COP do clima termina com avanços, mas deixa grandes decisões para 2018
Sem contar com o protagonismo dos Estados Unidos e sob a presidência de Fiji, a COP-23, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, reviveu as tensões entre os países em desenvolvimento e o bloco dos desenvolvidos.
O evento, que reuniu delegações de mais de 190 países, teve duas semanas de brigas para evitar retrocessos nos compromissos para redução de emissões e financiamento das ações climáticas, sobrando pouco espaço para conquistas. As negociações mais duras acabaram ficando para a COP do ano que vem, na Polônia.
No último dia, Fiji buscou garantir a formalização do fundo de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, o que estendeu a conferência até as 4h da manhã deste sábado (17). Além do fundo, a COP aprovou o formato do diálogo que, ao longo do ano que vem, deve encorajar os países a aumentar a ambição nas suas metas climáticas.
Enquanto os EUA são o maior responsável histórico pelas emissões de carbono no mundo, Fiji figurou neste ano entre os três países mais vulneráveis aos efeitos da mudança, de acordo com o ranking da German Watch.
Junto ao grupo das pequenas ilhas, a presidência da COP-23 queria aumentar a ambição nas metas nacionais e o comprometimento com fundos para adaptação ao clima e compensação por perdas e danos.
Mas a ausência americana contribuiu para o receio e a desconfiança dos países em melhorar seus compromissos.
Segundo um dos negociadores ouvidos pela reportagem, os países estão fazendo suas contribuições ainda sob a expectativa de que os Estados Unidos voltem para o Acordo de Paris. Ele compara a situação com alguém que, depois de um jantar caro, não aparece para pagar a conta. "Estamos pagando por ele, mas esperando que ele volte com a carteira", diz.
Devido ao clima de apreensão e às incertezas, alguns movimentos externos às negociações foram frontalmente combatidos pelos países em desenvolvimento, que perceberam tentativas de retrocesso no compromisso das nações desenvolvidas.
PROTOCOLO DE KYOTO
Durante a conferência, delegações como a brasileira foram contundentes ao exigir que os países ratificassem nos seus parlamentos a segunda fase do Protocolo de Kyoto. A extensão do primeiro pacto climático precisa ser aprovada para que o mundo não fique sem nenhum acordo até 2020, quando o Acordo de Paris passa a vigorar.
Embora o protocolo esteja prestes a expirar e sua aprovação tenha pouco efeito prático sobre as emissões de carbono, os países em desenvolvimento passaram um recado claro aos desenvolvidos: a diferença histórica de responsabilidades pelo clima prevista em Kyoto está valendo.
Ela inclui a obrigação dos desenvolvidos em reduzir emissões e também em financiar as ações climáticas dos países em desenvolvimento. Como resultado, a ONU deverá cobrar dos países a ratificação do Protocolo de Kyoto e, em 2019, um relatório comprovando as ações nacionais.
Outra briga que ocupou os diplomatas na COP-23 também veio de fora da agenda das negociações: trata-se dos critérios de financiamento usados pelos fundos de apoio às ações climáticas, como o Fundo Verde do Clima, financiado pelos países desenvolvidos.
Segundo o critério do Banco Mundial, apenas países de baixa renda podem receber doações, enquanto a ajuda a países de renda média deve se dar por empréstimo. A tentativa de importar o conceito do mundo financeiro para os fundos do clima irritou os países em desenvolvimento.
Calculado a partir do PIB per capita, o critério do Banco Mundial permitiria apenas ao Haiti, dentre todos os países da América Latina, receber apoio financeiro para ações climáticas.
"O conceito inviabilizaria o cumprimento dos compromissos climáticos dos países em desenvolvimento", acusou o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Antônio Marcondes. Na quinta-feira, os países conseguiram aprovar um documento que garante acesso ao Fundo Verde do Clima para todos os países em desenvolvimento.
Diplomatas de diferentes blocos consideraram o tímido progresso em itens técnicos –como o monitoramento das metas de redução– suficiente para que a regulamentação do Acordo de Paris seja concluída dentro do prazo, no ano que vem.
A presidência de Fiji ainda foi considerada bem sucedida por conseguir avançar nas agendas sociais do Acordo de Paris, com planos sobre educação, gênero e participação dos povos indígenas no contexto das mudanças climáticas.
MERKEL E MACRON
Discursaram na conferência mais de 130 ministros de meio ambiente, incluindo o brasileiro, Sarney Filho, além de 25 chefes de Estado. Sem o protagonismo americano, as atenções dos mais de 20 mil participantes se voltaram para a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron.
"Nós sabemos da nossa responsabilidade aqui, ainda usamos muito carvão", admitiu Merkel, que desapontou o público ao não apresentar um plano para a transição energética. "Mesmo em um país rico como a Alemanha esses conflitos precisam ser resolvidos de maneira calma e confiável", justificou.
Já o presidente francês tentou trazer otimismo para o evento climático. Anunciou que deverá cobrir a ausência de financiamento americano para o IPCC, o painel científico da ONU sobre mudanças climáticas, com € 2 milhões anuais. "Proponho que a Europa substitua a América e a França vai cumprir o desafio".
