Desempenho do agronegócio na pandemia sustenta exportações brasileiras
Legenda: Vendas de soja e de carnes responderam por um terço das exportações brasileiras de fevereiro a abril. Foto: Germano Rorato/Estadão - 24/8/2018
Entre fevereiro e abril vendas de soja e carnes para o exterior cresceram 24% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as exportações em geral subiram apenas 0,7%.
Em pouco mais de três meses da crise global provocada pelo novo coronavírus, o agronegócio é o setor que apresenta os melhores resultados no Brasil, sustentando boa parte das vendas de mercadorias para outros países.
De fevereiro a abril, as exportações de produtos em geral somaram US$ 52,822 bilhões, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia. Somente as vendas de soja e derivados e de carnes - dois dos principais itens da pauta brasileira - somaram US$ 16,438 bilhões no período, cerca de um terço do total.
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As vendas de soja e derivados e de carnes no intervalo de fevereiro - quando os efeitos da covid-19 sobre o comércio global se intensificaram - a abril mostram um aumento de 24% em relação ao mesmo período do ano passado. Em comparação, as exportações em geral de fevereiro a abril subiram apenas 0,7%.
Para o economista Simão Davi Silber, doutor em Economia Internacional e professor da Universidade de São Paulo (USP), o desempenho positivo do agronegócio, mesmo neste momento de crise global, tem uma explicação simples. “A primeira necessidade é ‘comer’. E, para proteicos, o Brasil é fundamental”, afirma.
Mesmo assim, o avanço do coronavírus no Brasil começa a preocupar os compradores estrangeiros. A China já recomendou às empresas de alimentos que aumentem os estoques de grãos e oleaginosas. Uma das principais questões levantadas pelos chineses, segundo a agência Reuters, é como o avanço da pandemia no Brasil poderá prejudicar o envio de produtos como carne, soja e outros grãos.
Os países da Ásia são os principais clientes do Brasil. Com uma população superior a 1,4 bilhão de pessoas, China, Hong Kong e Macau compraram de fevereiro a abril o equivalente a US$ 17,734 bilhões em mercadorias brasileiras - a maior parte do setor agrícola. De cada US$ 100 em vendas feitas pelo País, um terço (US$ 33,57) foi para a região.
Além da forte demanda dos países asiáticos, consumidores de alimentos, o agronegócio é favorecido pelo câmbio. A pandemia do novo coronavírus e a crise política que atinge o governo de Jair Bolsonaro fizeram o dólar disparar nos últimos meses em relação ao real. Na quinta-feira, 21, a moeda americana à vista encerrou a sessão cotada a R$ 5,5818. A alta acumulada em 2020 é de 39%. Para as companhias do agronegócio, isso significa mais reais no caixa para cada dólar de exportação.
Esse cenário faz o setor aparecer como uma espécie de “ilha de bonança” no Brasil, em meio à derrocada econômica na pandemia. Dados do relatório Focus, do Banco Central, mostram que os economistas do mercado financeiro projetam atualmente retração de 5,12% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Enquanto o PIB de serviços - fortemente afetado pelo isolamento social - deve despencar 4%, o PIB da agropecuária pode subir 2,48%, conforme as projeções dos economistas.
“É possível que a queda do PIB no Brasil seja menor por conta do PIB agrícola”, comenta a economista Vitoria Saddi, professora do Insper em São Paulo. Com a experiência de ter atuado em instituições internacionais como JP Morgan e Citibank, Saddi acredita que o comércio global após a pandemia poderá trazer oportunidades ao Brasil.
“Em momentos de crise profunda, como foi a da década de 1870 nos EUA (o Pânico de 1873) ou a Grande Depressão (iniciada em 1929), o mundo tende a se fechar”, alerta a economista. “É quase como um subproduto da crise o fechamento do comércio no mundo.”
Ainda assim, países com grande população a ser alimentada, como a China, precisarão continuar a acessar as cadeias globais de comércio. “Tendo a pensar que talvez os países venham a reprimir e impor sanções à China”, afirma Saddi. “Isso seria uma oportunidade para os produtos brasileiros.”
Guerra comercial
Desde antes da covid-19, Estados Unidos e China vinham protagonizando episódios de guerra comercial, na esteira de uma política mais protecionista adotada pelo presidente norte-americano, Donald Trump. Nas últimas semanas, Trump elevou o tom das críticas contra a China e passou a culpar o país asiático pela pandemia.
No Brasil, esse cenário tem sido discutido pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Em comentários públicos, ele vem pontuando que, após a pandemia, o comércio global poderá passar por mudanças - não necessariamente positivas.
Na última quarta-feira, 20, porém, Campos Neto lembrou que o setor agrícola brasileiro se tornou uma potência ao longo dos anos. “No resto, ficamos para trás dos países que se inseriram na cadeia de comércio”, afirmou, durante evento ligado ao setor de infraestrutura (O Estado de S.Paulo, 23/5/20)