Desindustrialização: Do pão ao carro, energia cara no preço dos produtos
Imagem Reprodução-Blog Império Solar Renováveis
Estudo mostra pela primeira vez o impacto da eletricidade e do gás na tonelada produzida no Brasil e seu custo em relação a EUA e União Europeia.
Energia cara foi um item decisivo para aumentar o preço dos produtos brasileiros e levar à desindustrialização —e a reversão desse custo pode elevar a taxa de crescimento do país em quase 2 pontos percentuais. A análise consta do primeiro estudo que mediu o impacto de energia elétrica, gás natural e outras fontes, como combustíveis, no custo da tonelada produzida pela indústria nacional.
O estudo identifica os efeitos do encarecimento da energia sobre a produção industrial e mostra o impacto sobre diferentes produtos, inclusive sobre itens básicos.
Uma fatia de 23% do valor da cesta básica é de gasto com energia. No preço do pãozinho, equivale a 27%. Nas carnes e leite, 33%.
Nos materiais da construção civil, a energia corresponde a cerca de 25% do preço das esquadrias de alumínio, tubos de PVC e do cimento.
Cerca de 14% do preço de um automóvel fabricado no Brasil é energia, e de um eletroeletrônico, quase 11%. A energia pesa até no material escolar: 36% do preço do caderno, 24% da borracha e 15% do lápis.
O levantamento foi feito pela ExAnte Consultoria Econômica a pedido da Abrace, que representa os 50 maiores consumidores industriais do país. Na avaliação da entidade, o momento é decisivo para o setor no que se refere ao preço desse insumo.
A conta de luz do brasileiro já financia uma série de políticas públicas, como consumo de combustível fóssil de térmicas de lugares remotos, carvão de usinas, transmissão para projetos solares e eólicos. Agora, com a transição energética ganhando tração, cresce a demanda por mais incentivos —via subsídios, como o benefício ao hidrogênio verde na tarifa, e consumo compulsório, caso da mistura do biometano ao gás natural.
Segundo o presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, concretizadas essas e outras propostas, a tendência é que o custo da energia mantenha o movimento de alta, prejudicando ainda mais a competitividade da indústria local, e até comprometa a capacidade de o país se destacar no nascente mercado global de produtos verdes.
"Estados Unidos, União Europeia e China usam políticas energéticas associadas a políticas industriais para fortalecer as suas economias e levar cadeias produtivas de baixa emissão para os seus países, e nisso a gente está no vazio", afirma Pedrosa.
"No Brasil, o tema da transição energética está fragmentado em vários órgãos e entidades, mas nos falta uma visão agregadora como estratégia de transição do país para uma sociedade mais próspera. Energia limpa, barata e segura deveria fazer parte de uma política de desenvolvimento. Elevar a tarifa de energia, como tem sido feito, e pode ser mantido, vai na direção contrária."
O estudo apresenta dados novos para incluir a indústria no debate da transição energética.
Análises tradicionais que tratam do impacto da energia sobre a produção trabalham em unidades de energia gasta. Ou seja, indicam a evolução dos preços da energia, mas não o impacto dessa evolução sobre a competitividade das empresas.
O novo estudo discute a despesa com energia por tonelada produzida —e chama esse indicador de custo unitário. O estudo observa a evolução desse custo de 2000 a 2022, não apenas no Brasil, mas também nos Estados Unidos, para eletricidade e gás natural. A análise mostra um forte descolamento.
O custo unitário com eletricidade avançou 1.154%, e o gás natural, 3.128% —enquanto a inflação oficial foi de 291%. Convertendo esse aumento para dólar, a alta do custo unitário de eletricidade no Brasil foi de 344%, e do gás, 1.044%.
Isso fez com que o preço dos produtos industriais brasileiros, ao saírem pela porta da fábrica, terminassem o período acumulando um aumento de 585% em reais. Já os preços industriais nos Estados Unidos tiveram alta de 52% em dólar, e na União Europeia, de 48% em euro.
"Essa nova abordagem mostrou uma situação mais grave do que a gente identificava", explica o economista Fernando Garcia de Freitas, sócio da ExAnte e coautor do estudo.
"Nos 20 e poucos anos que analisamos, vimos a indústria economizar energia e elevar ganhos de eficiência, mas mesmo assim, as empresas não conseguiram segurar os aumentos, e foram não só elevando o preço dos produtos, mas consumindo margens de ganho."
Segundo Freitas, o ambiente de custos em alta também comprometeu a estrutura produtiva do Brasil, acelerando a desindustrialização.
"A indústria nacional sofreu com o comércio exterior, basicamente a abertura e a entrada da China como competidor relevante. Sentiu o aumento do valor da mão de obra. Mas ao longo das ultimas décadas pesou demais o recorrente e crescente aumento no preço da energia", diz Freitas.
O baque foi generalizado, explica ele, mas maior para eletrointensivos, que dependem de fundição ou eletrólise, como indústrias de aço, alumínio, PVCs, vidro, cerâmica.
O estudo também faz projeções macroeconômicas, considerando dois cenários, um de referência, em que se preserva a atual tendência de alta de custos, e um outro, de maior competitividade, em que ocorreria redução dos preços para níveis internacionais. No cenário mais benigno, a eletricidade teria queda de 23% a 33%, a depender do nível de tensão, e o preço do gás natural cairia pela metade, em relação ao patamar atual.
Com essas retrações, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) passaria de 1,9% ao ano, no cenário de referência, para 3,7% ao ano, no cenário de mais competitividade. Ao final de dez anos, o PIB teria R$ 2,6 trilhões adicionais. O PIB per capita encerraria o período em US$ 69 mil, US$ 12 mil acima do valor traçado no cenário de referência.
Em relação à geração de empregos, a diferença entre os dois cenários aponta que quase 7 milhões a mais de postos de trabalho tenderiam a ser criados num ambiente de preços de energia mais competitivo, com efeitos sobre a qualidade de vida e o desenvolvimento humano (Folha, 1/9/24)