26/11/2024

Consumidor não paga mais por produto sustentável, diz CEO da JBS

Consumidor não paga mais por produto sustentável, diz CEO da JBS

Gilberto Tomazoni. Foto Divulgação - JBS

 

Em entrevista à Folha, Gilberto Tomazoni afirma que financiamento é desafio para fazer a transição verde: 'Dinheiro precisa chegar ao produtor'.

verdadeiras aliadas do clima, subtraindo carbono da atmosfera.

 

Em entrevista à Folha durante o B20 Summit 2024, fórum que integra a agenda do G20 no Brasil, realizado no final de outubro, o executivo apontou caminhos e desafios para fazer a virada sustentável, destacando que cobrar mais por produtos verdes não é uma opção.

 

"O consumidor não paga mais caro por um produto sustentável. Não adianta querer passar o custo para frente, porque não vai", afirmou.

Tomazoni foi o encarregado de apresentar, durante o evento do B20, as recomendações aos chefes de estado do G20 ligadas à agricultura e a sistemas alimentares sustentáveis.

 

Durante o evento, o sr. falou sobre como a agricultura pode unir soluções para problemas como alimentação, mudanças climáticas...

Cerca de 65% das pessoas [adultas] que vivem na pobreza trabalham na agricultura. Um terço da população mundial trabalha na agricultura. Vou citar mais um fator: 2,3 bilhões de pessoas no mundo sofrem de insegurança alimentar severa ou média. Nós temos gente passando fome, nós temos gente pobre e, do jeito que nós [da agricultura] estamos produzindo hoje, estamos emitindo gases de efeito estufa.

 

A grande coisa disso tudo é que nós podemos, com a tecnologia que já temos, transformar esse sistema e ao invés de emitir carbono, capturar carbono. A agricultura regenerativa tem capacidade de capturar até 23% das emissões totais do globo.

 

Mas estamos distantes disso ainda.
Nós temos soluções aqui no Brasil. Um dos corresponsáveis [pela força-tarefa do B20 que ele liderou] era um produtor rural. Por que eu convidei um produtor rural para ser parte do time? Porque não queríamos fazer sugestões sem sentido. Ele produz três safras por ano na mesma área, produz 15 vezes mais que antes e é carbono negativo.

 

O sr. vê um caminho para expandir isso?

O desafio é o financiamento. O dinheiro precisa chegar ao produtor. Um dinheiro que tenha uma taxa atrativa para que ele possa fazer o investimento.

 

Recursos que tenham um tempo de maturação, porque a agricultura regenerativa é muito mais produtiva, mas precisa de tempo para chegar lá.

 

Além disso, é preciso construir um sistema de seguro. Imagine um produtor que pegou dinheiro, investiu para fazer a transformação [verde], e chega um problema climático e ele perde a safra inteira. Nós temos que protegê-lo para ele fazer essa transição.

 

Tem que haver assistência técnica para que o produtor possa usar as tecnologias disponíveis. Se fizermos isso, resolvemos. O número que precisamos globalmente é de US$ 300 bilhões a US$ 350 bilhões [R$ 1,7 trilhão a R$ 2 trilhões] por ano até 2030 para fazer a transformação [dos sistemas alimentares]. Não é pouco dinheiro. Hoje, só 4% dos investimentos para combate ao clima vão para a agricultura.

 

Qual aprimoramento pode haver no Brasil?

Eu conversei com o ministro Paulo Pimenta [Secom] e ele falou do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], que já é um programa focado no pequeno produtor. O que precisa é de ajuda para estruturar um grande trabalho de assistência técnica. Ajudaria ter a iniciativa privada, as ONGs, a sociedade civil fazendo um mutirão neste sentido.

 

Nós da JBS já fazemos isso. Para os produtores que são nossos fornecedores, temos 20 escritórios verdes, onde damos serviço de assistência técnica e de recuperação. Se ele não está em compliance, nós ajudamos ele a ficar compatível com a legislação brasileira e com as nossas políticas de compra.

