Cuidado com o retrocesso – Por Adriano Pires
PL 7.401/2017 é um retorno ao passado, com exigências excessivas e trazendo de volta a reserva de mercado.
Tramitam na Câmara federal dois Projetos de Lei (PLs) – n.º 7.401/2017 e n.º 9.302/2017 (apensado) – que visam a restabelecer os altos porcentuais de obrigação de conteúdo local para exploração e produção de óleo e gás que existiam até 2017. Esses projetos representam um gigantesco retrocesso, porque a experiência brasileira, principalmente nos governos do PT, mostra que a política de conteúdo local focou na criação de reserva de mercado, em que excessos de exigências custaram ao País investimentos, renda, empregos e corrupção. No governo FHC, a exigência de conteúdo local na fase de desenvolvimento da produção era de 30%; nos governos do PT, passou a ser de 65%. Imaginem isso em forma de lei. Porcentuais em lei não possibilitam flexibilidade para alinhamento ao mercado e vão acabar afastando investidores dos leilões de petróleo.
Um exemplo do insucesso da política de conteúdo local nos anos do PT foi a política de construção de oito plataformas em estaleiros “virtuais”. Os estaleiros virtuais foram mais uma invencionice do PT, que permitia que estaleiros que ainda viessem a ser construídos participassem da licitação para construção de plataformas. Entre 2014 e 2016, das 6 plataformas contratadas pela Petrobrás em 2012, o atraso médio foi de cerca de quatro anos (45 meses). Se somarmos os atrasos das 6 plataformas, daria um total de 22,4 anos (269 meses). Isso significou uma perda de valor para o consórcio de US$ 2,1 bilhões e uma perda de arrecadação por meio da participação governamental de US$ 6,4 bilhões.
As plataformas representam cerca de 1/3 do investimento no desenvolvimento de um novo campo. De acordo com a Petrobrás, no custo médio do casco os fornecedores brasileiros apresentaram sobrepreço neste período quase quatro vezes maior que a oferta internacional. Nos módulos instalados (compressão de CO2, injeção e exportação de gás e geração de eletricidade) o sobrepreço era de cerca de 50%.
As unidades de produção contratadas em 2015 e 2016 que ainda não foram entregues, como o FPSO Guanabara para o Campo de Mero e o FPSO Carioca para o Campo de Sépia, são dois outros exemplos dos problemas da política de conteúdo local da época. A entrada em operação dessas duas plataformas foi adiada, em relação ao projeto original, em 14 e 22 meses, respectivamente, causando perda de valor para o consórcio de US$ 1,4 bilhão e perda de valor de participação governamental de US$ 2 bilhões.
Em 2016, o Tribunal de Contas da União elencou críticas à política de conteúdo local ao destacar que seus objetivos eram genéricos, sem métricas para mensurar resultados. Não havia curvas de aprendizado nem marcos de revisão previstos ou estudos técnicos direcionados. O número elevado de pedidos de waivers (pedido de perdão ou adiamento de um compromisso) era uma prova de que a política necessitava de avaliação de seus custos de implantação e manutenção.
Com o objetivo de voltar a atrair investidores para os leilões e conter excessos regulatórios, o Conselho Nacional de Política Energética definiu novos parâmetros para a política de conteúdo local, na Resolução n.º 7 de 2017. As mudanças melhoraram a competitividade do Brasil, diante de outros países, por investimentos da indústria de petróleo global.
Os porcentuais de conteúdo local a partir da 14.ª rodada de concessão foram bem mais próximos à capacidade da indústria doméstica. Foi extinta a tabela de compromisso cujas exigências para itens e subitens geravam reserva de mercado, retirada do conteúdo local como variável de leilão e fim do mecanismo de waiver. Para os contratos anteriores à 14.ª rodada, existe a previsão da migração dos compromissos dos contratos de concessão, cessão onerosa e partilha, adequando os índices e retirando o direito de waiver.
O PL 7.401/2017 representa um retorno ao passado, com as exigências excessivas, redução de investimentos e de empregos, trazendo de volta a reserva de mercado. A política de conteúdo local correta é aquela que incentiva a eficiência e promove a criação de empresas competitivas no mercado internacional. Para que isso aconteça, a política de conteúdo local tem de ter dia para começar e para terminar (Adriano Pires é diretor do CBIE – Centro Brasileiro de Infraestrutura; O Estado de S.Paulo, 14/12/1)
Políticos aumentam ataques à Aneel e geram reação no setor elétrico
ENERGIA
ANEEL
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tem sofrido forte pressão de políticos nos últimos meses, em uma tensão que chegou ao ápice na última terça-feira, durante reunião pública semanal da diretoria do órgão regulador.
