25/10/2024

Desembargadores são afastados por suspeita de venda de decisões no MS

Desembargadores são afastados por suspeita de venda de decisões no MS

Policial federal durante cumprimento de mandados em uma operação da corporação - Polícia Federal Divulgação

 

Quebras de sigilo apontam que advogados usavam mecanismos para burlar rastro do dinheiro.

As quebras de sigilo de comunicações que fundamentaram a operação da Polícia Federal desta quinta-feira (24) sobre venda de decisões judiciais no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul apontam que as negociações sob suspeitas aconteciam por meio dos filhos dos desembargadores afastados.

Esses filhos investigados são, na maioria, advogados, que, segundo a PF, usariam seus escritórios para burlar mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro.

Um dos afastados por 180 dias é o presidente do TJ-MS, Sergio Fernandes Martins. Os outros são Vladimir Abreu da Silva, Marcos José de Brito Rodrigues, Sideni Soncini Pimentel e Alexandre Aguiar Bastos.

"As conversas travadas entre a analista judiciária Natacha [Neves Bastos] e a magistrada Kelly [Gaspar] corroboram a hipótese criminal levantada no presente inquérito policial, no sentido de que a negociação de decisões judiciais ocorra por intermédio dos filhos dos desembargadores", diz a PF.

"[Os filhos são], em sua maioria, advogados e sócios de escritórios de advocacia e utilizariam de suas pessoas jurídicas na intenção de burlar os mecanismos de rastreamento do fluxo de dinheiro."

Natacha teve o sigilo telemático quebrado pela Justiça, e conversava com uma juíza do interior do estado. A conversa entre as duas acontecia após um traficante ter sido solto pelo tribunal, em uma decisão sob suspeita.

Nas investigações, são apontadas suspeitas de que o filho do desembargador Sideni Pimentel, o advogado Rodrigo Gonçalves Pimentel, teria recebido dinheiro devido a decisão favorável concedida pelo desembargador Julio Cardoso, atualmente aposentado.

Além disso, Cardoso teria feito "transações imobiliárias de grande monta (...) com o emprego de recursos de origem não rastreável, ou seja, que não transitaram em contas bancárias de titularidade do investigado".

As suspeitas são de que Rodrigo Pimentel esteja envolvido em decisões que envolvem diferentes magistrados. Em uma mensagem encontrada em um HD apreendido pela PF, ele diz sobre uma decisão: "Vai sair hoje !! Certeza !! Perto das 6 da tarde !! Pode falar para seus parceiros aí até o horário pra ver q temos o controle !!".

 

Também há suspeita de participação do advogado Fabio Castro Leandro, filho do desembargador Paschoal Carmello Leandro.

São citados ainda os filhos do desembargador aposentado Divoncir Maran, Diogo Rodrigues e Divoncir Junior, como operadores de vendas de decisões. Divoncir, dizem as investigações, é próximo do desembargador Marcos Brito.

A PF entende que essa mensagem é um dos exemplos do advogado atuando na intermediação de decisões judiciais.

O filho do desembargador Vladimir Abreu, o advogado Marcus Vinicius Machado Abreu da Silva, também é apontado como suspeito de intermediar decisões do pai.

Também há transferência suspeita para o filho do desembargador Alexandre Bastos.

A reportagem não conseguiu localizar as defesas dos filhos dos desembargadores.

Nesta quinta, cinco desembargadores foram afastados dos cargos por determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Além das buscas, também há medidas como proibição de acesso às dependências de órgão público, vedação de comunicação entre investigados e uso de tornozeleira eletrônica.

Em nota, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afirma o STJ determinou "medidas direcionadas exclusivamente a alguns desembargadores, magistrado e servidores", e que elas foram "regularmente cumpridas, sem prejuízo a quaisquer dos serviços judiciais prestados à população e que não afetam de modo algum os demais membros e componentes da Justiça sul-mato-grossense".

"Os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo", diz o tribunal.

"O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul seguirá desenvolvendo seu papel de prestação jurisdicional célere e eficaz, convencido de que aos desembargadores, magistrado e servidores referidos, será garantido o devido processo legal."

A ação foi batizada de Ultima Ratio e investiga os crimes de corrupção em vendas de decisões judiciais, lavagem de dinheiro, organização criminosa, extorsão e falsificação de escrituras públicas no Poder Judiciário.

Os mandados de busca foram expedidos pelo ministro Francisco Falcão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), e são cumpridos por cerca de 200 policiais federais em Campo Grande (MS), Brasília (DF), São Paulo (SP) e Cuiabá (MT).

Na decisão, Falcão afirma ainda que foi encontrado "suposto conflito de interesses na atuação de Desembargadores no julgamento de processos envolvendo partes por eles representadas, quando ainda atuavam como advogados, antes da assunção do cargo de desembargador".

Nesses casos, os magistrados são obrigados a se declararem impedidos em julgamentos.

"Também foram identificados diversos processos nos quais advogados que compõem escritórios de parentes dos desembargadores atuaram como procuradores, inclusive contratados por prefeituras municipais de Mato Grosso do Sul para prestação de serviços de consultoria jurídica, e que foram julgados pelos magistrados investigados", acrescenta o ministro.

Judiciário na mira

 

A investigação sobre a comercialização de sentença teve apoio da Receita e é um desdobramento da operação Mineração de Ouro, deflagrada pela PF em 2021.

Na primeira fase, a investigação tinha como foco a suposta participação de integrantes do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul em uma organização criminosa.

O nome da operação teve como origem a descoberta de que a aquisição de direitos de exploração de mineração em determinadas áreas eram utilizadas para lavagem de dinheiro proveniente do esquema (Folha, 25/10/24)