Depois de soja e milho, o algodão – Editorial O Estado de S.Paulo
SOJA, MILHO E ALGODÃO MONTAGEM Foto Blog do Lúcio Sorge.jpg
Brasil se beneficia da rixa entre EUA e China e agora precisa consolidar liderança nas commodities.
O Brasil está prestes a ultrapassar os Estados Unidos e liderar o ranking mundial dos exportadores de algodão. As estatísticas de previsão de embarque da safra 2023-2024 dos dois países estão praticamente empatadas, e os dados dos EUA devem ser revistos para baixo em consequência do El Niño, que atinge o Texas, maior região produtora americana, com calor extremo e seca.
Grandes fornecedores mundiais já preveem o avanço brasileiro nas vendas globais neste ano e nos próximos, como revelou reportagem da agência internacional Bloomberg reproduzida pelo Estadão. É mais uma notícia a ilustrar as mudanças na correlação de forças em um mundo em plena transformação. Os efeitos climáticos podem, de fato, estar acelerando o redirecionamento de curso, mas não são o único – talvez nem o principal – motivo.
O confronto comercial travado desde 2018 entre EUA e China, as duas maiores potências econômicas da atualidade, consolidou um rearranjo no comércio de commodities. O Brasil tem se beneficiado da guerra dos gigantes, elevando suas exportações de commodities para os dois mercados.
O algodão é um dos produtos agrícolas que vêm tirando mais vantagens. O aumento das vendas para a China e a safra recorde de 2018-2019 fizeram, de imediato, o Brasil passar da quarta para a segunda colocação no ranking exportador, enquanto os exportadores norte-americanos tiveram de correr atrás de novos mercados. Agora, com os prejuízos impostos à produção nos Estados Unidos, uma nova escalada das vendas brasileiras se avizinha.
Uma inversão e tanto num cenário que, há apenas duas décadas, levou o Brasil a recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) para conter o rolo compressor da política de subsídios adotada pelos Estados Unidos que esmagava os concorrentes. A maior contenda entre Brasil e EUA na OMC ficou conhecida como a “Guerra do Algodão” e se estendeu por mais de dez anos. O excesso de subsídios americanos foi considerado ilegal e o governo americano teve de indenizar o Brasil.
É importante revisitar os fatos recentes num momento em que a balança pesa favoravelmente para o Brasil no comércio internacional. Os efeitos laterais – benéficos para as exportações brasileiras – não devem se estender por longo prazo. Tampouco a produção brasileira está livre dos efeitos nefastos das reviravoltas climáticas que afetam o mundo todo.
O País, que há dez anos lidera o comércio de soja, este ano puxa o ranking mundial nas exportações de milho e caminha para a mesma posição em relação ao algodão. Para firmar-se na liderança é preciso mais do que contingências externas. Com investimento pesado em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, o setor do agronegócio tem feito a sua parte. O Plano Safra 2023-2024, de R$ 364 bilhões, embora abaixo dos R$ 400 bilhões esperados pelo setor, também é satisfatório.
O principal obstáculo a ser removido continua a ser a burocracia governamental, como forma de agilizar investimentos, com incentivos na medida certa. E a meta a ser perseguida é uma agricultura com o menor impacto ambiental e social possível (Estadão, 13/9/23)