15/04/2019

Denúncia: De má-fé, irmãos Batista pediram R$ 6 bi a mais pela Eldorado

Denúncia: De má-fé, irmãos Batista pediram R$ 6 bi a mais pela Eldorado

Legenda: Claudio Cotrim é diretor-presidente da Paper Excellence no Brasil e foi diretor financeiro da Bracell; formado em administração de empresas, tem MBA em finanças empresariais

Diretor-presidente afirma que J&F solicitou mais do que teria direito em contrato para finalizar venda da fabricante de celulose.

Claudio Cotrim, diretor-presidente da Paper Excellence no Brasil, acusa a família Batista de ter solicitado R$ 6 bilhões a mais do que teria direito em contrato para finalizar a venda da fabrica de celulose Eldorado.

A J&F, holding dos negócios da família Batista, e a Paper Excellence estão em arbitragem por causa do controle da Eldorado —um negócio de R$ 15 bilhões que tinha previsão de ser concluído até 3 de setembro do ano passado.

“Achávamos que nosso contrato era forte, mas não há contrato que se defenda de má-fé”, disse Cotrim à Folha em sua primeira entrevista após o início da disputa.

A conversa ocorreu em um escritório de 1.800 metros quadrados que a Paper Excellence mantém com apenas dez funcionários na Avenida Faria Lima à espera do fim do litígio.

Segundo o executivo, a solicitação de mais dinheiro para fechar a aquisição partiu de Aguinaldo Gomes Ramos Filho, presidente da Eldorado, em reunião em Los Angeles em 25 de agosto de 2018.

Ramos Filho é sobrinho de Joesley e Wesley Batista, que estão afastados da gestão das empresas da família desde que fizeram uma delação premiada confessando que pagaram propina a políticos.

O nó da briga entre a Paper Excellence e a J&F está na liberação das garantias que a família Batista deu aos bancos pelos empréstimos da Eldorado.

A J&F diz que não pode finalizar o negócio antes de receber suas garantias de volta, enquanto a Paper acusa os Batista de utilizar manobras protelatórias para não fechar a transação e renegociar o contrato.

O sr. poderia explicar em detalhes como foi o processo de negociação da compra da Eldorado?

Assinamos o contrato com a J&F em 2 de setembro de 2017. Em 25 de setembro, pagamos por 13% da empresa. Três meses depois, em dezembro, tivemos de desmontar o FIP Florestal. 

Fizemos uma oferta para a Petros [fundo de pensão dos funcionários da Petrobras] e a Funcef [fundo de pensão dos funcionários da Caixa], que eram acionistas da Eldorado por meio do FIP Florestal.

O Joesley havia dito desde o início que essa era uma aquisição de R$ 15 bilhões [valor das ações mais a dívida], porque precisaríamos não só comprar a participação deles mas liberar as garantias que haviam sido dadas pelos empréstimos.

Portanto, depois de assinado o acordo, começamos a conversar com os bancos para equacionar a dívida. Na primeira visita que fizemos ao BNDES, ficou claro que a única forma de liberar as garantias seria por meio do pagamento total do débito.

 Por quê?

Os técnicos do BNDES nos disseram que o assunto do empréstimo da Eldorado era tóxico, porque o Joesley acabara de fazer uma delação premiada dizendo que pagara propina para obter o dinheiro.

A equipe do banco ressaltou ainda que funcionários haviam sido levados pela Polícia Federal para depor.

Ao mesmo tempo, éramos um grupo novo no Brasil e não tínhamos condições de pegar uma fiança bancária. Então fica decidido ali que a única forma de liberar as garantias seria o pagamento da dívida.

Há provas disso. Temos uma carta da Eldorado solicitando ao BNDES o pré-pagamento da dívida em fevereiro de 2018. Não há o que discutir que os dois lados estavam caminhando para a quitação do débito como a forma de liberar as garantias.

Em maio, outro documento assinado pelo Aguinaldo atesta que pré-pagar a dívida era a forma de liberar a garantia.

 Os advogados da J&F argumentam que seria mais simples substituir as garantias dadas pelos Batista por uma carta-fiança de um banco.

