Cooperativismo e democracia
Por Roberto Rodrigues
Cerca de 51,6 milhões de brasileiros são beneficiados por cooperativas.
Ontem, 7 de julho, foi comemorado no mundo inteiro o Dia Internacional do Cooperativismo, o que acontece todos os anos no primeiro sábado de julho. No mundo inteiro? Sim, Cooperativismo é uma doutrina global definida como “aquela que visa corrigir o social através do econômico”.
Seu instrumento, as cooperativas, só começaram a dar certo em meados do século 19 com o advento da Revolução Industrial na Europa, fato que levou milhares de pessoas ao desemprego e contribuiu para a concentração da renda no Velho Continente. Os excluídos encontraram nas cooperativas um mecanismo de reinclusão social e o modelo se esparramou pelo mundo todo, em qualquer tipo de atividade econômica, social e cultural, chegando hoje a incorporar mais de 1 bilhão de pessoas filiadas a algum tipo de cooperativa. Se cada associado desses tiver três dependentes, o conjunto de pessoas ligadas diretamente ao movimento cooperativista atinge mais de 4 bilhões de cidadãos, acima da metade da população do planeta. É, portanto, um movimento gigantesco que está em todos os países, independentemente de regime político ou ideologia. Aliás, como toda doutrina, o Cooperativismo está baseado em princípios universalmente aceitos, entre os quais está o da neutralidade política, religiosa, racial e de gênero.
Em cada país existem organizações de representação do movimento que estão filiadas à Aliança Cooperativa Internacional (ACI), hoje sediada em Bruxelas, que é órgão assessor da ONU e é responsável pela defesa da doutrina no mundo todo. No Brasil, a lei que rege a criação e funcionamento de cooperativas é de 1971 e prevê a liderança do movimento pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), que vem desenvolvendo excelente trabalho de representação do setor.
Segundo estimativas da OCB, cerca de 51,6 milhões de brasileiros são beneficiados direta ou indiretamente pelos diversos ramos do Cooperativismo aqui existentes: agropecuário, de crédito, de consumo, habitacional, educacional, de trabalho, de saúde, de transporte (cargas ou passageiros), especiais (para pessoas com deficiências), de infraestrutura (telefonia e eletrificação), de produção, minerais (de garimpeiros), de turismo e lazer.
E três são os setores que mais vêm crescendo: o agropecuário, o de crédito e o de saúde (Unimeds, Uniodontos).
As cooperativas agropecuárias são cerca de 1.590 e associam pouco mais de 1 milhão de agricultores, dos quais 80% são pequenos ou médios. Explica-se: com a economia globalizada, as margens por unidade de produto do agro são muito pequenas, de modo que o lucro na atividade se dá pela escala. Ora, por definição os pequenos não têm escala e só conseguem atingi-la em conjunto, através das cooperativas, que também lhes fornecem assistência técnica, os insumos adequados a melhor preço do que teriam no mercado, crédito, armazenagem, industrialização e comercialização interna ou externa.
Esse segmento emprega 180 mil pessoas diretamente e, de acordo com dados do IBGE (a serem agora confirmados com o Censo Agropecuário realizado em 2017/18), 48% de toda a produção agrícola nacional passa pelas cooperativas: são 74% da produção de trigo, 57% da de soja, 48% da de café, 43% da produção de milho, 39% da de leite e assim por diante. A produção de aves e suínos de cooperados supera 30%. No ano passado, as cooperativas do agro exportaram U$ 6,2 bilhões para 147 países.
O cooperativismo de crédito é outro segmento com crescimento espetacular: de 2007 a 2017, o número de cooperados passou de 3,2 milhões para 9,8 milhões. São hoje 986 cooperativas que operam em regiões onde os bancos comerciais não têm interesse: em 564 municípios brasileiros a cooperativa de crédito é a única instituição financeira. Os ativos delas saltaram de R$ 26 bilhões em 2007 para R$ 256 bilhões em 2017.
E as cooperativas do ramo Saúde atendem 38% dos brasileiros com assistência médica.
E por aí vai: as cooperativas de táxis transportam 2 bilhões de passageiros por ano; 428 milhões de toneladas de carga são transportadas pelas cooperativas. Cerca de 807 municípios são atendidos por cooperativas de eletrificação.
Enfim, é um movimento crescente, inclusivo e democrático por definição: nas cooperativas, cada cooperado tem um único voto, independentemente do número de quotas-parte que possua.
Não é por outra razão que no dia de ontem a ACI convocou os cooperadores todos: “Vamos construir sociedades sustentáveis por meio da cooperação; é possível crescer com democracia, equidade e justiça social” (Roberto Rodrigues é ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas; O Estado de S.Paulo, 8/7/18)