 

Para os pequenos [produtores], que são os assentados, nós temos o fundo JBS pela Amazônia ajudando a regenerar o solo, plantar cacau, coisas que conseguem multiplicar por quatro a renda do produtor.

 

O sr. vê a atividade da JBS no Brasil sendo carbono negativo daqui uns anos?

Hoje, 98,5% [das nossas emissões] estão no escopo 3 [emissões indiretas, associadas às atividades da cadeia de suprimentos da empresa]. Não são dentro de casa. Nós temos um conceito de zero desperdício, de negócios mesmo. Temos negócios de fertilizantes, por exemplo, pegamos óleos reusados, graxas, óleo de soja, fazemos o blend total e temos uma indústria de biodiesel. Somos a quinta indústria de biodiesel do Brasil.

 

E como olhar para esse fornecedor que entra no escopo 3?

Nós compartilhamos o escopo 3 com todo mundo. Esse é o grande desafio que ninguém resolve sozinho. É um trabalho colaborativo. Nosso grande foco tem sido o produtor, trabalhando com nossos fornecedores. Mas o mais difícil é nos pequenos produtores. Por isso, fizemos o fundo pela Amazônia e os escritórios verdes.

 

Estamos apoiando o Governo do Pará no projeto de ter rastreabilidade total [dos fornecedores], porque com isso é possível ter muito mais visibilidade e transparência na cadeia e aí você começa a identificar onde tem que focar as ações, especificamente de desmatamento ilegal.

 

Mas além do desmatamento tem a questão do metano.

O metano é uma questão muito importante, porque ele tem um potencial de contaminação 28 vezes maior [que o CO2], mas ele também dura menos tempo na atmosfera. Nós temos que baixar o metano.

 

Temos o [programa] Fazenda Nota 10, que busca fazer um adensamento da produção, uma intensificação e usar tecnologias regenerativas para ter um boi pronto muito antes. Isso encurta a necessidade de ficar emitindo metano por aí.

 

Os EUA têm um rebanho menor que o do Brasil e produzem mais carne. Então nós temos uma oportunidade enorme de avançar em produtividade. A outra questão é o uso de suplementos. Nós adotamos nos nossos confinamentos.

 

Nós testamos suplementos [nos últimos anos]. O último resultado que eu vi de um produto feito aqui no Brasil reduz em 77% as emissões e diminui o custo da alimentação em 10%.

 

O problema é o produtor ter condição de pagar?

Mas se ele reduz em 10% [o custo de alimentação], vai ser uma adoção muito simples.

 

Antes, quando custava muito mais caro [era difícil], porque o consumidor não paga mais caro por um produto sustentável. Não adianta querer passar o custo para frente, porque não vai. O custo não vai para frente.

 

E qual é hoje a prioridade da JBS no Brasil?

Nós sabemos hoje que dois terços da população [global] passam fome. Nós nos colocamos como uma empresa com a responsabilidade de alimentar as pessoas do mundo. Por isso que nós continuamos crescendo, expandindo os nossos negócios e buscando sempre ser o mais produtivo possível, para baixar os custos dos alimentos. Nós botamos a sustentabilidade no centro da nossa estratégia.

 

Até que ponto o atual cenário econômico local e global ajudam ou atrapalham?

Nós focamos as coisas que controlamos. Independentemente dos cenários, as pessoas precisam comer. Os EUA hoje estão com uma baixa no cenário da carne. No entanto, estão comendo mais frango, mais suínos. Nós criamos uma plataforma diversificada que é para navegar nos diferentes ciclos econômicos e nos diferentes ciclos das proteínas que produzimos.

 

Raio-x | Gilberto Tomazoni, 66

Engenheiro mecânico, com pós-graduação em gestão, trabalhou durante 27 anos na Sadia, onde começou como trainee e foi diretor-presidente. Entrou na JBS em 2013 como presidente global do negócio de aves e foi CEO da Seara. Em 2018, foi nomeado CEO Global da JBS (Folha, 26/11/24)