Quando fizemos o primeiro rascunho do contrato, havia uma cláusula sobre a exigência de “substituir” as garantias, mas nossos advogados foram contra. Nós não sabíamos como seria a negociação com os bancos. Então trocamos para “liberar” as garantias.

A cláusula diz que eu tenho a obrigação de liberar as garantias e eles têm a obrigação de cooperar comigo. Cooperar significa aprovar o que for necessário, assinar os documentos exigidos e atuar de forma diligente e expedita.

Se a cláusula diz que a minha obrigação é liberar as garantias, existem duas formas: substituir ou pagar.

No contrato, não diz que é proibido pagar ou que eu não poderia usar meu próprio dinheiro. E, para usar o meu dinheiro, tenho de passar parte desses recursos pela Eldorado.

 Por quê?

A Eldorado tem dívidas com o BNDES, o FI-FGTS, agências de fomento internacionais e bancos privados. Não consigo pagar às agências internacionais de fomento lá fora, nem ao FI-FGTS, que é uma debênture, diretamente.

Para pagar isso, a Eldorado precisa fechar o câmbio e fazer o pagamento em dólares. As agências de fomento não aceitaram que nós quitássemos diretamente.

A prova de que tenho boa-fé é que, no pedido feito à Justiça, solicitei que eles aceitassem R$ 2,3 bilhões dentro da Eldorado para que eu pagasse às agências, as debêntures do FI-FGTS e os financiamentos de máquinas. O restante —R$ 4 bilhões— seria quitado direto.

 O outro lado sustenta que um aporte na Eldorado diluiria a J&F sem que fosse concluída a transação. Como o sr. responde?

Qual é a lógica desse argumento? Queríamos comprar 100% das ações. Para que diluir? Tínhamos dinheiro para pagar a dívida, liberar as garantias e comprar a participação deles.

Nessa negociação, eles sempre abriam uma porta e fechavam outra.

Por exemplo: disseram que poderíamos conversar com os bancos e pedir um boleto de pagamento, mas exigiam que esse boleto fosse em nome da Paper Excellence. O banco não aceita isso.

Eles então afirmavam que, se o boleto fosse em nome da Eldorado e eu não pagasse, a empresa poderia falir. Ora, nós tínhamos dinheiro em caixa, para que pediríamos um boleto e não pagaríamos?

Temos uma carta enviada pelo BNDES sobre esse assunto. Nesse documento, o banco diz que o boleto tem de ser em nome da Eldorado, mas que, se não fosse pago, emitiriam outro com diferentes prazos e condições, sem multa.

Está claro que a forma que os Batista encontraram de bloquear a operação para que eu caísse no precipício em 3 de setembro de 2018 [data prevista para a conclusão da aquisição] era criar atitudes obstrutivas.

Legenda: Fábrica da Eldorado em Três Lagoas (Mato Grosso do Sul)

 Na sua opinião, qual teria sido a motivação da J&F para impedir a conclusão do negócio?

Quando compramos essa empresa, todos diziam que havíamos pago muito caro. Só que, enquanto negociávamos com os bancos, a celulose se valorizou.

Em 2016, a empresa gerou R$ 2,16 bilhões de caixa; em 2018, R$ 3,1 bilhões.

Em maio de 2018, comecei a ouvir rumores de funcionários de que eles estariam arrependidos. No mesmo mês, o Aguinaldo me liga e pergunta se eu poderia conversar com o Jackson [Widijaja, um dos donos da gigante APP e da Paper Excellence] para ficar tudo como está.

A proposta era que os dois sócios fizessem uma parceria para implementar a segunda linha de produção juntos. Conversei com o Jackson e ele me orientou a dizer a eles que nossa intenção sempre foi comprar 100% da empresa.

Em qualquer fusão e aquisição, o comprador paga mais pelo controle. Pagamos por 13% da Eldorado o mesmo valor por ação que pagaríamos depois —ou seja, desde o início estava claro que compraríamos toda a companhia. O contrato é feito para isso.

Tínhamos o dinheiro no banco. Depositamos R$ 11,5 bilhões em uma conta no BTG. Dizem que fizemos isso porque não estávamos conseguindo empréstimos. Não é nada disso. Estávamos discutindo com o CDB (China Development Bank).

