CPI do MST inicia sob controle ruralista e com Salles na relatoria
CPI do MST-quarta-feira (17-5-23) -foto- Bruno Spada-Divulgação Câmara dos Deputados
Dos 23 nomes indicados até o momento, 17 são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária.
A CPI que irá investigar a atuação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foi instalada nesta quarta-feira (17) em uma sessão marcada por ataques ao movimento e pela troca de acusações entre parlamentares ruralistas e governistas.
Em um revés já esperado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os principais postos da comissão ficaram nas mãos de representantes da bancada do agronegócio e ligados à oposição. O presidente será o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), e o relator será Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro (PL).
O PT ficou escanteado e não conseguiu emplacar nenhum aliado próximo nas outras posições de comando da CPI. Kim Kataguiri (União Brasil-SP) será o primeiro vice-presidente; Delegado Fabio Costa (PP-AL) será o segundo vice-presidente; e Evair Vieira de Melo (PP-ES) será o terceiro vice-presidente.
Além disso, a CPI terá entre seus membros uma maioria de parlamentares ligados à pauta ruralista —no total, serão 27 titulares e 27 suplentes. Dos 23 nomes titulares indicados até a tarde desta quarta, 17 são integrantes da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), uma das maiores forças da Casa.
União Brasil, PP, Republicanos e PL, por exemplo, indicaram somente membros da frente parlamentar para serem titulares. O MDB, que integra a base do governo, escolheu um integrante da FPA.
O PDT e o PSD, também legendas da base governista, escolheram deputados que não integram a frente parlamentar. Já o PT indicou nomes ligados ao movimento sem terra e escalou a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann (PR), para integrar a CPI como suplente.
Além de Gleisi, os petistas indicados foram: João Daniel (SE), Marcon (RS) e Valmir Assunção (BA), ligados ao MST; Padre João (MG), Camila Jara (MS), Paulão (AL) e Nilto Tatto (SP) —o único entre os petistas que é membro da FPA.
Segundo o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR), a CPI tem "objetivo equivocado" e o trabalho dos parlamentares petistas será transformá-la numa "vitrine das boas práticas do MST, de como ele se profissionalizou e de seu papel social".
Já Valmir Assunção afirmou que a oposição tenta fazer da comissão um palanque político. "Vocês perderam as eleições. Agora criam a CPI para ter palanque para o grupo bolsonarista. Vocês não estão preocupados com os pequenos [produtores], estão preocupados em criminalizar os movimentos sociais", disse.
A sessão desta quarta foi marcada por uma artilharia da oposição contra o movimento, que teve poucas vozes a seu favor. Além dos petistas presentes, também saíram em defesa as deputadas Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ), titular e suplente da CPI, respectivamente.
Como a Folha mostrou, deputados alinhados à pauta ruralista querem usar a comissão para endurecer a pena contra invasão de terras no país e desgastar o governo federal —o MST é um aliado histórico de Lula.
A avaliação de membros da oposição na Câmara é que a CPI deve ser a que causará maior ponto de desgaste ao Planalto. Também foram instaladas nesta quarta as CPIs da Americanas e a das Apostas Esportivas.
A primeira será presidida por Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) e terá relatoria de Carlos Chiodini (MDB-SC). Os deputados Julio Arcoverde (PP-PI) e André Figueiredo (PDT-CE) foram eleitos, respectivamente, presidente e vice-presidente da CPI das Apostas Esportivas. O líder do blocão da Câmara, Felipe Carreras (PSB-PE), foi escolhido o relator.
À noite, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), que presidia a sessão plenária da Câmara, leu o requerimento para a criação da CPI que irá investigar esquemas de pirâmides financeiras com uso de criptomoedas.
Proposta pelo deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), líder da legenda na Casa, a CPI terá 32 membros titulares e 32 suplentes.
As comissões se somam à CPI mista dos ataques de 8 de janeiro (formada por deputados e senadores) e que vem perdendo força nas últimas semanas.
O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), leu o requerimento que cria a comissão no último dia 26, mas não há uma data para que ela seja instalada —muitos partidos nem sequer indicaram seus membros.
O deputado federal Arthur Maia (União Brasil-BA), cotado para assumir a presidência da CPI mista, afirmou nas redes sociais na noite de quarta que a comissão atingiu quórum necessário para ser instalada. "Falei há pouco com o senador Rodrigo Pacheco e fui informado que a instalação do colegiado acontecerá na próxima terça-feira (23)", escreveu.
Na sessão desta quarta na CPI do MST, Sâmia Bomfim chegou a apresentar uma questão de ordem para tentar barrar a indicação de Salles como relator. Ela afirmou que o ex-ministro teria interesses diretamente relacionados ao conteúdo da matéria, que ele é investigado por crimes relacionados ao meio ambiente e que quer "criminalizar movimentos sociais".
Ao final de sua fala, Sâmia disse que o objetivo da CPI era "tirar atenção dos verdadeiros crimes que foram cometidos" no Brasil. "Na tentativa de golpe de estado no dia 8 de janeiro, na rachadinha do gabinete dos filhos do Bolsonaro, da esposa", disse.
