Desconforto supremo – Editorial Folha de S.Paulo
Luís Roberto Barroso, ministro do STF, em evento da UNE - Yuri Salvador-UNE
Declaração de Barroso em evento não combina com figurino de ministro do STF.
Pode-se falar muita coisa a respeito do discurso de Luís Roberto Barroso na abertura do 59º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), menos que ele combina com o figurino de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Agindo antes como animador de auditório do que como integrante da mais alta corte, Barroso afirmou: "Nós derrotamos a censura, nós derrotamos a tortura, nós derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia e a manifestação livre de todas as pessoas".
Foi uma declaração tão fora de esquadro que o ministro e o próprio STF divulgaram nota para contextualizá-la. O "nós" mencionado por Barroso seria uma referência ao voto popular, não à atuação de alguma instituição específica.
O desconforto, porém, estava sedimentado. De imediato, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) prometeram abrir processo pelo impeachment do ministro, que teria, segundo essa visão, exercido atividade político-partidária.
Não se trata, é claro, de pleito frutífero. Mas a atitude de Barroso oferece terreno fértil para o bolsonarismo plantar uma de suas sementes favoritas: o descrédito do Judiciário. E isso vindo de um ministro que conhece tal seara. No ano passado, ao ser hostilizado por apoiadores de Bolsonaro, ele respondeu: "Perdeu, mané. Não amola".
Ainda que não configurem crime de responsabilidade, as condutas se chocam com os deveres éticos do magistrado, de quem não se esperam comportamentos capazes de refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.
Alguns ministros do STF, contudo, são pródigos nesse mister. O caso de Gilmar Mendes é o que mais chama a atenção. No fim de junho, o instituto do ministro, em parceria com a FGV Conhecimento, realizou mais um evento acadêmico em Lisboa, do qual participou, entre outros, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Poucos dias depois, Gilmar suspendeu apuração sobre contratos de kit de robótica que envolve aliados de Lira. A isso se soma decisão de novembro, tomada pelo mesmo ministro, em favor da FGV, investigada pela Polícia Federal.
Pouco importa o mérito desses processos ou as intenções de uma declaração; quando um magistrado dá azo a suspeitas, nenhuma explicação pode ser suficiente para acalmar espíritos mais desconfiados —e o desconforto de um ministro com as reações nem se compara com o que sente o próprio STF (Folha, 14/7/23)