12/11/2018

Desafios da governança de terras no Brasil – Por Leonardo Góes Silva

Desafios da governança de terras no Brasil – Por Leonardo Góes Silva

O Incra pode - e deve - colaborar para a melhoria da política fundiária nacional.

Com trajetória de quase meio século, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) se consolidou como o principal gestor da malha fundiária brasileira, responsável por participar diretamente da formulação e da execução das políticas de gerenciamento territorial. Dessa forma, a autarquia desempenha papel estratégico e singular no planejamento de ações e programas voltados para o meio rural.

Ao longo de 48 anos de trabalho em prol das boas práticas de governança de terras, o instituto conquistou um papel de protagonismo na discussão sobre a realidade fundiária nacional. No momento em que as relações econômicas no campo se tornam mais sofisticadas, identificar as potencialidades de uso sustentável do território pode garantir ao Brasil um papel de maior destaque na produção de commodities para exportação e de alimentos para o consumo interno.

Cabe ainda destacar o papel do instituto na colonização de vastas extensões de terra desde a década de 1970, notadamente nas Regiões Centro-Oeste e Norte. Isso permitiu ao Incra acompanhar as transformações da malha fundiária brasileira e entender a dinâmica agrária dessas áreas - justamente as que requerem maior atenção em termos de governança de terras.

Como principal agente de gerenciamento da malha fundiária, a autarquia ressalta a importância estratégica de conhecimento do território pelo Estado brasileiro. Além dos elementos econômicos, há aspectos concernentes à soberania nacional e ao pleno aproveitamento de nossas potencialidades agrícolas enquanto player internacional.

A questão da governança de terras envolve elementos técnicos, econômicos e sociais. Um moderno gerenciamento da malha fundiária fomenta a segurança jurídica - reduzindo os níveis de tensão no campo - e tem potencial para elevar a arrecadação fiscal, sem que isso gere aumento da já pesada carga tributária do País.

Em termos econômicos, a eficaz governança da terra desperta a confiança de investidores dispostos a aproveitar o imenso potencial da agricultura e da pecuária, hoje pilares da pauta de exportações e responsáveis por parte expressiva do superávit da balança comercial brasileira. A atração de capitais estrangeiros e nacionais para o setor primário representa também um impulso imprescindível para a economia de pequenos e médios municípios.

Nos últimos dois anos o Incra vem adotando medidas importantes voltadas para a titulação de lotes e a regularização fundiária. Mudanças na legislação, pela Lei 13.465, permitiram que a autarquia aprimorasse os processos de emissão de títulos de posse e de estruturação do cadastro multifinalitário. Tal esforço visa a criar condições para que a gestão da malha fundiária dê um salto de qualidade.

A importância desse trabalho levou o Incra a criar e implantar o Grupo de Estudos de Inteligência Territorial (Geit), que desenvolve metodologias e cria parâmetros de análise, com vista a aprimorar os mecanismos para a governança de terras.

O corpo técnico do instituto reúne profissionais altamente especializados e habilitados para implementar as mais modernas práticas de governança. Organismos internacionais - como a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e o Comitê Ibero-americano Permanente de Cadastro (CPCI) - reconhecem a expertise do Incra na área de gestão da malha fundiária e estabeleceram parcerias para a troca de experiências com países da América Latina e do Caribe.

O interesse em aproveitar o conhecimento técnico do Incra se justifica por fatores como a grande extensão territorial brasileira, a complexidade do cadastro de imóveis rurais organizado e mantido pela autarquia, o desenvolvimento de sistemas capazes de integrar bancos de dados fundiários, além do alto nível de precisão das informações. 

No futuro governo, o maior desafio será a unificação, no âmbito da União, da base de dados fundiários do meio rural. Isso dará ao governo federal e à sociedade o pleno conhecimento territorial do País. A integração dos bancos de informações garante o uso racional do território e estabelecerá as bases para a definição de novas políticas para o meio rural. 

Essa integração - cujo pilar será o Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) - beneficiará pequenos, médios e grandes proprietários rurais. Além da desburocratização, eles terão maior garantia de direitos e estabilidade jurídica para produzir, gerar renda e riqueza. Isso porque haverá o registro de informações georreferenciadas e devidamente atualizadas, permitindo a análise dos imóveis rurais em todo o território brasileiro.

O investimento em infraestrutura para aprimoramento da gestão fundiária ampliará a capacidade do Incra de coletar, processar e analisar as informações referentes aos imóveis rurais. Dessa forma, a autarquia terá melhores condições de elaborar o planejamento para racional utilização do território e trabalhar com parâmetros adequados de avaliação das propriedades.

A implementação de uma política fundiária moderna e pronta a responder aos anseios da sociedade se configura num dos principais desafios brasileiros. O governo federal, os Estados, as entidades representativas do setor agropecuário e os proprietários rurais precisam unir esforços para pôr essa questão como uma das prioridades do esforço em favor da recuperação econômica - necessidade imperiosa neste momento de mudança do País.

Entendemos que a adequada governança da terra deverá continuar dando prioridade a critérios técnicos, garantindo a segurança jurídica no campo, promovendo um ambiente de diálogo e pacificação dos conflitos, evitando, assim, que a questão agrária seja palco de disputas ideológicas e partidárias.

Nesse sentido, o Incra acredita que pode - e deve - colaborar para a melhoria da política fundiária nacional (Leonardo Góes Silva, engenheiro agrônomo é presidente do Incra desde maio de 2016; O Estado de S.Paulo, 12/11/18)