Como Barack Obama fez em 2015, Macron defendeu a precificação do carbono como caminho para incentivar o mercado em direção a uma economia mais limpa. E foi além, sugerindo que a emissão de carbono seja considerada nos acordos de comércio internacional. "Não deveríamos ter livre comércio com países menos ambiciosos que nós, pois isso reduziria nossa ambição coletiva", provocou o francês (Folha de S.Paulo, 19/11/17)
Governo brasileiro avalia resultados da COP23
Os mais de 190 países signatários da Convenção do Clima deram um passo à frente no enfrentamento ao aquecimento global. Nesta sexta-feira (17/11), a comunidade internacional encerra a 23ª Conferência das Partes (COP 23) sobre mudança do clima, em Bonn, com avanços na regulamentação para implementação do Acordo de Paris, pacto mundial em que cada nação deverá fazer sua parte para frear o aumento da temperatura média do planeta e, assim, evitar os prejuízos associados como secas e enchentes.
A regulamentação do Acordo tem de ser concluída no próximo ano e depende de um consenso global sobre pontos cruciais. O financiamento das ações de corte de emissões de carbono e a avaliação das metas de cada país são alguns desses temas. “Nós conseguimos avançar em Bonn em direção aos nossos objetivos comuns, mas essa é uma jornada ambiciosa e todos os países vão precisar acelerar daqui para a frente”, declarou o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, chefe da delegação brasileira na Conferência.
Os resultados da política ambiental do Brasil foram apresentados à COP 23. Na sessão plenária do segmento de alto nível, Sarney Filho anunciou o lançamento do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que permitirá ao país restaurar 12 milhões de hectares até 2030, conforme proposto na contribuição nacional ao Acordo de Paris. Além disso, o ministro destacou que tramita, no Legislativo, o projeto para instituir a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio).
A redução de 16% do desmatamento na Amazônia Legal também foi enfatizada pelo ministro e classificada como positiva pela comunidade internacional. Sarney Filho anunciou, em evento paralelo na COP 23, a redução de 28% do desmatamento em unidades de conservação federais. Ambos os dados foram registrados entre agosto de 2016 e julho de 2017. “Estamos satisfeitos com essa inversão da curva, mas queremos ir muito além disso”, declarou o ministro.
RESULTADOS DAS NEGOCIAÇÕES NA COP-23
Bonn, Alemanha, 17 de novembro
A COP-23 encerrou a fase mais conceitual das discussões da regulamentação do Acordo de Paris, com a produção de elementos que servirão de base às negociações em 2018, e também adotou decisões para promover maiores esforços dos países no combate à mudança do clima.
O Brasil teve atuação destacada nas principais discussões, contribuindo também com posições técnicas para o avanço dos trabalhos e atuando no âmbito do grupo dos países em desenvolvimento (G-77 e China), do BASIC (com África do Sul, Índia e China) e do A-B-U (com Argentina e Uruguai). Os negociadores brasileiros mantiveram diálogo constante com outros grupos e países influentes nas negociações e interação constante com a sociedade brasileira presente ou representada na COP, inclusive por meio da organização de duas reuniões de informação. A delegação brasileira foi chefiada pelo Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, e a equipe negociadora do governo brasileiro esteve composta por funcionários do Ministério das Relações Exteriores, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, FUNAI e Embrapa.
A. Diretrizes de implementação dos compromissos do Acordo de Paris
Os países concordaram em encaminhar textos-base para a negociação das diretrizes para implementar os compromissos assumidos sob o Acordo nas áreas de mitigação, adaptação, financiamento, transparência, mercados, avaliação global e cumprimento, entre outras. O Brasil, inclusive em conjunto com Argentina e Uruguai, apresentou aportes técnicos importantes que contribuíram para avançar os trabalhos. Serão realizadas reuniões ao longo de 2018, com vistas a concluir as diretrizes na próxima COP (Polônia, nov/2018).
B. Ações pré-2020
A atuação de alto perfil do Brasil contribuiu para convencer os países desenvolvidos a concordar que as ações dos países no período pré-2020 voltassem ao centro da pauta internacional. A cada ano, até 2020, cada COP organizará eventos de alto nível para avaliar o estado-da-arte da implementação dos compromissos pré-2020. Tais eventos servirão para informar as ações dos países, inclusive como forma de se buscar aumentar a ambição coletiva desde já até 2020 e promover a entrada em vigor da Emenda de Doha ao Protocolo de Quioto.
C. Elegibilidade para acesso a recursos de fundos internacionais
O Brasil defendeu que todos os países em desenvolvimento tenham a oportunidade de acessar, sem restrições arbitrárias, os recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e do Fundo Verde do Clima (GCF), ressaltando que as regras de elegibilidade devem estar em linha com o determinado pela Convenção e pelo Acordo de Paris, e não com parâmetros de outros órgãos de financiamento. Restrições artificiais e unilaterais no acesso a esses recursos poderiam dificultar a implementação das ações dos países em desenvolvimento e impedir o aumento de sua ambição.
D. Plataforma para povos indígenas e comunidades tradicionais
A COP decidiu pôr em operação a Plataforma, cujo objetivo é promover de forma holística e integrada o intercâmbio de experiências e o compartilhamento de práticas de mitigação e adaptação dos povos indígenas e comunidades tradicionais. O Brasil foi um dos firmes defensores da entrada em operação da Plataforma, com negociadores brasileiros em diálogo constante com os representantes de povos indígenas brasileiros presentes na COP.
E. Diálogo Facilitativo 2018
A Presidência da COP-23 (Fiji) apresentou proposta de formato “Talanoa”, tradição de Fiji de compartilhamento de posições e experiências. O Diálogo, a ocorrer em 2018, deverá avaliar os esforços coletivos para alcançar a os objetivos do Acordo de Paris. O Brasil ofereceu como exemplo a bem-sucedida experiência com os Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável, realizados em preparação e durante a Conferência Rio+20, em 2012 (Assessoria de Comunicação, 17/11/17)