Os parlamentares presentes vaiaram a psolista e o presidente Zucco indeferiu a questão de ordem.
Em seguida, houve um bate-boca entre Sâmia e Éder Mauro (PL-PA). Ele afirmou que o MST é um grupo "composto por bandidos e por desocupados" e saiu em defesa de Salles. "O que vai ser tratado aqui é invasão de terra por bandidos financiados por esse governo."
Sâmia respondeu, então, que o parlamentar "responde pelo crime de tortura". "Você responde pelo crime de tortura, meu senhor, e vem falar de movimento social? Coloque-se no seu lugar."
Procurado para comentar a fala de Sâmia, a assessoria do deputado disse que ele não comentaria.
MEMBROS DA CPI (INDICADOS ATÉ A NOITE DE QUARTA)
TITULARES
Alfredo Gaspar (União Brasil-AL)
Ana Paula Leão (PP-MG)
Capitão Alden (PL-BA)
Caroline de Toni (PL-SC)
Charles Fernandes (PSD-BA)
Delegado Éder Mauro (PL-PA)
Domingos Sávio (PL-MG)
Evair Vieira de Melo (PP-ES)
Hercílio Coelho Diniz (MDB-MG)
Kim Kataguiri (União Brasil-SP)
Lucas Redecker (PSDB-RS)
Magda Mofatto (PL-GO)
Max Lemos (PDT-RJ)
Messias Donato (Republicanos-ES)
Nicoletti (União Brasil-RR)
Nilto Tatto (PT-SP)
Padre João (PT-MG)
Paulão (PT-AL)
Ricardo Salles (PL-SP)
Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS)
Valmir Assunção (PT-BA)
Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
SUPLENTES
Camila Jara (PT-MS)
Clarissa Tércio (PP-PE)
Coronel Assis (União Brasil-MT)
Coronel Chrisóstomo (PL-RO)
Coronel Ulysses (União Brasil-AC)
Delegada Katarina (PSD-SE)
Diego Garcia (Republicanos-PR)
Dr. Frederico (Patriota-MG)
Geovania de Sá (PSDB-SC)
Gleisi Hoffmann (PT-PR)
Gustavo Gayer (PL-GO)
João Daniel (PT-SE)
Joaquim Passarinho (PL-PA)
Marcon (PT-RS)
Marcos Pollon (PL-MS)
Rafael Simões (União Brasil-MG)
Rodolfo Nogueira (PL-MS)
Tião Medeiros (PP-PR)
Talíria Petrone (PSOL-RJ) (Folha de S.Paulo, 18/5/23)
Bruno Boghossian
Descrição de chapéuCPI DO 8 DE JANEIRO
CPI do MST começa com palco para oposição e exige energia do governo
Por Bruno Boghossian
Comissão será presente para bolsonaristas, mas deve fazer poucos estragos sobre Lula.
O deputado Luciano Zucco já se referiu a Lula como ex-presidiário e comparou a ocupação de terras pelo MST ao terrorismo. Ricardo Salles disse que gestões petistas são lenientes com invasões. Kim Kataguiri sentenciou, aos 100 dias de mandato, que o atual governo é desastroso.
Presidente, relator e vice-presidente terão palco livre na CPI que foi instalada para investigar a atuação do MST, mas tem o governo como alvo principal. A comissão dificilmente conseguirá fôlego suficiente para atrapalhar Lula, mas deve manter os oposicionistas agitados e exigir uma dose extra de mobilização política do Planalto.
A ideia de rivais do petista é usar a CPI para propor o endurecimento de leis contra a invasão de terras (incluindo áreas improdutivas), mas também traçar ligações do governo com os sem-terra. Considerando que Lula e seus auxiliares já emprestam apoio público ao movimento, a existência da investigação só se explica pelo desejo de fustigar o petista.
Os riscos para o Planalto são os atalhos que a oposição pode buscar para fazer estragos. Um desses caminhos seria uma pouco justificável aprovação em massa de quebras de sigilo de dirigentes do MST e de políticos ligados ao PT.
Se algo do tipo ocorrer, o governo terá que brigar no STF, uma vez que a composição da CPI dá ao governo pouca margem para conter no voto os planos da oposição. Críticos de Lula são maioria na comissão, cujas vagas foram distribuídas como uma espécie de presente aos bolsonaristas que integram cada partido.
Mesmo a União Brasil, com três ministérios no governo, adotou esse método. Além de Kataguiri, o partido tem na CPI um deputado que ligou Lula ao crime organizado e outro que pediu a queda do presidente no primeiro dia de legislatura.
A escolha dos nomes foi vista pelo Planalto como um recado, mas o governo preferiu poupar energias na relação com a legenda. Auxiliares de Lula querem guardar capital para evitar derrotas em arenas mais sensíveis, como a CPI do 8 de janeiro (Folha de S.Paulo, 18/5/23)