Quando percebemos que estava ocorrendo uma obstrução, decidimos colocar dinheiro próprio e refinanciar depois, porque, se existe um banco como intermediário, precisamos de muita colaboração do outro lado —e isso não vinha acontecendo.

 Qual foi o primeiro sinal concreto de que a aquisição enfrentaria problemas?

Para fechar essa transação, eu precisava do dinheiro —e nós tínhamos, vejam aqui os extratos [mostra os papéis]— e de um mecanismo de fechamento. Em fusões e aquisições, existe um documento que aponta como isso vai ser feito. Eles nem sequer responderam a esse documento.

E começaram a fazer perguntas sem sentido. Ficaram muito preocupados, por exemplo, com o posicionamento dos órgãos reguladores chineses. E nós tínhamos um “waiver” dentro do contrato que dizia que esse aval não era necessário para fechar a transação. Acredito que estavam imaginando que isso seria uma maneira de brecar o negócio.

Tentamos marcar uma reunião para tratar do fechamento do negócio, e o Aguinaldo disse que iria viajar e passou duas semanas na Copa da Rússia. Ao mesmo tempo, proibiu todos os seus assessores de falar conosco.

Nesse ponto, já começamos a falar com advogados de contencioso.

O Aguinaldo recebeu a primeira notificação dos nossos advogados quando retornou da Rússia, em 18 de julho. No mesmo dia, informei a eles que tinha o dinheiro em conta.

Com bilhões em caixa, como é possível que até 3 de setembro não tenha consigo fechar o negócio? Qualquer um do mercado financeiro sabe que o dinheiro resolve qualquer problema.

 Em que momento o negócio azedou de vez? 

Quando entramos com uma ação cautelar na Justiça em 14 de agosto. Na verdade, só não fizemos antes porque esse tipo de ação pressupõe urgência, então tivemos de esperar chegar mais próximo do prazo final.

Como o contrato prevê arbitragem, não pedimos na Justiça a transferência das ações. Sabíamos que nenhum juiz concordaria. Mas havia uma cláusula de cooperação no contrato e eles não estavam cooperando. Por isso pedimos ao juiz que estendesse a validade do contrato.

Os Batista acharam que iam nos levar à data final sem que fizéssemos nada, mas não fomos inocentes. Foi aí que eles pediram uma reunião, na qual finalmente abriram o que queriam: R$ 6 bilhões a mais pela Eldorado.

 O senhor pode explicar melhor?

Antes de 3 de setembro, eles, teoricamente, não poderiam pedir mais dinheiro. Só que nós havíamos entrado na Justiça e havia uma chance de que o juiz os obrigasse a permitir que concluíssemos a transação.

Nesse ponto, a J&F solicita uma reunião com o Jackson, que aconteceu em Los Angeles, na Califórnia, em 25 de agosto, sábado. Do nosso lado, estavam o Jackson, eu e dois advogados.

Do outro lado, estavam o Aguinaldo, o José Antônio [Batista da Costa, presidente da J&F e também sobrinho de Joesley e Wesley] e mais dois advogados.

A conversa começou com eles falando que iríamos perder o prazo para fechar a aquisição e que, por isso, teríamos de conversar sobre um novo acordo. O Jackson então respondeu que estava ali para discutir o fechamento do negócio e que tinha R$ 11 bilhões na conta para pagar pela Eldorado.

Como as negociações não progrediram naquele sábado, nós pedimos um intervalo. No domingo, tivemos uma nova conversa. Nessa reunião, o Aguinaldo apresentou a seguinte conta.

Segundo ele, o Ebitda (geração de caixa) projetado para a companhia era de R$ 3,4 bilhões e, em conversas com bancos de investimento, um múltiplo justo seria de x. Multiplicando, o valor da companhia chegava a R$ 28,9 bilhões.

 Por esse cálculo, a avaliação da empresa, que era inicialmente de R$ 15 bilhões, saltaria para quase o dobro. É isso?

Exato. Desse valor, era preciso abater R$ 8 bilhões de dívida e sobravam R$ 20,8 bilhões de equity [participação] —incluindo a parte dos fundos, que já havíamos comprado.

