isso faz com que o milho fique 'mais forte'."
Cá entre nós, nunca deixa de me fascinar o fato de que esses eventos fortuitos envolvendo espécies vegetais tiveram um impacto tão desproporcional sobre a história humana (Folha, 29/12/23)