02/09/2024

Desindustrialização: Do pão ao carro, energia cara no preço dos produtos

Desindustrialização: Do pão ao carro, energia cara no preço dos produtos

Imagem Reprodução-Blog Império Solar Renováveis

Estudo mostra pela primeira vez o impacto da eletricidade e do gás na tonelada produzida no Brasil e seu custo em relação a EUA e União Europeia.

Energia cara foi um item decisivo para aumentar o preço dos produtos brasileiros e levar à desindustrialização —e a reversão desse custo pode elevar a taxa de crescimento do país em quase 2 pontos percentuais. A análise consta do primeiro estudo que mediu o impacto de energia elétrica, gás natural e outras fontes, como combustíveis, no custo da tonelada produzida pela indústria nacional.

O estudo identifica os efeitos do encarecimento da energia sobre a produção industrial e mostra o impacto sobre diferentes produtos, inclusive sobre itens básicos.

Uma fatia de 23% do valor da cesta básica é de gasto com energia. No preço do pãozinho, equivale a 27%. Nas carnes e leite, 33%.

Nos materiais da construção civil, a energia corresponde a cerca de 25% do preço das esquadrias de alumínio, tubos de PVC e do cimento.

Cerca de 14% do preço de um automóvel fabricado no Brasil é energia, e de um eletroeletrônico, quase 11%. A energia pesa até no material escolar: 36% do preço do caderno, 24% da borracha e 15% do lápis.

O levantamento foi feito pela ExAnte Consultoria Econômica a pedido da Abrace, que representa os 50 maiores consumidores industriais do país. Na avaliação da entidade, o momento é decisivo para o setor no que se refere ao preço desse insumo.

conta de luz do brasileiro já financia uma série de políticas públicas, como consumo de combustível fóssil de térmicas de lugares remotos, carvão de usinas, transmissão para projetos solares e eólicos. Agora, com a transição energética ganhando tração, cresce a demanda por mais incentivos —via subsídios, como o benefício ao hidrogênio verde na tarifa, e consumo compulsório, caso da mistura do biometano ao gás natural.

Segundo o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, concretizadas essas e outras propostas, a tendência é que o custo da energia mantenha o movimento de alta, prejudicando ainda mais a competitividade da indústria local, e até comprometa a capacidade de o país se destacar no nascente mercado global de produtos verdes.

"Estados Unidos, União Europeia e China usam políticas energéticas associadas a políticas industriais para fortalecer as suas economias e levar cadeias produtivas de baixa emissão para os seus países, e nisso a gente está no vazio", afirma Pedrosa.

"No Brasil, o tema da transição energética está fragmentado em vários órgãos e entidades, mas nos falta uma visão agregadora como estratégia de transição do país para uma sociedade mais próspera. Energia limpa, barata e segura deveria fazer parte de uma política de desenvolvimento. Elevar a tarifa de energia, como tem sido feito, e pode ser mantido, vai na direção contrária."

 

O estudo apresenta dados novos para incluir a indústria no debate da transição energética.

Análises tradicionais que tratam do impacto da energia sobre a produção trabalham em unidades de energia gasta. Ou seja, indicam a evolução dos preços da energia, mas não o impacto dessa evolução sobre a competitividade das empresas.

O novo estudo discute a despesa com energia por tonelada produzida —e chama esse indicador de custo unitário. O estudo observa a evolução desse custo de 2000 a 2022, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, para eletricidade e gás natural. A análise mostra um forte descolamento.

O custo unitário com eletricidade avançou 1.154%, e o gás natural, 3.128% —enquanto a inflação oficial foi de 291%. Convertendo esse aumento para dólar, a alta do custo unitário de eletricidade no Brasil foi de 344%, e do gás, 1.044%.

Isso fez com que o preço dos produtos industriais brasileiros, ao saírem pela porta da fábrica, terminassem o período acumulando um aumento de 585% em reais. Já os preços industriais nos Estados Unidos tiveram alta de 52% em dólar, e na União Europeia, de 48% em euro.

"Essa nova abordagem mostrou uma situação mais grave do que a gente identificava", explica o economista Fernando Garcia de Freitas, sócio da ExAnte e coautor do estudo.

"Nos 20 e poucos anos que analisamos, vimos a indústria economizar energia e elevar ganhos de eficiência, mas mesmo assim, as empresas não conseguiram segurar os aumentos, e foram não só elevando o preço dos produtos, mas consumindo margens de ganho."

 

Segundo Freitas, o ambiente de custos em alta também comprometeu a estrutura produtiva do Brasil, acelerando a desindustrialização.

"A indústria nacional sofreu com o comércio exterior, basicamente a abertura e a entrada da China como competidor relevante. Sentiu o aumento do valor da mão de obra. Mas ao longo das ultimas décadas pesou demais o recorrente e crescente aumento no preço da energia", diz Freitas.

O baque foi generalizado, explica ele, mas maior para eletrointensivos, que dependem de fundição ou eletrólise, como indústrias de aço, alumínio, PVCs, vidro, cerâmica.

O estudo também faz projeções macroeconômicas, considerando dois cenários, um de referência, em que se preserva a atual tendência de alta de custos, e um outro, de maior competitividade, em que ocorreria redução dos preços para níveis internacionais. No cenário mais benigno, a eletricidade teria queda de 23% a 33%, a depender do nível de tensão, e o preço do gás natural cairia pela metade, em relação ao patamar atual.

Com essas retrações, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) passaria de 1,9% ao ano, no cenário de referência, para 3,7% ao ano, no cenário de mais competitividade. Ao final de dez anos, o PIB teria R$ 2,6 trilhões adicionais. O PIB per capita encerraria o período em US$ 69 mil, US$ 12 mil acima do valor traçado no cenário de referência.

Em relação à geração de empregos, a diferença entre os dois cenários aponta que quase 7 milhões a mais de postos de trabalho tenderiam a ser criados num ambiente de preços de energia mais competitivo, com efeitos sobre a qualidade de vida e o desenvolvimento humano (Folha, 1/9/24)