Parlamentares da bancada de Rondônia atacaram diretores e servidores da agência em meio à discussão do reajuste nas contas de luz da empresa que atende o Estado, a Energisa, que também foi alvo, o que gerou uma reação no setor e levou uma importante associação de investidores a divulgar uma nota de repúdio.
O deputado federal Mauro Nazif (PSB-RO) chamou representantes da Energisa de “ladrões”, enquanto acusou a Aneel e seus funcionários de “covardia” e de serem “totalmente parciais” no debate.
“Vocês estão querendo trabalhar lascando os outros? Trabalhar apunhalando as pessoas?”, questionou ele, aos gritos, o que paralisou por alguns minutos a reunião do regulador.
As pesadas críticas dos parlamentares vieram mesmo após elevação média de apenas 0,1% nas tarifas estaduais.
O Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), que reúne entidades de empresas de geração, transmissão e distribuição de energia, entre outras, definiu o caso como “uma situação alarmante e de extremo desrespeito às instituições e à sociedade em geral”.
A associação ainda disse que “apoia a postura da Aneel na condução dos processos que são de sua atribuição, ao tempo que defende a independência da instituição”.
NOVA POLÍTICA
Um dos diretores da Aneel, Sandoval Feitosa, avalia que a forte renovação dos quadros do Congresso e em outros cargos nas últimas eleições está por trás do acirramento da tensão entre o órgão regulador e a classe política.
“Diria que no momento político atual houve uma grande renovação política, e muitos dos políticos que estão hoje aí não conhecem a estrutura administrativa do governo de uma forma geral”, disse ele à Reuters.
“A agência tem um rito de trabalho, que já está aí há mais de 20 anos.”
Criada em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, a Aneel coloca como seu principal valor a autonomia. Embora sejam indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado, os diretores da agência têm mandato fixo e não podem ser substituídos.
Os reajustes tarifários, por exemplo, decorrem de cálculos complexos que levam em conta a regulação e são realizados por técnicos concursados.
Para o diretor-geral da autarquia, André Pepitone, o episódio com os parlamentares de Rondônia nesta semana “certamente não contribui para a formação de um ambiente de negócios seguro e saudável no país”.
“O diálogo é fundamental no exercício da regulação, mas atitudes desrespeitosas para com a instituição e seu corpo técnico, como vivenciamos na reunião de diretoria da Aneel da ultima terça-feira, não podem ser toleradas!”, defendeu, em nota à Reuters.
Além do deputado Nazif, outra parlamentar de Rondônia, Silvia Cristina (PDT), chegou a afirmar na reunião que o reajuste na tarifa de energia local seria “um assalto a mão armada”.
A Energisa afirmou em nota à Reuters que “cumpre de forma rigorosa a legislação federal que rege o setor e, por essa razão, não admitirá tentativas de difamação”.
OUTRAS PRESSÕES
A coordenadora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora da Aneel, Joísa Dutra, lamentou o caso, mas destacou entender que há um recente aprofundamento do movimento de políticos contra a agência reguladora, com foco em alguns temas específicos.
“Considero o episódio lamentável. Acompanho a agência, diria que desde sua criação, e não lembro que tenha havido momentos de tanta tensão.”
“Mas agora existem pressões enormes, eu diria que em três processos neste momento, relacionados à agência”, acrescentou.
Ela lembrou de queixas de políticos de Estados que tiveram elétricas privatizadas, incluindo Rondônia e Goiás, onde o governador Ronaldo Caiado tem prometido cassar a concessão da italiana Enel, responsável pela distribuição local; e debates sobre redução pela Aneel de subsídios à geração de energia solar por consumidores.
A Assembleia Legislativa de Goiás aprovou em primeira votação um projeto para rescisão do contrato da Enel Goiás, uma atribuição que seria da Aneel e do Ministério de Minas e Energia.
Já as discussões sobre a chamada geração distribuída, que geralmente envolve a instalação de painéis solares em telhados, chegou ao presidente Jair Bolsonaro, que disse em mais de uma ocasião em suas redes sociais ser contra a proposta da Aneel, mas destacou, em tom de queixa, que “as agências são independentes”.
O senador Major Olímpio (PSL-SP) afirmou em vídeo que circula nas redes sociais que uma frente parlamentar já obteve 303 assinaturas de deputados e 41 de senadores contra a atuação da Aneel para mudar as regras da geração distribuída.
“É uma coisa de louco, são órgãos de governo (agências) contra a manifestação do presidente da República” (Reuters, 13/12/19)