Cosan vive novela tributária que poderá custar R$ 1 bilhão
Impasse entre empresa, Receita Federal e Justiça arrasta há 20 anos decisão sobre cobrança de Cofins.
A Receita Federal abriu em julho deste ano novo capítulo de uma novela que já dura mais de duas décadas sobre um crédito tributário a ser cobrado da Cosan que, em valores atuais, supera a cifra de R$ 1 bilhão.
Nesse período, decisões judiciais contraditórias e falhas de comunicação entre Receita e Procuradoria da Fazenda Nacional adiaram a cobrança.
Um ato de 2010 que considerou o crédito prescrito (fora do prazo para cobrança), agora anulado pelo próprio Fisco, pode colocar em risco a cobrança após vitória judicial obtida em 2017. A Folha teve acesso a documentos da Receita e da Procuradoria sobre o caso.
A celeuma gira em torno da possibilidade ou não da incidência de Cofins sobre derivados de petróleo na década de 1990. A Esso, adquirida pela Cosan em 2008, deixou de pagar o tributo de fevereiro de 1995 a abril de 1999. Na época, somavam R$ 227,6 milhões.
A Esso questionou judicialmente a cobrança em 1992. A petroleira propôs duas ações similares que tramitaram em paralelo. Isso resultou em duas decisões contraditórias.
Um processo se encerrou em 1995 com um acórdão do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) favorável à Esso, o outro terminou em 2000 com vitória da União no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em 2000, a Procuradoria Regional da Fazenda Nacional no Rio de Janeiro propôs uma ação rescisória no TRF-2 para anular o acórdão que beneficiara a petroleira, a fim de uniformizar a posição do Judiciário sobre o tema.
Mesmo com a vitória em 2000 no STF, a Receita não cobrou o imposto devido. A Procuradoria só orientou sobre a necessidade em 2005, mas ainda assim o Fisco não adotou as medidas necessárias. O crédito voltou a ser discutido pelas autoridades em 2009. As divergências começaram ali.
A Divisão de Maiores Contribuintes elaborou relatório no qual reconhecia a necessidade de cobrança, mas classificou o caso como de "alta complexidade, demandando uma reflexão mais ampla".
O Fisco pediu à Procuradoria que se manifestasse sobre o cálculo de prescrição para cobrança do imposto. Esse prazo era de dez anos até 2008, quando foi reduzido para cinco por decisão do STF.
O então procurador da Fazenda Marcus Abraham respondeu que, desde 2000, quando o STF deu ganho à União, o fisco tinha o dever de cobrar os tributos devidos.
O então procurador, atualmente juiz federal no TRF-2, não indicou o início do cálculo da prescrição ou se a contagem para esse fim permaneceria suspensa em razão das ações judiciais em curso.
O então chefe da Divisão de Maiores Contribuintes concluiu em março de 2010 que, como o imposto deveria ter sido cobrado desde 2000, sua prescrição ocorreu em 2005.
A Delegacia de Fiscalização pediu reexame do caso a Abraham. O procurador respondeu em termos semelhantes.
Uma delegada da Receita no Rio de Janeiro assinou o reconhecimento da prescrição do crédito em dezembro de 2010.
Em 2017, a União conseguiu rescindir a decisão do TRF-2 que dava razão à Esso. A Cosan recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Em junho deste ano, a Procuradoria emitiu novo parecer, afirmando que a contagem do tempo para a prescrição ficou suspensa desde 1995, e a Receita voltou a cobrar o débito.
A Cosan afirma agora que a anulação da prescrição não tem previsão legal, por ter ocorrido cinco anos depois. Esse é o prazo máximo pela lei da administração pública federal para que atos do tipo possam ser anulados. Aponta ainda que o fisco e a Procuradoria alteraram sua análise sobre o caso.
A Superintendência da Receita no Rio disse que o procedimento transcorreu dentro dos ditames legais e que todas as diligências necessárias e cabíveis foram adotadas. A Procuradoria afirmou que todos os atos foram pautados no estrito cumprimento das decisões judiciais.
A NOVELA BILIONÁRIA DA COSAN
1. Abr. e set.92
Esso entra com 2 ações para não pagar Cofins sobre derivado de petróleo
2. Mar.95
TRF-2 decide a favor da Esso na 2ª ação
3. De abr.95 a fev.99
Esso deixou de pagar R$ 227,6 milhões em Cofins --cerca de R$ 1 bilhão em valores atuais, considerando juros e multas
4. Mai.2000
STF decide a favor da União na 1ª ação
5. Ago.00
União propõe ação rescisória para tornar nulo o acórdão da 2ª ação para que prevaleça a vitória no STF, na 1ª ação
6. Jul.05
PRFN (Procuradoria Regional da Fazenda Nacional do RJ) determina que Cofins sejam cobradas, mas Receita Federal não adota as medidas necessárias
7. Jun.09
Receita identifica resultado favorável na 1ª ação e debate cobrança com PRFN
8. Jul.09
Fisco aponta situação jurídica de alta complexidade e faz questionamentos à PRFN, entre eles qual data deve ser considerada para início da contagem de prazo para prescrição
9. Nov.09
PRFN afirma que orientação de 2005 é de
10. Mar.10
Divisão de Maiores Contribuintes da Receita Federal sugere que o crédito tributário seja considerado prescrito, pois já havia se passado mais de cinco anos desde a vitória no STF
11. Abr.10
Delegacia de Fiscalização pede reexame do caso à PRFN
12. Mai.10
PRFN envia resposta nos mesmos termos da anterior
13. Dez.10
Delegacia da Receita Federal no RJ reconhece a prescrição, extinguindo o crédito tributário
14. Fev.12
Denúncia anônima sobre o caso é encaminhada à Corregedoria, atribuindo responsabilidade à então delegada Mônica Paes Barreto, que assinou o ato
15. Jul.12
Corregedor Christiano Paes Leme exime a delegada de responsabilidade após receber suas explicações e sugere a formação de um grupo de trabalho
16. Ago.13
Grupo de trabalho atribui a prescrição a falhas no monitoramento de ações judiciais e encerra a apuração sem responsabilizar servidores
17.Jun.17
União obtém vitória na ação rescisória e anula acórdão da 2ª ação, favorável à Esso --adquirida pela Cosan em 2008
18. Jun.19
PRFN afirma em parecer que contagem do prazo para prescrição esteve interrompida desde 1995, quando foi proferido acórdão em favor da Esso na 2ª ação
19. Jul.19
Receita anula ato que reconheceu a prescrição de crédito tributário
20. Ago.19
Cosan afirma ser ilegal a anulação, por ter ocorrido mais de cinco anos após a assinatura, o que contrariam as regras da administração (Folha de S.Paulo, 3/11/19)