Desmatamento cai na mata atlântica, mas cresce na fronteira com cerrado
Desmatamento mata atlântica - Foto Divulgação-SOS Mata Atlântica
Dados de 2023 da SOS Mata Atlântica mostram queda de 27% no desflorestamento do bioma contínuo, mas aumento nos trechos de floresta encravados em outros biomas.
O desmatamento na mata atlântica brasileira caiu de 2022 para 2023, mas o mesmo não aconteceu com os fragmentos deste bioma em áreas de cerrado, pantanal e caatinga. Nessas "ilhas" de vegetação típica da mata atlântica dentro de outros biomas (conhecidas como encraves), o desflorestamento cresceu, acompanhando a devastação das áreas ao redor.
Os dados foram divulgados nesta terça-feira (21) pela Fundação SOS Mata Atlântica e se baseiam em dois levantamentos: o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica, realizado pela organização em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e o SAD (Sistema de Alertas de Desmatamento), da rede colaborativa MapBiomas.
Realizado desde 1989, o Atlas detecta áreas superiores a três hectares de florestas maduras, que correspondem a 12% do bioma original. Por esse critério, o desmatamento caiu 27% — de 20.075 hectares em 2022 para 14.697 em 2023.
Já o SAD tem uma abrangência mais ampla, sendo capaz de detectar desmatamentos a partir de 0,3 hectare em florestas em diversos estágios de recuperação, que ocupam 24% da área total do bioma. Por essa metodologia, o desmatamento cresceu 9% no mesmo período, saltando de 74.556 para 81.356.
Essa diferença se explica pela devastação dos encraves e das áreas de transição com outros biomas, que continuou em alta, enquanto a área contínua de mata, que se estende do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, foi mais preservada no período.
"São dois sistemas que se complementam e mostram a mesma tendência. Na região contínua, reconhecida como mata atlântica, o desmatamento diminuiu bastante, mas nas áreas de transição e nos encraves ilhados no cerrado, na caatinga e no pantanal, aumentou muito. É o que vemos no Mato Grosso do Sul, no Piauí e na Bahia, em áreas de expansão dos grandes projetos agropecuários de soja, milho, pasto", afirma Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica.
De acordo com o MapBiomas, praticamente 95% do desflorestamento de 2023 foi motivado pela expansão agrícola. Em seguida vieram expansão urbana, causas naturais e mineração.
Lei de proteção e os encraves
A mata atlântica está presente em 17 estados, em uma área total correspondente a 15% do território nacional. É uma região densamente povoada, na qual vivem 7 de cada 10 brasileiros.
Pelo monitoramento do SAD, é como se o equivalente a 200 campos de futebol tivessem sido desmatados por dia, o que é especialmente preocupante por se tratar do bioma mais devastado do país.
"A gente desmata esse bioma faz 523 anos. Cada pedaço que a gente corta faz muita falta. Não poderíamos estar perdendo nada, até porque não há justificativa para desmatar floresta. O Brasil não fica mais rico, não ganha nada com isso, só perde", afirma Guedes Pinto.
A mata atlântica é o único bioma com uma lei de proteção específica, que só autoriza o desflorestamento em casos de utilidade pública ou interesse social.
O texto da Lei da Mata Atlântica, de 2006, afirma que as restrições ao desmatamento se aplicam também aos encraves florestais, mas, na prática, isso é contestado, o que ajuda a explicar o desflorestamento nessas áreas.
É por isso que, enquanto o desmatamento no bioma contínuo é quase todo ilegal, nos encraves muitas vezes é autorizado.
"A Lei da Mata Atlântica é superior ao Código Florestal, mas alguns governos estaduais e municipais não reconhecem isso e autorizam o desmatamento. São muitas idas e vindas, muitos questionamentos de assembleias estaduais", afirma o geógrafo Marcos Reis, coordenador técnico do MapBiomas.
Para Reis, falta padronização e transparência na emissão descentralizada de licenças ambientais. "Hoje, tem muita autorização sendo emitida por municípios que não estão públicas. E não existe uma padronização mínima: algumas não trazem o código do imóvel, as coordenadas aéreas, uma área bem delimitada", diz.
O geógrafo, que atua nessa área há quase 25 anos, acompanhou a queda do desflorestamento na mata atlântica a partir da promulgação da lei. "O problema é que até hoje continua o desmatamento nas florestas mais antigas, que têm mais carbono estocado, mais biodiversidade, que prestam mais serviços ambientais. Temos que parar isso", afirma.
A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica (Folha, 21/5/24)