Quando fechamos o contrato, pagamos R$ 3,8 bilhões por 49,41% da empresa, logo teria de entregar outros R$ 4,1 bilhões aos Batista pelos R$ 50,69% restantes.

Só que, com essa nova avaliação da companhia, a J&F queria R$ 10,8 bilhões pelos 50,69% restantes. Na prática, portanto, eles estavam solicitando R$ 6 bilhões a mais do que havia sido combinado.

E não era para selar a aquisição imediatamente. Pediram seis meses para cumprir todos os trâmites e, se não desse certo, ainda teríamos que pagar US$ 250 milhões de multa.

O Jackson só fez um comentário: “Estou chocado com essa proposta”.

E nós levamos o relato dessa reunião para a audiência com o juiz no Brasil. Obviamente não entramos em acordo também perante a Justiça e fomos para a arbitragem.

 Vocês têm provas dessa reunião? Algum documento?

Não. Temos nossos testemunhos.

 Na semana passada, o Jackson alfinetou a J&F dizendo num comunicado oficial sobre outra transação que estava surpreso com o rumo que a aquisição da Eldorado havia tomado. Por que ele fez isso?

O Jackson é uma pessoa muito discreta, que não dá entrevistas. Temos avaliado, no entanto, casos anteriores de conflito societário —como o do Casino contra o Abilio Diniz na compra do Pão do Açúcar— e decidimos que é muito importante que falássemos.

Por isso estou dando essa entrevista e ele fez esse comunicado.

Legenda: Joesley Batista durante depoimento na CPI da JBS, em novembro de 2017

 Qual é a sua expectativa sobre a arbitragem?

Os especialistas dizem que pode levar entre 1,5 ano e 2 anos. Veja bem: toda essa confusão é um “free-ride” [corrida livre] para os Batista.

Eles não têm punição nenhuma por estar provocando essa confusão. Só que a Eldorado está gerando valor. E tudo isso vai ser nosso quando a arbitragem terminar.

 Depois do início do litígio, houve mais algum contato entre as partes?

Não. Depois dessa reunião da Califórnia, não nos falamos mais.

 Qual seria um acordo aceitável para a Paper Excellence?

Eles entregarem a empresa pelo preço que havia sido definido e cada um ir viver sua vida.

 Vocês estariam dispostos a vender sua parte na Eldorado?

Não. Nosso negócio é operar empresas. Temos fábricas no Canadá e na França. Não somos especializados em conflitos.

Quando começamos essa negociação, os vendedores tinham feito uma delação premiada e precisavam se desfazer da Eldorado. É lógico que nós refletimos com quem estávamos lidando.

Mas realmente acreditamos que eles queriam passar a empresa para a frente e resolver a situação. Nunca achamos que fossem agir de novo de má-fé. Também avaliamos que o contrato era bem forte. Só que não há contrato que se defenda contra má-fé.

 A Eldorado suspendeu uma emissão de bônus por causa do conflito societário. A empresa está sendo afetada negativamente?

Por enquanto, não vejo isso acontecendo. Mas, se isso ocorrer, iremos cobrar danos.

 Vocês entraram na Justiça pelo direito de indicar um membro para o conselho fiscal. Por quê?

Desde quando fechamos o negócio, nós tivemos direito a uma cadeira no conselho de administração, mas, no início, não apontamos ninguém, porque estávamos agindo de boa-fé.

Em abril de 2018, também conquistamos o direito de um membro no conselho fiscal, mas, naquele momento, também não enxergamos a necessidade disso, já que compraríamos a empresa.

Depois que o litígio começou, tivemos de fazer valer esses direitos. Tenho de fiscalizar a empresa.

 Vocês ainda continuam vendo o Brasil como um país seguro para investir?

Acreditamos que as reformas econômicas serão feitas e que a economia vai voltar a crescer. Nesse setor de papel e celulose, o Brasil é muito competitivo.

Nunca nos deparamos com nada parecido em outro lugar. No total, fizemos sete aquisições. Mas confiamos que a Justiça brasileira vai garantir os nossos direitos.

De novo, veja o exemplo do Casino. A Justiça brasileira não diferencia o estrangeiro dos empresários nacionais (Folha de S.Paulo, 14/4/19)